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Animais

O fotógrafo Jean-Charles Pinheira adotou uma onça, a Iona, que a PIDE matou. Havia quem tivesse macacos de estimação no jardim

começado a trabalhar. O velho soba disse-lhe: ‘Quando vieste para cá tinhas as meias rotas e agora tens muito dinheiro.’”

Outra empresa muito grande, acrescenta Marques Leandro, era a Jomba. “Tinha a concessão de uma água mineral que exportava com grande êxito principalmente para a África do Sul, que tem muita água, mas não tem minerais. Mas a maior atividade era uma fábrica de bombons e rebuçados.” O dono da Jomba e da Ossi, Lisboa Fernandes, chegou a ser vice-presidente da câmara do Lobito. “Dizia que em Angola tinha açúcar, coisa que em Portugal não havia, e mão de obra. Só faltavam os técnicos, que levou para lá. O grande importador era a Favorita, que a dada altura quis comprar a empresa. Mas ele não vendia, era muito empreendedor”, acrescenta. Em casa de Marques Leandro, os bombons da Jomba eram uma das guloseimas mais procuradas. “De vez em quando levava-me umas caixas de muitas variedades. Os meus filhos eram miúdos e andavam sempre à procura dos chocolates.”

Os quatro irmãos Quintas

Quando os portugueses começaram a investir em Angola, o petróleo da época era o café, que entre 1946 e 1972 foi a principal exportação do País, recorda Onofre dos Santos. “Grandes exportadores de café portugueses, como os Mota,

A LOJA QUINTAS & IRMÃO, EM LUANDA, ERA FAMOSA PELOS BRINQUEDOS, QUE VENDIA MUITO NO NATAL

eram uns cinco ou seis. Depois havia importantes empresários agrícolas, como o Venâncio Guimarães Sobrinho, e outros que diversificaram muito os negócios, como o Manuel Vinhas e o Mabílio de Albuquerque. No comércio, por exemplo, os Armazéns do Minho, que ainda lá estão, até tinham uma peça feita pelo famoso artista português Querubim Lapa numa das fachadas. E os Quintas & Irmão tinham lá um grande e muito emblemático estabelecimento comercial”, o maior de Luanda. A Quintas & Irmão era uma das lojas mais concorridas da baixa da capital. Pertencia não a um, mas a quatro irmãos, que além de um estabelecimento comercial multiproduto tinham uma grande distribuidora de gás (Gás Quintas), uma fábrica de tintas e metade do capital da cervejeira Eka. “Dois viviam em Luanda, o António e o Júlio, os outros dois [Joaquim e Armando] mais em Portugal”, confirma à SÁBADO uma pessoa próxima da família. Vendiam de tudo: de frigoríficos a muitos outros eletrodomésticos, passando por talheres, porcelanas, cristais ou canetas Dupont e Parker. No Natal, era ali que os portugueses iam comprar brinquedos – alguns feitos em Angola, outros importados. Como também se importava o bacalhau que os portugueses continuaram sempre a comer (tal como a feijoada e o cozido à portuguesa) e a roupa. Porque só “após 1966 foi permitida a instalação nas colónias do setor têxtil, até então interdito com receio de forte concorrência à indústria da metrópole”, escreve-se em A Evolução Económica de Angola Durante o Segundo Período Colonial, de Nuno Valério e Maria Paula Fontoura. Quatro anos depois, em 1970, o têxtil era já a segunda maior indústria de Angola. Um dos maiores empresários do setor era Manuel Lagos, tio da jurista Rita Amaral Cabral, a mais famosa na

morada de Marcelo Rebelo de Sousa. “Tinha, além de algodão, várias fazendas em Angola”, diz uma fonte próxima.

Foi a negociar algodão que o Entreposto, à época a maior companhia de Moçambique, começou a fazer-se grande. A mais antiga empresa do grupo, a Companhia Nacional Algodoeira, foi criada em 1926 numa sociedade entre José Dias da Cunha, pai de António Dias da Cunha, antigo presidente do Sporting, e o seu companheiro de caça, Joaquim Palhinha. Mais tarde, com a semente do algodão, começaram a fazer óleos comestíveis. Depois vieram os carros, (primeiro com a representação da Mercedes, Peugeot e Massey-Ferguson) e a importação e exportação de vários produtos, incluindo petróleo. Só em 1967 o Grupo Entreposto, que nasceu em Moçambique, expandiu a sua atividade para Portugal, onde começou por vender carros Nissan (na altura Datsun).

Outra empresa muito grande, que ainda hoje se mantém em Moçambique, surgiu com João Ferreira dos Santos, que nasceu em Baraçais, no Bombarral, em 1878, e veio para Lisboa ainda miúdo. Foi na capital, onde começou por trabalhar numa farmácia, que ouviu pela primeira vez falar das potencialidades de África. A 24 de janeiro de 1897, na altura com 19 anos, embarcou no cargueiro Zaire com destino à Ilha de Moçambique. Ainda estava no barco quando conheceu José António dos Santos, também do Oeste, que lhe deu emprego numa pequena loja da Ilha de Moçambique. Ao fim de oito meses, lançou-se por conta própria. E foi assim que começou a construiu um império com várias áreas de negócio – além do algodão há chá, castanhas e amêndoas de caju, investimentos na pecuária e na indústria, projetos imobiliários, de energia, metalomecânica, automóvel e até fábricas de bicicletas. Quando o neto – com o mesmo nome – morreu, em 2015, a João Ferreira dos Santos era uma das 10 maiores empresas portuguesas em Moçambique. Continua, até hoje, nas mãos da mesma família.

Angola, “querida Angola”

Tal como os Ferreira dos Santos, também Francisco Guedes mantém a Frigoríficos Polo Norte. “Com o 25 de Abril, os meus pais venderam a atividade em Moçambique e ficaram só com a de Angola, da qual sou herdeiro. Os frigoríficos Polo Norte têm, agora, cerca de 15 funcionários. Nas outras empresas somos uns 140”, diz à SÁBADO. Outros, como Manuel Vinhas, tiveram que abandonar o país depois das independências.

A 19 de agosto de 1975, já exilado no Rio de Janeiro, e depois de uma ida ao estádio do Maracanã, o empresário escreveu (no livro Profissão Exilado) um relato emotivo sobre Angola. E sobre um regresso que não chegou a acontecer. “Nas bancadas, um gigantesco batuque africano que me transporta à outra margem do Atlântico. Onde jogadores também morenos fazem as mesmas imaginosas, astuciosas, diabólicas piruetas; onde acontecem as mesmas imprevistas e desconcertantes mudanças de ritmo; onde, sem comunicação telepática e só por obediência às raízes, se desenham os mesmos gestos dos passistas de samba. Onde é Angola. Onde voltarei um dia, quando for governada por angolanos, livre, como espero, das proibições, dificuldades e ameaças a que fui sujeito antes por extremistas da direita, e agora por extremistas da esquerda. Onde continua a ser terra de esperança, e me recuso a aceitar que seja de desilusão. Onde pedi para ser enterrado, quando há alguns anos a minha vida perigou, mas, sobretudo, onde desejaria viver. Querida Angola.” ●

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2023-03-16T07:00:00.0000000Z

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