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“Podem tirar a rapariga do Norte, mas não tiram o NORTE DA RAPARIGA”

Um golpe de sorte chamado gravidez de Sara Matos elevou-a à categoria de protagonista da série Cuba Libre, que conta a história da filha rebelde do último diretor da PIDE e que RTP emite às quartas-feiras à noite. Disciplinada q.b., por força do ballet cl

TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA | FOTOS FELIPE FERREIRA

Eradesportista,feznatação, atletismo de pista, jogou voleibol, foi bailarina clássica e, aos 18 anos, ficou rendida ao teatro e à representação. O que aconteceu? Fiquei completamente rendida! O ballet clássico é belíssimo e tem um lugar especial no meu coração. Continuo a ser sua espectadora assídua. Só que, em termos de pensamento e de possibilidades, o teatro trouxe-me pessoas muito diferentes, pensamentos díspares e, de repente, encontrei uma liberdade que não encontrava no ballet. Podia não ter acontecido, se não fosse a minha lesão e a paragem temporária.

A lesão foi com que idade?

O joelho queixou-se aos 15, mas a sério foi aos 18 anos. Já estava em Londres, já tinha feito uma série de audições, mas não dava... para não parar. As operações ao joelho são muito complicadas. Sei que a Beatriz não gosta de estar parada – basta ler o seu currículo com workshops, cursos, seminários... Admito que sou uma grande apaixonada por especialistas em geral. Adoro pessoas que têm imenso conhecimento. Adoro estudar as coisas e, por gosto, vou-me perdendo de forma apaixonada naquilo que vou conhecendo.

É muito curiosa?

Sou. É cansativo, mas fui um pouco educada nesse sentido. O meu avô sempre me puxou e apoiou nas minhas curiosidades. Sempre me deu muita liberdade para as perseguir, em vez de as castrar. Senti confiança, e mais tarde prazer, em descobrir coisas novas e saber mais. Deram-lhe asas e liberdade de poder escolher o seu caminho. Depois de ter desistido da dança, na família, não lhe disseram “teatro não!”?

Mais ou menos [risos]. Na minha família, em termos de classes profissionais, são quase todos economistas e engenheiros. Falaram, mas nunca foi com o intuito de me julgarem ou de me travarem. Tiveram uma preocupação, talvez por ignorância, mas no bom sentido. Revelaram algum preconceito que até há alguns anos existia em relação à profissão de ator, cantor, de artista? São profissões instáveis...

Sim, mas era uma preocupação pela positiva, por me desejarem o melhor. Sinto que hoje tenho uma mão dada à disciplina e outra dada à fé. Acredito sempre que a algum sítio vamos parar.

O facto de Sara Matos ter engravidado e ter, por isso, ficado de fora do casting,

“Infelizmente, não conheço o Pedro Teixeira”

A Beatriz não foi a atriz protagonista originalmente escolhida para o papel de Annie Silva Pais, em Cuba Libre. Era a sua colega Sara Matos... Já agora, agradeceu a Pedro Teixeira o grande favor que lhe fez? [Gargalhadas] Não, infelizmente, não o conheço pessoalmente e eu sou muito delicada com a privacidade das pessoas. Pelo menos tento ser. O casting foi complexo?

Foi longo, com cenas longas, em três línguas diferentes. É um desafio diferente. É um protagonismo. Foi um trabalho grande e apaixonante, por ser a história que é.

foi um feliz acontecimento que a catapultou para ser a protagonista da série Cuba Libre, da RTP1. Abraçou este projeto com um elenco de atores consagrados. Aquilo foi quase um workshop ao vivo e a cores, com Lia Gama, Adriano Luz, Margarida Marinho... Tive a oportunidade e o gosto de trabalhar e conhecer melhor estes grandes profissionais. Estou muito grata a cada um deles. Foram, em igual medida, mestres e companheiros. Aprendi e fui cúmplice com eles de forma horizontal. Nunca se impuseram como pessoas que sabiam mais. Foram super respeitosos.

“APOSTAR EM MIM FOI DOSE DE CORAGEM”

Conhecia a história de Annie Silva Pais, a famosa “Filha Rebelde”?

Não, surpreendeu-me muito, mais ainda da parte da minha família, que pertenceu ativamente ao PCP, mesmo antes do 25 de Abril, e nunca tinham comentado isto comigo. Conhecer a sua história foi um turbilhão, um misto de emoções de felicidade, de euforia, mas com a noção da responsabilidade. Creio que quer a Patrícia Vasconcelos, quer o Henrique Oliveira, tiveram uma dose de coragem para apostarem em mim e no meu trabalho, sendo ainda tão pouco. Sentiu o peso dessa aposta? Tentei fazer o meu trabalho o melhor possível. Era importante para mim honrar o voto de confiança deles. Mas, como não gosto de estar parada, comecei logo a trabalhar, a pesquisar e a estudar. Foi tentar saber mais sobre a Annie? Quis saber tudo o que consegui apanhar. Tentei acrescentar o máximo de informação. Não posso deixar de salientar o trabalho maravilhoso dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz sobre a filha rebelde e depois foi também a minha intuição e acrescentar várias influências de todo o tipo. Informações factuais – música, livros, imagens da altura. Figuras e contexto histórico e aí é encher o universo até passarmos à fase em que se limpa e clarifica tudo com troca de opiniões e ideias com a equipa. Testei as minhas intuições e partilhei-as com o resto da equipa. Aportou ideias ao projeto e deu contributos válidos que foram aceites?

Sim, algumas das minhas ideias pessoais. Tenho de ser honesta, até bastantes foram aceites, e estou grata a toda a gente, em especial ao Henrique Oliveira, o argumentista, que foi muito aberto e sensível para escutar o que eu tinha a dizer em relação à construção da personagem.

Estava aberto a escutar o lado feminino para poder “construir” a Annie?

Sim, nas questões ligadas à identidade de uma mulher, ouviu-nos a todos. Em relação a esta Annie, era uma mulher muito bonita, que pensava pela própria cabeça, era empoderada, compreendia que o seu corpo também podia abrir portas e usava-o para seduzir e atingir os seus objetivos. Como foi gerir o seu corpo e o seu pensamento ao personificar esta mulher tão diversificada? O que tento fazer com todas as personagens é tentar, de forma intuitiva, retirar as suas sensações e perceber quais são os motores que as movem. Fiz uma pesquisa pragmática e analítica. Tento sempre criar um universo que não é o meu. A questão do corpo é algo que gosto muito de trabalhar, se calhar também por causa da minha experiência com a dança. Também lhe ia perguntar isso: se o ballet a ajudou a compor a Annie?

Ajudou, claro. Há poucas fotografias dela, mas nas que há estudei a forma como cruza os braços e usa as mãos. São imagens estáticas que nos dão pistas sobre o movimento. E depois era conhecido o fascínio dela pela figura da Brigitte Bardot, na fase inicial, e usei muito a Brigitte como exemplo e fonte de inspiração para as questões físicas da Annie. No que toca a toda complexidade de pensamento desta mulher, estava sempre a tentar perceber quais eram os seus motores. Sabemos que era muito intensa, emotiva e muito passional.

Com essas marcas antagónicas de personalidade não deve ter sido muito fácil colar todas as pontas.

Não, era uma mulher que era um poço de contradições. Era muito tridimensional. Tem verdades diferentes dentro de si, mas nenhuma é mais importante do que a outra. Passa de pensamento em pensamento e de emoção em emoção com muita intensidade. Vive muito no momento e é sensível às circunstâncias.

Contracenar com Lia Gama, Adriano Luz, Margarida Marinho? “Tive a oportunidade e o gosto de trabalhar e conhecer melhor estes grandes profissionais. Estou muito grata a cada um deles. Foram, em igual medida, mestres e companheiros”

Na tomada de decisões, é muito impulsiva. A mãe diz na série que ela era “uma rapariga com muita pressa de viver”. Todas estas informações fizeram-me perceber que ela prefere ir e pensar depois. A Annie parecia que vivia com uma bomba no peito. Não era uma pessoa sem noção, só refletia à posteriori. A Beatriz tem alguma coisa que ver com esta personagem, ou é o seu oposto? Bem, é uma mulher do Porto, o mais provável é não deixar nada por dizer. [Risos] Ai, sim, identifico-me com as mulheres do Norte. Sou mesmo muito tripeira. Podem tirar a rapariga do Norte, mas não tiram o Norte da rapariga [mais risos]. Nesse sentido, e sendo o mais honesta possível, tento encontrar um equilíbrio entre uma mão dada à disciplina a outra dada à fé. A fé também tem rasgos de saltos. Gosto de pessoas e de as conhecer, no sentido fisiológico e psicológico. Sou apaixonada por processos de reflexão, pela intuição.

Li sobre si que procura muito a clarividência, que quer compreender as coisas. Nos últimos anos, tenho dado mais crédito à intuição. Se calhar, chamo-lhe sensibilidade menos consciente, que é dar um bocadinho de voz às coisas que me fazem sentido, que me parecem certas. Não serei impulsiva, mas intuitiva.

NUDEZ? “TENHO UM CHIP QUE DESLIGA”

Antes, fez de Renata Bravo, na série O Clube, agora faz a sensual Annie. Não tem receio de se tornar um sex symbol e que a vejam só como uma mulher bonita que faz papéis de sedutora e não a valorizem pelo seu trabalho mais sério e dramático, como já fez em teatro e cinema?

Gosto de pensar sobre isso e de perceber para onde vou como atriz. É uma coisa em relação à qual já refleti muito. Sendo honesta, não sei se é um pensamento inocente da minha parte, mas, neste momento, sinto-me confortável por achar que é uma coisa com que não tenho de me responsabilizar a 100 por cento. Acredito que quem finaliza esse trabalho é quem o vê. Se quem vê me colar essa imagem, ou ao meu trabalho, no limite, não é responsabilidade minha. Mesmo as cenas mais sensuais ou que incluam nudez.

Como aconteceu n’O Clube agora na série Cuba Libre?

Sim, a parte pela qual me responsabilizo é que não seja gratuito, mas apenas mais uma forma que concorre para contar uma história alicerçada em relações genuínas e sinceras. No caso da Renata, de O Clube, ela tem esse lado sensual e empoderado, mas, para mim, isso é apenas um parte daquela mulher, ela é uma e acontece pessoa com mais coisas. Tento fazer o meu trabalho de forma sincera, ser complexa e especifica o suficiente para que a pessoa que está a ver se consiga relacionar com a personagem.

No fundo, são apenas cenas que acrescentam verdade. Todas as pessoas fazem sexo... Sente-se à vontade nessas cenas mais íntimas?

Lido bem com o meu corpo, quer através do desporto, quer da dança. Há o meu lado pessoal como Beatriz Godinho, em que o meu corpo é íntimo e é meu. Mas consigo ver o meu corpo, pura e simplesmente, como instrumento de trabalho. Tal como trabalho de forma diferente as emoções. Para mim, até me deixa mais nervosa trabalhar certas emoções de vulnerabilidade em cena do que as de nudez. Tenho um chip na minha cabeça, em que digo à minha mente que agora o meu corpo é um meio de trabalho. Percebo que nem toda a gente tenha a mesma premissa e relação com o corpo. É muito confortável, partindo do princípio de que existe respeito e comunicação entre mim e os colegas. Lá está, são cenas delicadas. Não sei se vem da sorte ou do engenho, mas sempre me cruzei com profissionais brilhantes e sempre me senti super cúmplice e confortável neste tipo de cena. 

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2022-10-06T07:00:00.0000000Z

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