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CUIDADOS INTENSIVOS

A honraria principal [nos Óscares] foi para Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo, um videojogo chato como a potassa sobre o “multiverso”. Confesso que vi – os primeiros 30 minutos. Mas a gritaria visual do exercício cansou-me de morte

Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

Multiversos

ANTIGAMENTE, as modas chegavam-nos de Paris, dizia o Eça, embora nos ficassem curtas nas mangas. Sempre era uma aspiração elevada.

Hoje, vêm da Venezuela e de outros paraísos socialistas, com o nobre fito de encobrirem a incompetência do Governo pela promoção do ressentimento social. Facto: não somos, nem seremos, Caracas. Apesar de tudo, Bruxelas continua a tomar conta do manicómio.

Mas na impossibilidade de seguirmos fielmente o camarada Nicolás Maduro, ficamo-nos por uma retórica incendiária e delinquente, sempre em busca de novos “inimigos do povo”. Já foram os senhorios, que inexplicavelmente se agarram às suas casas devolutas, apesar de ser o Estado o maior proprietário de casas devolutas.

Agora, são os grandes supermercados que exploram o povo com preços de extorsão. Isto disse o Governo, sem apresentar uma única prova, só para não ter a maçada de nos explicar que, na verdade e segundo o jornal Eco, as margens de lucro das grandes superfícies diminuíram em 2022 em comparação com o ano anterior ao mesmo tempo que os preços do lado da produção e da distribuição aumentaram.

Por outras palavras: a carestia de vida começa na origem dos produtos e vai contaminando todo as fases da cadeia de valor. Uma fatalidade que talvez merecesse uma baixa do IVA ou apoios sociais específicos para os mais carenciados.

O Governo prefere subir a parada e já fala em tabelar preços, aquela conhecida antecâmara da ruína. Duvido que aconteça, até porque quem mais lucra com a “especulação” dos preços é o próprio Governo.

Do que não duvido é da estratégia que estes números de circo encerram: dividir para reinar. No duplo sentido da palavra reinar.

MANUEL PIZARRO tem um talento natural para a comédia. Aqui há uns tempos, com o encerramento da urgência pediátrica do Beatriz Ângelo, em Loures, o ministro resumiu o problema a um detalhe quase irrisório: não havia médicos. Tirando isso, estava tudo bem: os espaços estavam lá, intactos, sem grandes infiltrações e com a maioria das lâmpadas a funcionar. Abençoado homem, que vela pelo cimento.

Agora, e ainda sobre as urgências que fecham, o ministro aconselha calma aos pais: as crianças só aparecem nos hospitais até às 21 horas. A partir daí, podemos concluir que está tudo na cama, a dormir na paz dos anjos, porque os vírus e as bactérias também precisam de descanso.

NÃO VI OS ÓSCARES DESTE ANO.

Perderam a relevância que tinham? É provável. Há 10 anos, talvez houvesse uma cultura partilhada onde todos, ou quase todos, viam os mesmos filmes e, consequentemente, estavam na mesma frequência. O melhor filme do ano era discutido e, dentro do género, levado a sério. Também era um sucesso de bilheteira: raros foram os filmes premiados que, antes de 1990, não ficavam no topo dos mais rentáveis.

A Internet acabou com este mundo. Multiplicou a oferta e segmentou as tribos: hoje, é possível passar um ano inteiro a consumir cinema asiático, ou francês, ou italiano, sem jamais passar pelo mainstream americano. Isto explica, em parte, as audiências diminutas que o espectáculo vai tendo, até porque os consumidores de cinema mainstream também não se sentem representados na cerimónia. Top Gun: Maverick, um bom filme, salvou Hollywood em 2022. Mas Hollywood, como se viu, não retribuiu o favor.

A honraria principal foi para Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo,

um videojogo chato como a potassa sobre o “multiverso”. Confesso que vi – os primeiros 30 minutos. Mas a gritaria visual do exercício cansou-me de morte. Aquilo, manifestamente, é para quem foi criado com rações diárias de videoclips.

Não é uma crítica. Nem sequer um lamento. Essa é a beleza da coisa: a oferta, hoje, é tão abundante e variada, que amigo não empata amigo. ●

Crónica

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2023-03-16T07:00:00.0000000Z

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283549454883717

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