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À espera de ser Travolta

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

QUANDO MORRE Olivia Newton-John morremos aos 11 anos, à espera de ser alguém, à espera de ser Travolta. Vi o Grease de Randal Kleiser nessa idade, em 1979, levado pelos pais à sessão nocturna do Foco. 21h30 aos 11, chegar a casa à meia-noite, que triunfo! O Foco era o bairro queque, abastado e cosmopolita do Porto, um triunfo do capitalismo rentista, logo na Boavista, o único sítio da cidade onde se imaginavam gangues de estilo, mota e penteado como os T-Birds, o grupo liderado por Danny Zucko, um John Travolta de 24 anos com o mundo às suas ancas, na Febre de Sábado à Noite. O filme de John Badham pôs a vida a dançar, mas era duro, proletário, cheio de problemas, e tinha os filhos de Brooklyn a invadir Manhattan – haveria dançarino mais gay e liberado do que o machão Tony Manero? Vi-o três vezes aos 10, a minha mãe, felizmente, era louca, e levou-me. Adorei e não percebi nada, muito menos do que acontecia fora do ritmo da pista. Já a Olivia era outra coisa. Australiana, super-vedeta lá nos confins, aterrou em Grease, a adaptação do musical de 1971, por obra e graça de Allan Carr, seu agente à época, um belo aldrabão (e Deus sabe como o mundo precisa de aldrabões). Olivia tinha 28 anos, a personagem, Sandy Olson, chegava no máximo aos 17, mas passava-se tudo num liceu de 1958 e Grease é uma fantasia para pré-adolescentes. Na intriga, leve como três grãos de areia, Sandy chega casta dos antípodas, faz estágio nas Pink Ladies, Danny quebra-lhe o coração e ela surge no clímax de calças de cabedal e blusa apertadíssima, tão sexy que a escola explode em orgasmo. Na altura fazia todo o sentido. Olivia Newton-John foi a primeira mulher que amei, como só aos 11 se ama. Travolta era um grunho, uma montanha de gel. Só gostei dele quando cantou Sandy, tolhido pelo luar, no desespero dos vencidos. Olivia sabia que nós sabíamos, mas a inocência dela, mesmo simulada, era devastadora. Em resposta dedicou-se inteira, do alpendre ao jardim, suspirando Hopelessly Devoted to You. No fim, Danny já não existia. Era eu que dançava, com os primeiros jeans, nos últimos passos em volta, e Sandy gostava mesmo de mim. Sempre gostou. Não ir para novo é a Olivia Newton-John morrer e não termos feito 55 anos. You were the one that I wanted, baby. ●

Crónica

pt-pt

2022-08-11T07:00:00.0000000Z

2022-08-11T07:00:00.0000000Z

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