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O ginásio

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

OS NEGROS, as mulheres, os imigrantes, os pobres, os muçulmanos, os judeus, as lésbicas, os gays, os bissexuais, os transexuais. E os gordos?

Sempre que se fala de discriminação institucionalizada, de preconceitos, de estigmatização, de violência psicológica, de processos de desumanização, de falta de representatividade no espaço público, os gordos ficam esquecidos a um canto.

Os gordos, simplesmente por serem gordos, também estão sub-representados na publicidade, na política e no cinema. Também são inferiorizados. Também são alvo de exclusão.

Desenvolver uma barriga arredondada e proeminente, que não encaixa nos moldes admitidos, paga-se caro. Pode arruinar-nos, dar cabo de nós.

Os gordos e deselegantes são gozados e ridicularizados na escola e no emprego (baleia, bola, badocha, balofo, monte de banhas, inchado, gorducho, gordalhão, gordalhufo, banhudo, trambolho, gordo como um nabo, gordo como um texugo), namoram menos, têm mais dificuldades em encontrar trabalho, auferem salários mais baixos, fracassam nas relações amorosas, a sua sexualidade não é promissora, têm menos probabilidades de casar, são mais solitários, desenvolvem problemas emocionais e de consciência, enfim, sentem-se culpados aos olhos do mundo.

Inversamente, ser magro é uma vantagem: os magros ficam com os melhores empregos, têm carreiras mais auspiciosas, são mais ouvidos quando querem ter a atenção dos outros e os filhos não têm tanta vergonha deles.

Os problemas dos gordos não são problemas triviais. Também eles sofrem o império dos magros, também eles foram colonizados pela cultura das aparências, do bom aspecto e do bem parecer, também eles sentem perfeitamente na pele o ódio, a crueldade e a marginalização.

Por causa da gordofobia estrutural, do horror ao excesso de peso e à obsessão por emagrecer e parecer mais jovem, as pessoas gastam mais em dietas, antirrugas e hidratantes do que em escolarização; mais em produtos adelgaçantes e em cirurgias plásticas do que em instrução; mais em sedução e na aparência do que em educação.

No mundo de ficção em que vivemos, narcisista e obcecado com a promoção individual, ocupamos grande parte do nosso tempo e energias a falar dos quilos a mais e da falta de exercício; dos hidratos de carbono, das comidas hipercalóricas e da acumulação de gordura nas ancas, nas nádegas e no abdómen; da necessidade de emagrecer e das receitas de baixo valor energético; dos alimentos que ajudam a regular o trânsito intestinal ou que favorecem o sistema imunitário e cardiovascular; dos níveis de colesterol ou dos triglicéridos no sangue; dos benefícios do misterioso ómega 3; dos produtos ricos em fibra, ferro, iodo, cálcio, selénio, potássio, magnésio, zinco; das vitaminas antioxidantes, do chá verde e do seu elevado potencial desintoxicante e anti-inflamatório; das bebidas feitas à base de bactérias vivas e de leveduras, da Kombucha e dos iogurtes probióticos, com bifidus activo ou lactobacilos; do ginseng, do gengibre, da romã, dos mirtilos, das sementes de chia (mais ricas em ácidos gordos ómega 3 do que o salmão, com mais fibras do que os flocos integrais e mais cálcio do que o leite gordo).

Os estilos de vida e os padrões estéticos vigentes transformaram os corpos magros, lisos, firmes, tonificados e trabalhados em símbolos de beleza, de saúde (andam mal-avisados aqueles que acham que a magreza é sinónimo de saudável), de felicidade e de êxito pessoal; estabeleceram uma série de normas e de maneiras de vestir que sugerem que os corpos rechonchudos ou volumosos são intoleráveis e devem ser escondidos ou dissimulados.

Da publicidade à indústria do entretenimento e aos meios de informação, a mensagem é a mesma: este mundo não é para gordos.

Os gordos estão condenados, já não cabem na maioria das coisas (nos tamanhos das roupas das lojas, nas toalhas de banho que não dão a volta à circunferência do corpo, nos lugares dos aviões, nas cadeiras do cinema, nos assentos do metro e do autocarro, nas macas dos hospitais, nas máquinas de raio-X, etc.).

São fracos, ignorantes ou pouco informados, e não têm força de vontade, falta-lhes constância e disciplina para resistir às urgências ou requerimentos do estômago, à tentação e à cobiça da comida rápida, das pizzas e dos alimentos pré-cozinhados; são menos inteligentes ou mais estúpidos, porque, segundo alguns estudos, se recusam a emagrecer.

Como dizia o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o corpo está no mundo social, mas o mundo social (e a sua moralização) também está no corpo.

Os ginásios ou health clubs constituem, a este respeito, uma curiosa fonte de informação existencial sobre a moderna espécie humana.

São um laboratório privilegiado para estudar os cânones da representação do corpo humano, para desconstruir as aspirações e pretensões das sociedades capitalistas, para avaliar a condição e a situação dos bípedes do século XXI.

O que é que o ginásio diz sobre nós, sobre as nossas particularidades e necessidades psicológicas, sobre a nossa maneira de ver o mundo e o nosso nível de realidade?

Os clientes dos ginásios são, em geral, pessoas que não estão satisfeitas com o seu corpo, que perseguem sem descanso a imagem que o espelho lhes devolve, que procuram ocultar aquilo que são e o que foram, que procuram ser o contrário daquilo que parecem. (Continua) ●

Opinião

pt-pt

2022-08-11T07:00:00.0000000Z

2022-08-11T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283145727502148

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