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BEM-VINDOS À CIDADE-FANTASMA

Em Great Yarmouth: Provisional Figures encontramos talvez a melhor interpretação de Beatriz Batarda no cinema. O novo filme de Marco Martins é um retrato duro da emigração portuguesa no Reino Unido.

Por Nuno Miguel Guedes

O ANO: 2019. O lugar: Great Yarmouth, condado de Norfolk, Reino Unido. Outrora uma estância balnear para a classe operária britânica, a cidade empobreceu. As luzes de néon de bares e casinos que ainda subsistem no passeio junto ao mar são vestígios tristes de uma era dourada que nunca mais regressará e que contrastam com a pobreza visível e uma alta taxa de desemprego.

É neste cenário que decorre o novo filme de Marco Martins (realizou Alice ou São Jorge). Os “provisional figures” a que alude o titulo são a expressão estatística para designar os imigrantes de estatuto indefinido.

É aqui, então, que conhecemos Tânia (Beatriz Batarda) , também conhecida por “Mãe”. É ela que acolhe e explora a comunidade imigrante portuguesa que chega a Great Yarmouth. Aloja-os em condições precárias, em pequenos hotéis decrépitos que são propriedade do seu sogro (inglês). O marido (Kris Hitchen) é também inglês, violento, grosseiro e que vê os portugueses (os “pork and cheese”) apenas como mão de obra barata a ser roubada em proveito próprio. Os portugueses trabalham num matadouro de perus, em funções que nenhum inglês quer assumir.

Este é um filme para Beatriz Batarda, que agarra com brilhantismo esta anti-heroína que desperta sentimentos contraditórios no espectador. Estamos contra ela pelo facto de ser cúmplice num esquema imoral guiado por um sonho pequeno, de um dia ser proprietária de um lar de idosos. Vemo-la a aprender frases feitas em inglês para “quarto com vista para o mar” ou “modernização”. Apercebemo-nos da sua sexualidade abandonada, à espera que alguém a venha despertar – o que acontecerá através de um recém-chegado (Nuno Lopes).

Fruto de cinco anos de pesquisa do realizador e de testemunhos recolhidos na população da cidade, o filme baseia-se numa história verídica. Mas é o seu realismo social hard core que vem ao de cima. Apesar de o mestre do género, Ken Loach, estar sempre presente (até pela inclusão de um dos seus atores, Kris Hitchen), o filme de Marco Martins vai mais longe e não faz prisioneiros. Great Yarmouth é um purgatório sombrio (bravo a João Ribeiro pela fotografia), sem esperança nem futuro.

Filme duro mas imprescindível, com talvez a melhor interpretação de Beatriz Batarda em cinema, Great Yarmouth: provisional figures é também um manifesto anti-Brexit. Mas dá mais, muito mais. Infelizmente, a natureza humana. ●

Neste filme do realizador de São Jorge, Beatriz Batarda é a anti-heroína que acolhe e explora os pork and cheese, isto é, a comunidade portuguesa local

Cinema

pt-pt

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283343296453509

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