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OS SEGREDOS DA SALA DA CRISE

Um ministro magoado, uma sindicalista de bata, as picardias entre os sindicatos e a pressão do Governo. Como é estar nas negociações dos professores?

Por Margarida Davim

Énum auditório transformado em sala de reuniões, no Ministério da Educação, que se tem travado uma das negociações mais duras que este Governo tem pela frente. Entre sindicalistas, ministro, secretário de Estado, assessores e adjuntos da Educação, Administração Pública e Finanças são cerca de 30 pessoas, que se sentam naquilo a que em termos técnicos se chama uma “mesa única negocial”, mas que, na prática, é uma série de mesas contíguas dispostas em retângulo. “Só o Putin é que tem uma mesa para caber tanta gente”, brinca João Dias da Silva, líder da FNE, descrevendo as reuniões “intermináveis” em que se discutiram – sem se chegar a um acordo – os concursos de docentes e a que os sindicatos esperam voltar para discutir as carreiras.

A expectativa era que essa nova negociação arrancasse no dia 20 de março, mas à data de fecho desta edição ainda não tinha chegado aos sindicatos qualquer notificação. O último destes encontros tinha acabado com o ministro João Costa a impor o fim dos protestos e das greves de professores como condição para negociar. “A disponibilidade que temos para negociar estas matérias deve ser acompanhada pela disponibilidade para a retoma da normalidade nas escolas, permitindo aos alunos retomar as suas aprendizagens”, disse. Do lado dos sindicatos essa não é sequer uma opção. A luta é para continuar.

Ministro magoado com cartazes

▶▶uem está nas reuniões conta como João Costa tem deixado escapar o seu descontentamento com as formas de protesto dos docentes. “Às vezes faz comentários aos cartazes.” Imagens como aquela em que aparece com um lápis enfiado no olho ou com um fato de presidiário não caíram bem ao ministro. “Vê-se que fica magoado. Mas as imagens correspondem ao sentimento que as pessoas têm. Não vamos fazer censura”, comenta uma fonte sindical.

Apesar das alusões aos cartazes, João Costa é descrito como “dialogante” e revela ter alguma paciência durante estas maratonas negociais. Mesmo quando ela é testada ao limite. Uma dessas vezes aconteceu quando o STOP (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) levou uma assistente operacional a uma reunião sobre concursos de professores. Quem estava na sala explica que a auxiliar, que se apresentou vestida de bata verde, foi argumentando sobre as dificuldades de uma carreira em que seria preciso trabalhar 120 anos para se chegar ao topo. “O ministro foi dizendo que os assistentes operacionais já não dependem do Ministério da Educação.” A funcionária frisou a importância de ter aumentos salariais. João Costa explicou que essa é matéria que depende das Finanças. Mas, segundo relatos de quem lá esteve, os únicos que deram sinais de impaciência com a situação foram os sindicalistas de outras estruturas sindicais, que viram a conversa desviada dos temas dos professores.

Nessa altura, o Ministério ainda fazia reuniões com os sindicatos separados em quatro salas diferentes. Na reunião seguinte (a primeira de quatro neste modelo), os sindicalistas requereram que a negociação fosse feita em “mesa única”, num formato em que as intervenções são feitas por ordem alfabética. Dessa vez, o STOP levou uma psicóloga para a reunião, para desespero de outros sindicalistas que ouviram essa profissional dizer que os técnicos superiores nas escolas estão pior do que os professores. “Nem pomos isso em questão, mas estávamos ali a tratar era dos docentes”, comenta um sindicalista.

Concorrência sindical

▶ As pequenas picardias entre o STOP e os outros sindicatos (agregados numa plataforma que junta nove organizações, com a Fenprof à cabeça) levaram mesmo a estrutura liderada por Mário Nogueira a pedir que a ordem alfabética usada para dar a palavra aos sindicatos fosse alternando do A a Z para o Z a A, “para evitar que fosse o STOP sempre o último a falar”.

Outro efeito da concorrência sindical: o STOP começou por pedir que as reuniões negociais fossem transmitidas em direto na Internet,

MINISTRO TEVE DE EXPLICAR A UMA SINDICALISTA QUE OS TEMAS DOS AUXILIARES NÃO SÃO DA SUA TUTELA

argumentando que as audições no parlamento também o são. No Ministério recusou-se sempre a ideia por se entender que podia transformar os encontros mais em exibições para fora do que em verdadeiros momentos negociais. Mas a discussão em torno desta hipótese (que nunca teve a oposição dos outros sindicatos) fez a Fenprof disponibilizar as atas dos encontros mal elas são assinadas.

Uma fonte do STOP explica à SÁBADO que o sindicato de André Pestana fez convites a todos os outros para que se reunissem antes de cada etapa de negociação. “Os outros sindicatos/federações docentes não aceitaram.” Sem o STOP, os nove sindicatos que se juntaram numa plataforma têm reunido para acertar posições e levar pareceres para as reuniões com o Ministério. “Temos um grupo de trabalho interno dos sindicatos”, conta uma fonte da plataforma sindical.

Sem a mesma estrutura para preparar as reuniões, André Pestana tem seguido a estratégia de levar alguns textos no portátil, que lê para transmitir a posição do sindicato que representa.

A barra de cereais de Nogueira

Desde que se iniciaram as negociações com João Costa, as reuniões têm seguido um modelo que inclui uma hora para almoço. Longe vão os tempos em que os trabalhos se arrastavam até de madrugada. Numa dessas ocasiões, era Maria de Lurdes Rodrigues minis

tra, foi mesmo preciso mandar vir pizzas e sandes para comer no corredor de pé, enquanto a reunião continuava na sala principal na sede do Conselho Nacional de Educação. A reunião decorria há horas, quando Lurdes Rodrigues terá dito qualquer coisa como “pagam-me para trabalhar, não me pagam para ter fome”.

Batido neste tipo de contratempos, Mário Nogueira leva quase sempre uma barra de cereais para as reuniões de trabalho. Até porque, em cima da mesa, há no máximo umas garrafas de água.

Nas novas instalações do Ministério da Educação, na Avenida 24 de Julho, os sindicalistas reúnem agora num auditório a que se acede passando por um logradouro. Uma sala branca, apenas com umas pequenas janelas altas, quase sem luz exterior, dominada pelo azul intenso do placard com a imagem institucional do Governo. Para alguns, este espaço é simbólico de uma certa despromoção nas reuniões com os professores. “É uma despromoção, porque antigamente reuníamos numa sala no 12º andar na 5 de Outubro, mesmo nos corredores do poder”, diz Filipe do Paulo da Pró-Ordem dos Professores.

Apesar disso, Filipe do Paulo afirma que as reuniões têm “decorrido em clima de grande cordialidade” e, mesmo que não se tenha chegado ao fim da negociação sobre o recrutamento dos docentes com um acordo, o sindicalista regista as “aproximações” do Governo que, entre outras coisas, deixou cair a ideia de recrutar professores com base num perfil de competências, mantendo a graduação profissional como critério único dos concursos.

Apesar da escalada de luta a que se tem assistido na Educação, João Costa parece sair melhor na comparação com o seu antecessor, Tiago Brandão Rodrigues, quando se pede aos sindicalistas que analisem a sua atitude nas reuniões. “As diferenças são enormes, pela disponibilidade para dialogar. Este ministro tem muito mais disponibilidade. Brandão Rodrigues refugiou-se na ausência”, analisa João Dias da Silva, notando que os sindicatos já queriam negociar os concursos na anterior legislatura. E Filipe do Paulo diz que apesar do “tom institucional”, que João Costa usa quase sempre, há situações de “alguma informalidade” em que o ministro “responde de forma simpática”.

Costa: o João ou o António?

▶ A simpatia de João Costa não chega, porém, para apagar o mal-estar gerado pela inflexibilidade do Governo no que toca à reposição dos seis anos, seis meses e três dias de serviço congelados no tempo da troika e nunca devolvidos ou no fim das vagas no acesso ao 5º e ao 7º escalão da carreira docente. Tudo matérias que ainda deverão ser alvo de uma negociação – se o ministro aceitar negociar enquanto os sindicatos mantêm protestos e greves – , mas em relação às quais João Costa tem dito, já nesta negociação, que não fazem parte do programa do Governo.

Outra coisa que tem deixado os sindicatos desconfortáveis é a forma como as propostas do Ministério chegam muito em cima das reuniões, deixando aos sindicalistas pouco tempo para as analisar.

Uma fonte do STOP frisa a forma como “constantemente nestas últimas reuniões” apareceram “novas propostas que são apresentadas durante a própria reunião”. Algo que no sindicato de André Pestana é visto como

STOP QUERIA QUE AS REUNIÕES FOSSEM TRANSMITIDAS EM DIRETO NA NET. MINISTÉRIO RECUSOU A IDEIA

um sinal de “navegação à vista” e de “algum amadorismo”.

O facto de alguns documentos serem apresentados pelo Ministério muito em cima dos encontros também é entendida, por vezes, como uma forma de pressão. “Para a reunião do dia 15 de fevereiro, o anteprojeto de lei foi enviado no dia 14 às 17h” conta uma fonte da Fenprof.

Com a negociação agendada para as 15h do dia seguinte, havia menos de 24 horas para estudar o diploma. “Toda a gente reclamou”, diz a mesma fonte, lembrando que nessa altura o objetivo do Governo era fechar a negociação sobre concursos no dia 17 de fevereiro e que, foi na sequência disso, que os sindicatos requereram a negociação suplementar, forçando a reunião de dia 9 de março.

Também há quem, noutros sindicatos, note que João Costa não tem grande margem de manobra para negociar. “Há coisas que não são do João Costa, são do António Costa”, comenta um sindicalista, frisando que na maior parte das vezes as reuniões são mais para cada uma das partes expor os seus argumentos do que para avançar logo com contrapropostas. ●

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2023-03-16T07:00:00.0000000Z

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