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Eu sei PORQUÊ

Esta particular estreita varanda dava para a rua inclinada com carris paralelos de elétrico, assim como que à altura dos cabos suspensos que lhe davam movimento e algumas faíscas sempre que o guarda-freio descia a ladeira depressa demais. Dois curtos passeios ladeavam a calçada negra e antiga, afunilados por edifícios de dois ou três andares mais antigos que a Sé de Braga mas não menos austeros. As paredes carcomidas pelos elementos ofereciam relevo e textura à subida da rua. A pedra que as solidificava moldava-as de história, lamentos, agruras e saudade. Os vidros das janelas refletiam o passado inalterado do edifício em frente e, sempre que lá passava o elétrico, tremiam por momentos em antecipação pelas hordas de turistas que, nunca cedo demais, acabariam por deslizar de passagem. Esta apertada varanda vestia-se de ferro forjado, retorcia-se para tentar ficar mais bela ao olhar, num padrão clássico como se um dia tivesse sonhado ser uma trepadeira em busca de luz. Salientava-se talvez a um palmo de distância em direção à rua a partir das portadas com vidros retangulares de cima a baixo. Talvez lá coubesse um pé travesso ou nem tanto. Podia ser fina mas comportava-se como singela que era: uma varanda simplória e despida. Esta varanda limitada comportou-se assim durante tempo demais mas tudo mudou quando passou a ornamentar-se festiva como se fosse assim para um casamento. Não há registo oficial de como tudo aconteceu mas houve um dia em que as portadas se abriram e, lá de dentro, duas mãos como que largaram uma longa toalha acolchoada, estenderam-na enfolada pelos ares para tombar certinha no parapeito como se tivesse sido costurada de propósito com aquele fito. Desse momento em diante, esta varanda acanhada, pobre, despojada até, saltou para os escaparates e foi de boca em boca como se fosse uma notícia espalhada pelos habitantes do bairro e mais além. Ali estava exposta para todos verem o que dentro do edifício estivera guardado: uma toalha bordada à mão de fios luzidios, coloridos, radiantes e pitorescos. Como se fosse uma autêntica boa nova. Desenhados pássaros, costurados bosques, pincelados peixes, rabiscadas flores, estampadas caras, enquadradas cenas, penduradas frutas, entre linhas, pontos com nó e bordados de amor. Uma verdadeira obra de arte como se a rua inclinada fosse um museu aberto ao céu. De todas as varandas da rua, esta era a varanda escolhida por mais turistas que pediam sempre ao condutor do elétrico para afrouxar a marcha e parar ali de frente para o parapeito coberto para tirarem fotografias. Chamavam-lhe a ‘Varanda da Esperança’, vá-se lá saber porquê.

VARANDA DA ESPERANÇA

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2021-07-29T07:00:00.0000000Z

2021-07-29T07:00:00.0000000Z

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