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Diogo Leite

Treina na floresta, passa todos os dias pelas ruínas do muro de Berlim e convive com os fãs no hotel da equipa. Cedido pelo FC Porto ao Union Berlin, o defesa vai torcer pelos dragões contra o Sp. Braga, no próximo domingo.

Por Tiago Carrasco

O futebolista fala da vida na Alemanha: vai a museus e cozinha

Diogo Leite foi campeão europeu de sub-17 por Portugal e venceu a Youth League pelo FC Porto. No entanto, a três semanas do arranque desta temporada, ainda não tinha equipa, pois Sérgio Conceição não contava com ele. Acabou cedido ao Union Berlin. Nascido na antiga Alemanha de Leste, o clube é conhecido pelo apego à pureza do futebol e por ter os adeptos mais dedicados do mundo; evitaram a falência com o dinheiro obtido pela doação de sangue e renovaram o estádio com as próprias mãos. Têm sempre lotação esgotada e nunca assobiam os seus jogadores. Numa conversa de 46 minutos, por videochamada, o defesa conta a sua experiência em Berlim e revisita as passagens por FC Porto e Sp. Braga. Atrás dele, na sala, há cabeças de veado e peles de raposa.

Torneou-se caçador?

Não [olha para trás]… acho que isto está aqui porque o campo de treinos é na floresta.

Vive aí perto?

Não, vivo sozinho num apartamento perto do bairro de Mitte, no centro. Demoro 30 ou 40 minutos a chegar aqui. Passo todos os dias pelos restos do muro de Berlim, porque vivo na parte ocidental e o clube é da antiga Alemanha de Leste.

Já é um berliner?

Sinto-me bem aqui. A adaptação foi mais fácil do que esperava e o clube ajuda-me em tudo. É uma cidade muito grande, que tenho tentado conhecer. Já visitei algumas partes, alguns museus, mas ainda me falta muito. Temos jogos de três em três dias e é mesmo preciso descansar para estarmos bem fisicamente.

Está num clube conhecido pela dedicação dos seus adeptos. Como é que tem sido essa experiência?

Percebi isso logo no primeiro dia. Aterrei em Munique e fui levado de carro até à Áustria, onde a equipa estava a fazer o estágio. Assim que cheguei, vi os adeptos muito perto dos jogadores, alguns até estavam no mesmo hotel. E sempre com incentivos. O ambiente é fantástico, tanto em casa como fora. Quando entramos para o aquecimento, o estádio já está cheio, com os adeptos a cantar. O apoio é contínuo, não importa se estamos a jogar bem ou mal. Senti-me em casa, porque os adeptos do FC Porto também têm uma paixão enorme.

Qual foi o seu momento mais memorável no Union?

Foi a estreia, contra o Hertha. Foi a primeira vez que senti este ambiente, fantástico, um dérbi louco. Termos ganho a partida [3-1] foi a cereja no topo do bolo. Mas também não esqueço as nossas vitórias contra o Borussia Dortmund e contra o RB

Leipzig, em casa deles. E termos eliminado o Ajax, na Liga Europa.

Como é que estão no 3º lugar da Liga alemã com um dos orçamentos mais baixos da competição?

Primeiro que tudo, é o espírito de equipa. Nunca desistimos, por isso é que já aconteceu várias vezes darmos a volta nos últimos minutos. Depois, os adeptos, que são únicos. O treinador [o suíço Urs Fischer] incutiu-nos esta mentalidade de ganhar cada duelo, lutar todos os minutos e de acreditarmos em nós próprios.

Sonha com a conquista de um título esta época?

Estamos nas três frentes: campeonato, Taça da Alemanha e Liga Europa. Estaria a mentir se não dissesse que existe na equipa um pensamento de que podemos ganhar um destes títulos, mas o correto é pensar jogo a jogo, porque só assim poderemos ter sucesso. O campeonato tem um nível muito elevado.

Qual é a principal diferença entre a Liga alemã e a portuguesa?

É a intensidade. No FC Porto, tínhamos treinos exigentes, mas a diferença é maior nos jogos. Aqui todas as partidas são difíceis, o último pode vencer o primeiro. Fisicamente, é muito duro. Os avançados são evoluídos tecnicamente, robustos, agressivos, e eu tenho de estar de olho neles constantemente. Isso tem-me feito evoluir.

Foi sempre reconhecido como um dos melhores defesas da sua geração mas não se conseguiu

F

“[Berlim] é uma cidade muito grande, mas a adaptação foi mais fácil do que esperava. Já visitei alguns museus”

afirmar no FC Porto. Porquê?

Tinha colegas muito bons e mais experientes do que eu na minha posição. Estava lá o Felipe, o Militão e o Pepe. Foram anos de aprendizagem. Houve momentos em que não correu tão bem, mas dei o meu melhor para ajudar o clube a conquistar títulos. Sinto-me hoje mais maduro e confiante, um jogador diferente.

Sente-se triste por não ter tido mais oportunidades em Portugal?

Tristeza tenho, porque todos os jogadores querem jogar, mas rancor ou mágoa, não. Respeitei sempre as decisões do Sérgio Conceição. E tenho a consciência tranquila porque sempre dei o máximo, até porque o FC Porto é o meu clube do coração.

Sempre foi ou passou a ser quando entrou para o clube, com 9 anos?

Sempre. Ia ver muitos jogos ao estádio e sonhava sempre estar ali a jogar de azul e branco. Sentia muitos nervos. Ter tido a oportunidade de jogar no Dragão foi muito especial para mim.

Mas começou no Leixões…

Nasci no Porto, mas vivi a maior parte do tempo em Matosinhos. Era maluco pela bola, levava-a todos os dias para a escola. O meu pai foi jogador, em Macedo de Cavaleiros – tenho raízes transmontanas –, e chegou a ir à seleção. O meu irmão também é jogador. Assim que pude, fui para o Leixões, com 5 ou 6 anos. Era extremo-esquerdo.

Extremo-esquerdo?!

Sim, e até fui o melhor marcador. Todas as crianças querem fazer golos e eu não era exceção. Foi nessa qualidade que o FC Porto me viu num torneio e me chamou para as captações. Então, puseram-me mais atrás, como lateral, e depois como central. Fui-me adaptando e comecei a perceber que era a melhor escolha, dadas as minhas características.

Já lá estava aquela geração que

“Aprendi a cozinhar aqui [em Berlim]. Os molhos são mais pesados e tento sempre comer do mais simples, só com azeite”

iria vencer a Youth League (2019)?

Fui dos primeiros. O Diogo Costa entrou um ano depois de mim e acompanhou-me sempre. Com o Vitinha e com o Fábio Vieira, por exemplo, só joguei praticamente na Youth League, porque eles são mais novos.

Quem o influenciou mais no FC Porto?

Essa resposta é fácil: o Pepe. Tive treinadores muito bons na formação, mas chegado a profissional, foi ótimo tê-lo como companheiro de equipa. Ele já conquistou muita coisa, ensina bem e eu tentei aproveitar. Segui todos os conselhos, como o momento em que nos devemos aproximar do avançado, fazer o corte ou o “carrinho”. Detalhes que fazem a diferença. Conselhos de alimentação, a regeneração pelo sono, que ele sempre disse ser tão importante. Ensinou-me que isto não é só uma hora e meia de treino. Tudo o que fazemos antes e depois é crucial.

Acha que assim vai chegar aos 40 anos naquela forma?

Como eu lhe costumo dizer, ele não tem 40, tem 20. Vou tentar, mas não é fácil. Acho que vem tudo da mentalidade.

Ele chegou a dizer que o Diogo era o melhor central português. Como se sentiu?

Foi incrível! Ouvir o meu ídolo dizer que eu era o melhor na minha posição... quem não gosta?

Esteve uma época emprestado ao Sp. Braga. Encontrou uma estrutura de candidato ao título?

Nunca me faltou nada em Braga. Claro que eu vinha do FC Porto, um clube de Liga dos Campeões, mas o Braga ajudou-me muito. E têm estado cada vez melhores.

Na próxima jornada, o FC Porto desloca-se a Braga, num jogo decisivo. Quem vai ganhar?

Claro que quero que o FC Porto vença o jogo. Ainda que a alguma diferença do primeiro, o FC Porto nunca se rende. Espero que ainda sejam campeões.

Foi campeão europeu sub-17 com Portugal e campeão nacional com o FC Porto. Qual foi o momento mais marcante da sua carreira?

Marquei o penálti decisivo na final do Euro sub-17 [a Espanha], mas o melhor momento foi a conquista da Liga dos Campeões sub-19 com o FC Porto. Ainda por cima, a final foi contra o Chelsea, que nos tinha eliminado nas meias-finais do ano anterior. Foi frustrante e ansiava pela desforra. Muito poucos conseguem esse título e fomos a primeira equipa portuguesa a conseguir fazê-lo.

Quer regressar ao FC Porto no fim do empréstimo ou gostava que o Union comprasse o seu passe?

Não é produtivo pensar no futuro. Estou focado no presente. Sinto-me bastante bem aqui, estou muito feliz, o clube tem carinho por mim. Quero continuar a ajudar o Union Berlin a conquistar todos os objetivos.

Parece que está adaptado à Alemanha…

Ao frio já me habituei. É só vestir tudo o que posso. Em relação à comida, aqui encontro tudo o que desejo comer, mas Portugal é Portugal, não é? Os molhos aqui são mais pesados e eu tento sempre comer do mais simples, só com azeite. Aprendi a cozinhar aqui. Cerveja não posso beber.

Já fala alemão?

Pensei que não ia conseguir dizer uma palavra sequer. Mas já falo um bocadinho, principalmente o vocabulário técnico, relacionado com o futebol. É uma língua muito difícil. Por falar nisso, tenho aulas de alemão já a seguir. ●

Sumário

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