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“OS ARTISTAS NÃO SÃO COITADINHOS SOFRIDOS” Diogo Branco O papel de pai, o trabalho que ama e as dificuldades

Com 33 anos, o ator que em tempos foi para o Dubai expandir horizontes, hoje vive sem os receios de então. Pai babado da pequena Ema, diz que faz tudo para não perder nem um passo que ela dê. E mostra uma visão desassombrada sobre a profissão que escolheu

TEXTO HUGO ALVES | FOTOS LUÍS ROSADO

Que balanço faz de Amar Demais? Desde o Ouro Verde (2017) que não se aventurava em algo de tão grande monta... Amar Demais foi um projeto extremamente desafiante dadas as condições em que foi feito. Começámos a filmar no final de janeiro de 2020 e em março parámos, assim como todo o País, com a chegada da pandemia. A partir daí foram uma série de desafios, profissionais, pessoais, uma capacidade de adaptação grande que sem a união que se sentiu no elenco e na equipa, teria sido muito mais difícil de ultrapassar.

Mas gostou de fazer o Luís?

Trouxe-me o desafio de trabalhar uma relação tóxica entre mãe e filho, explorar essa total dependência dele com a mãe e deu-me o prazer de contracenar e trabalhar de perto com a Fernanda Serrano, com quem aprendi imenso e isso acaba por ser sempre algo extremamente positivo. Aprender e crescer enquanto pessoas e enquanto artistas. É uma história um pouco tortuosa, não? A Maria João Costa tem uma capacidade incrível de criar histórias e de as contar de uma forma dinâmica e complexa, mas ao mesmo tempo acessível e entusiasmante de acompanhar. O mesmo aconteceu com Ouro Verde, e Amar Demais não foge a essa regra. Interessou-me a história da novela, a personagem e os temas que foram abordados. No entanto, obviamente que ser filho da Fernanda é um bónus. Poder trabalhar com alguém tão experiente é sempre atrativo, ainda para mais quando essa pessoa para além de talentosa é uma excelente colega.

Foi fácil dizer adeus ao Luís? Afinal já tinha na agenda os projetos Amadeo e Pio dos Mochos…

Na verdade o Amadeo filmei imediatamente antes de Amar Demais. O Pio dos Mochos foi o projeto que se seguiu, mas tive tempo para me despedir do Luís e começar a preparar esse trabalho com calma e foco.

O Pio dos Mochos é o projeto que o transformou fisicamente.

Tive um desafio diferente. Após duas fases de casting, fui selecionado para o protagonista do filme e com isso vem sempre muita responsabilidade e trabalho. Tive à volta de dois meses para preparar a personagem. Perdi 13kg e fiz um trabalho de pesquisa exaustivo para poder trazer o máximo de verdade possível à personagem Tomé, trabalhador numa fábrica de papel

que entra na luta pelos direitos dos trabalhadores e com isso passa por momentos de extrema dificuldade, física e emocional.

Esteve algum tempo afastado da televisão. Foi duro?

Não. A televisão é algo que me dá imenso prazer fazer, mas não é só o que faço. Profissionalmente também me realizo na fotografia e felizmente tenho vindo a ter sempre trabalho.

É difícil viver às vezes com a incerteza de um rendimento, com a corda na garganta como se costuma dizer?

Ser artista no geral é sempre uma escolha difícil em países que não apoiam a cultura da maneira que a cultura merece ser apoiada. Mas essa noção da corda na garganta é a meu ver falaciosa. Os artistas não são ‘coitadinhos sofridos’. São pessoas corajosas o suficiente para se dedicarem à arte sabendo que isso pode trazer períodos inconstantes e de instabilidade financeira. Mas dedicam-se à sua paixão. Não estará também com a corda na garganta a pessoa que dedica uma vida a fazer algo que não gosta, por muita estabilidade que isso possa trazer? Acredito em lutar para ser feliz e ser feliz também passa por trabalhar para podermos fazer as coisas que nos dão prazer. Sou um sortudo por poder fazê-lo, mas também sei que trabalho e me dedico para que isso possa acontecer.

Mas em tempos foi para o Dubai para trabalhar por falta de projetos interessantes em Portugal.

No Dubai trabalhei noutra minha arte, a de filmar, fotografar, editar, produzir. Vivi lá dois anos e meio, quase três, e dediquei-me por completo a essa área, atrás das câmaras. Sinto que cresci muito pessoalmente e profissionalmente com isso. Estar à frente de um negócio foi um grande desafio, além de que estar atrás das câmaras e perceber o lado técnico é um ótimo complemento ao trabalho do ator que trabalha com câmara. Seja no cinema ou na televisão. Guardo com muito carinho esses anos, foram desafiantes e sem dúvida uma aventura. Mas correu tudo muito bem com essa experiência.

UM PAI MUITO BABADO

A Covid-19 mostrou como todos somos frágeis. Como foi para si esta fase? Tive algum receio inicialmente. Era algo completamente desconhecido e com o avançar do tempo foi-se percebendo bem a gravidade da situação. Felizmente estive numa casa com espaço exterior, o que facilitou muito esses meses de confinamento. O trabalho ajudou também.

E estar afastado da família mexeu consigo? Tem vários irmãos…

Somos uma família unida e que mantém bastante o contacto. Quando não era possível fazê-lo pessoalmente, tínhamos sempre as videochamadas. E sendo pai, o que mudou? Como foi explicar à sua filha Ema tudo isto? As crianças têm uma capacidade de adaptação bastante elevada. Temia que a minha filha ficasse doente, como temo que ela se magoe ou fique doente de outra coisa qualquer... que ela fique privada de contacto social, etc. Enquanto pai quero sempre que as coisas lhe corram bem e a Covid-19 acabou por ser ‘só’ mais uma questão. Mas como em tudo, há muitas coisas na vida que nos fogem ao controle e de pouco serve deixar que isso nos condicione. Ela sabe os cuidados a ter, desinfetar as mãos, não tossir sem pôr o braço à frente, etc, e isso já faz parte da sua rotina. Compreende que ainda há muita coisa que não se pode fazer, mas também sabe que vai ficar tudo bem.

Ser pai hoje é o seu principal foco? A Ema é a menina dos seus olhos?

Isso só não é óbvio para quem não convive comigo. Sou um pai babado assumido!

Então tem que estar sempre presente nem que seja nos momentos mais simples?

Sou sem dúvida um pai presente, mas também sei que não vou conseguir estar a ver todos os passos que a minha filha vai dar e ela é super independente e autónoma. E gosta de o ser. Gosta de ultrapassar as coisas por ela própria, admiro isso nela. Mas estou cá para o que ela precisar, sim.

FAMÍLIA DE CELEBRIDADES

Tem na família várias figuras de renome: José Mário Branco, Isabel Alves da Costa. Isso é um peso para si? Encaro isso com algum sentido de responsabilidade, mas ao mesmo tempo com a noção de que sou quem sou, independentemente desses laços que me acompanham. Fui e continuo a ser um admirador do trabalho e das pessoas que eles foram. Sinto-me privilegiado por ter podido acompanhar de perto muita coisa e crescer rodeado dessas influências.

O Diogo representa e também canta. Já pensou: chegou a altura de lançar um disco?

Tudo a seu tempo e o que tiver que acontecer vai acontecer. Bem sei que esta frase é um lugar comum, mas acredito nela. As coisas na minha vida sempre foram acontecendo de forma muito natural. A música tem vindo a ganhar algum peso nos últimos tempos e quem sabe se isso fará sentido no futuro. Mas para já não está nada em agenda.

Mas vê-se na estrada a dar concertos pelo País?

Sempre procurei estar onde sou mais feliz. Se for na estrada, assim será. Neste momento sou feliz onde estou. 

“Os artistas são pessoas corajosas para se dedicarem à arte sabendo que isso pode trazer instabilidade financeira”.

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2021-07-29T07:00:00.0000000Z

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