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Aveiro

Apesar das críticas, a sede do partido em Aveiro, uma vivenda, vai ser demolida para construir um prédio de oito pisos com 17 apartamentos.

Por Paulo Vila

PCP vai arrasar vivenda da sede para construir um edifício de oito pisos

Enquanto no parlamento os comunistas criticam os que ganham “milhões” com o “flagelo social que é a especulação imobiliária”, em Aveiro, o PCP vai demolir a sede, adquirida em 2014, e construir no mesmo local um prédio com 8 pisos. “Não é para habitação social”, fez saber Ribau Esteves, o presidente da câmara, que diz ter mantido reuniões com “gente ao mais alto nível (...) do Comité Central” para, uma vez concluída a revisão do PDM – aprovada em 2019 –, dar “seguimento” ao que foi acordado.

De tal modo que, de junho de 2022, vem a decisão de autorizar a demolição da vivenda Aleluia – antiga propriedade desta família que se notabilizou pelos seus painéis de azulejos –, pondo fim a um exemplar de Francisco da Silva Rocha (1864-1957), nome maior da arquitetura aveirense na época. Trata-se de um “exemplar único do estilo casa tradicional portuguesa praticado por Raul Lino e inspirado pelo movimento Arts and Crafts, Museu Vivo do Azulejo, que não pode morrer”, sustenta Maria João Fernandes, da Associação Internacional de Críticos de Arte e bisneta de Silva Rocha, mestre da arquitetura Arte Nova portuguesa.

No despacho, a câmara designa-o como “um conjunto pitoresco que não se encontra protegido por qualquer lei específica” e Ribau Esteves espera, até, “que o PCP avance rapidamente com a obra”, tanto mais quando, diz, a vivenda Aleluia “não tem valor patrimonial”. Por serem “tão desprovidas de qualquer sentido”, Maria João Fernandes recusa comentar tais afirmações, mas, à SÁBADO,o artista plástico Marcos Muge considera que o autarca revela ser “analfabeto”. Ainda mais do que o exterior, decorado com vários painéis de azulejos, o antigo pintor da Fábrica Aleluia nota que “o interior da casa é extremamente rico”. “Acho isto um crime público. Aveiro está-se a borrifar para tudo o que é memória.” Por considerar que “é um verdadeiro crime de lesa-património”, a familiar de Silva Rocha acompanha-o nas duras críticas à atuação de Ribau Esteves e diz que o autarca “está-se a esquecer que existe legislação europeia que proíbe a destruição de bens culturais e que este é indiscutivelmente um bem cultural”.

As leis nacionais também conferem poder aos municípios para travar estes casos. Em 2017, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação foi alterado de modo a constituir motivo para “indeferimento” dos licenciamentos pelos quais se pretenda “a demolição de fachadas revestidas a azulejos, a remoção de azulejos de fachada, (...) salvo em casos devidamente justificados, autorizados pela Câmara em razão da ausência ou diminuto valor patrimonial”.

Foi, aliás, pelo valor arquitetóni

co da vivenda Aleluia que, em 2006, o município presidido pelo independente Élio Maia indeferiu, por unanimidade, a construção de um prédio com cinco andares. Na altura, o PCP, pela voz de António Salavessa, considerou a decisão “exemplar” e desejou que a autarquia fizesse o mesmo em relação a outros edifícios que, do mesmo modo, era “preciso preservar”.

Agora, e já não na condição de inquilino mas de proprietário, o PCP mudou de opinião e, beneficiando de uma revisão do PDM (que votou desfavoravelmente), lança-se na construção de um prédio com 25 metros de altura. Os comunistas não responderam a nenhuma das questões colocadas pela SÁBADO, limitando-se a apontar “problemas recorrentes” no “estado de conservação e sustentabilidade” do edifício, “com exigências financeiras insuportáveis, o que levou o PCP a procurar soluções comportáveis e viáveis para impedir uma degradação irreversível”. E, assim, “dentro das suas possibilidades”, encontrou uma “solução” que vai “valorizar a cidade”. Os comunistas não se disponibilizaram para dar conta do número de fogos a construir, os fins a que se destinam e o montante do investimento que, segundo a autarquia, está estimado em € 2,1 milhões. No debate político em torno deste processo aponta-se o dedo à “hipocrisia” dos comunistas. Não só porque agora são a favor daquilo que antes contestavam, bem como pela posição que adotaram durante a revisão do PDM.

Travar a demolição

Em 2019, a discussão assumiu contornos rocambolescos quando a deputada municipal, Ana Valente, do PCP, considerou que o documento “devia ser uma fonte de riqueza para todos”, mas passaria a “escancarar as portas à especulação imobiliária de espaços previamente valorizados”. Na altura, o projeto imobiliário dos comunistas já estava a ser apreciado pela câmara e Ribau Esteves não perdeu a oportunidade para ironizar: “Eu, presidente, concordo em absoluto e este PDM cria condições para dizer sim à proposta do PCP. Acho que não está a fazer especulação imobiliária quando quer trocar uma casa velha de dois pisos por um prédio de sete, está a fazer gestão urbana sensata.”

Com o início dos trabalhos de demolição no interior, a contestação aumenta a cada dia. Numa petição pública dinamizada por Rita Ferrão, investigadora na área da azulejaria, é exigida ao ministro da Cultura a “classificação” e “proteção imediata” do imóvel, “impedindo a sua demolição” dada a “importância artística e arquitetónica”. O documento, que nas últimas horas regista um número crescente de subscritores, refere que a “vivenda Aleluia não pode ficar à mercê da tirania de um pequeno grupo seduzido pela especulação imobiliária, prejudicando assim o futuro cultural da cidade”.

Na segunda-feira, dia 13, Maria João Fernandes, que leva anos a reivindicar a classificação deste e de outros imóveis da cidade, dirigiu um “SOS aos responsáveis da cultura em Portugal”, pedindo-lhes “que tomem agora e de imediato medidas para travar a vergonhosa demolição anunciada”. ●

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2023-03-16T07:00:00.0000000Z

2023-03-16T07:00:00.0000000Z

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