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Entrevista

A conversa entre o escritor marroquino e a filha sobre o racismo tornou-se um livro distinguido pela ONU, agora reeditado. Hoje o autor diz-se desiludido com o mundo árabe e com o crescimento da extrema-direita.

Por Vanda Marques

Escritor Tahar Ben Jelloun: o racismo não faz sentido

“Oracismo, minha filha, está agarrado à pele do homem onde quer que ele se encontre. Mesmo numa ilha deserta, este homem vai encontrar algo que odiar, que desprezar, que humilhar.” Tahar Ben Jelloun explica o problema que nunca desaparece num prefácio intitulado “Vinte Anos depois, o racismo continua bem”. Foi em 1998 que o escritor explicou o racismo à sua filha, Mérième, durante uma manifestação, e essa conversa deu origem a O Racismo Explicado aos Meus Filhos (Editorial Presença). Foi um bestseller em 20 países, distinguido pelas Nações Unidas. “Nunca imaginei tal sucesso literário (durante mais de seis meses esteve no primeiro lugar de vendas em França).” O autor, que nasceu em Marrocos em 1944 e se exilou em França em 1971, vencedor do prémio Goncourt, conta que ainda estamos longe de acabar com o racismo e que a liberdade continua ameaçada.

Porque é que o problema do racismo continua a existir?

O racismo está colado à pele da humanidade desde sempre. O medo do estrangeiro, a ignorância e a falta de segurança interior sempre existiram e

“As raças não existem. A partir desse momento, o racismo perde a sua pseudojustificação supostamente científica”

empurraram o Homem para uma posição em que desconfia do que desconhece. Então quando lhe disseram que existiam raças, ele sentiu-se à vontade para detestar aqueles que eram diferentes. No entanto, uma das revelações mais importantes do meu livro, é que demonstro que as raças não existem. A partir desse momento, o racismo perde a sua pseudojustificação supostamente científica.

Acha que hoje em dia a sociedade está mais dividida do que quando escreveu o livro?

A sociedade hoje em dia mudou por causa das redes sociais e da revolução da Internet. O racismo mudou de alvo, mas continua a afetar os homens de cor, os judeus e os árabes. O facto de hoje em dia falarmos sobre o racismo dá a impressão de que o problema se reduziu. Mas não. Falamos mais de racismo, mas o problema não diminui. Está sempre lá.

“O terrorismo é alimentado pelo ódio, pela intolerância – é a pior expressão do racismo”

No seu livro escreve que “as crianças não nascem racistas”. O que causa o racismo?

O medo e a ignorância. A falta de educação na escola e na família.

Além deste livro a explicar o racismo às crianças, escreveu outro a explicar-lhes o terrorismo. Devemos falar destes temas com elas?

Devemos sempre respeitar a inteligência das crianças e dizer-lhes a verdade com uma linguagem adaptada à sua idade. Devemos falar-lhes de tudo e prepará-las para enfrentar o mundo em que vivem.

Porque diz que “o racismo é um sentimento historicamente ligado à humanidade”?

Está relacionado desde sempre com a humanidade, porque surgiu quando se lutava pelo fogo e se perseguiam aqueles que se aproximavam da nossa cabana.

Acha que políticos como Trump ou Marine Le Pen utilizam o

racismo como ferramenta?

Trump é um demagogo, amoral e não recua nas suas posições perante ninguém, nem hesita em exercer o seu poder. Marine Le Pen mudou o discurso se compararmos com o do pai [Jean-Marie Le Pen], ele que não hesitou a dizer os piores insultos racistas. Ela limpou a sua linguagem, mas alguns militantes não se inibem de ter propostas racistas, como um dos seus deputados, que disse a um deputado de pele escura a frase: “Volta para África.”

Acha que o terrorismo está relacionado com o racismo? Porquê?

O terrorismo é alimentado pelo ódio, pela intolerância e pela obsessão de fazer mal aos que consideram como adversários. Claro que essa é a pior expressão do racismo.

Acha que o Islão moderado devia levantar mais vezes a voz contra os movimentos extremistas?

O Islão é o que é. Cabe aos muçulmanos protegerem-se destes excessos e desvios de que é vítima. Infelizmente há muita confusão entre o Islão e o islamismo. Um tipo como Éric Zemmour [político da extrema-direita que concorreu às eleições presidenciais francesas] fez a sua campanha

“A Europa e a América encorajam as divisões [no mundo árabe]. Daí o fracasso do que se chama a Primavera Árabe”

eleitoral defendendo que a violência dos islamitas e o terrorismo faziam parte do texto corânico.

A extrema-direita está a crescer. O que é que isso significa?

Em França e na Europa, a extrema-direita está a fazer progressos. As pessoas estão inquietas, estão desiludidas com a esquerda e também com a direita tradicional. Acreditam que a extrema-direita as vai salvar. Enganam-se. Mas eles não ouvem o discurso dos que lhes explicam que o extremismo é um perigo para a democracia.

Disse que devemos estar sempre atentos à liberdade. Porquê?

É evidente que a liberdade não é uma aquisição definitiva. Vemos isso todos os dias, a liberdade é ameaçada, esquecida, negada. A vigilância é necessária.

Nasceu em Marrocos, mas exilou-se em França. Como vê o estado do Mundo Árabe?

O mundo árabe não existe. Existem países árabes, mas estão rasgados e em guerra. A Argélia procura fazer a guerra com Marrocos. Conhecemos a situação da Síria, do Iraque, da Líbia: uma catástrofe. O mundo árabe foi destroçado depois dos colonizadores. Foi o caso do Egito, da Síria, do Iraque, onde Saddam levou o seu povo à catástrofe com uma ditadura atroz, da Tunísia... O regime iraniano é o pior de todos os países muçulmanos. É evidente que a Europa e a América, assim como a Rússia, encorajam estas divisões. Eles não querem um mundo árabe unido, democrático e sólido. Daí o fracasso do que se chama a Primavera Árabe.

Porque é que as mulheres são tão discriminadas pelo Islão?

O Islão, como outras religiões, alimenta uma desconfiança em relação à mulher: mais uma vez, cabe aos muçulmanos mudar as mentalidades e dar às mulheres os seus direitos. O Islão não é contra isso.

“O Islão, como outras religiões, alimenta uma desconfiança em relação à mulher”

Qual é o papel do escritor? É mudar o mundo, combater estas situações?

O papel de um escritor é ser uma testemunha da sua época. Ele observa, conta, denuncia e espera ser lido. Eu sou um eterno observador. A poesia não pode mudar o mundo. ●

Sumário

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