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AS BRUXAS DE SALÉM: O PRESENTE NO SÃO JOÃO

É a primeira das duas produções próprias desta temporada do Teatro Nacional de São João, no Porto. Nuno Cardoso leva Arthur Miller e cinema à sala centenária.

Por Filipa Teixeira

no início dos anos 50, Arthur Miller pegou no caso das Bruxas de Salém – cidade costeira de Massachusetts onde ocorreu a maior caça às bruxas do período colonial, em 1693 e 1694 –, a Guerra Fria apavorava o mundo. Nos EUA, a classe intelectual era perseguida pelo macarthismo, acusada de subversão e apoio ao comunismo, de um modo cego e raso que inquietou Miller.

A inquietação persiste hoje em Nuno Cardoso, ainda que os motivos tenham mudado. “Neste momento, cada qual vê o que acontece à sua maneira”, diz o encenador e diretor do Teatro Nacional de São João (TNSJ) sobre o fenómeno de “revisionismo geral” que tem marcado a era contemporânea. “A proliferação de narrativas levou a que se extremasse a visão sobre a realidade e cada vez que há um extremar disso, acontece a diabolização dos antagonistas.”

A radicalização erradica o diálogo, que por sua vez mina a democracia e o viver em sociedade, explana Cardoso para fundamentar o seu olhar sobre este texto do “grande reportório” de Arthur Miller, que passou pela primeira vez no São João em 1962. Não se querendo ancorar à época histórica do caso de Salém, nem ao contexto de Guerra Fria durante a qual a peça foi escrita, Nuno Cardoso optou por olhar para o presente. “Todas as peças que sobrevivem e se tornam património de todos nós têm o condão de estabelecer uma relação com os momentos em que vivemos.”

O jogo teatral alicerça-se num trabalho cénico que traz o medo para o centro do plano. Há ainda outro fator de relevo que sobressai nesta encenação: a aposta no cinema. “Ainda há muita gente na rua que me pergunta: ‘Como está o cineteatro São João?’ Tentamos fundir as duas memórias que o teatro tem.”

O filme, exibido a espaços, tem cerca de 20 minutos de duração, embora tivessem sido rodados pelo realizador Luís Porto mais de 100 minutos de filmagens. Para o encenador é importante “convidar o público a espantar-se connosco”, diz, aludindo ao livro As Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira: “Andamos espantados de existir. Espantados de existir é, em nosso entender, olhar para os outros e pensar em nós e nestes casos práticos.” O convite está lançado. Quem estiver predisposto a espantar-se, poderá fazê-lo entre os dias 16 de março e 2 de abril. ●

Nuno Cardoso, encenador e diretor do TNSJ, pegou num texto de Arthur Miller, juntou-lhe cinema e fez mira à radicalização que vê no presente

Música

pt-pt

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283450670635909

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