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Eleições angolanas

O MPLA ganha, mas perde a maioria absoluta, a crer na catadupa de sondagens que, em Luanda, auguram tempos difíceis para o atual Presidente, João Lourenço.

Por João Carlos Barradas

João Lourenço contra Adalberto da Costa Júnior

Opartido governamental dificilmente conseguirá manter uma bancada na Assembleia Nacional com 150 deputados, como sucedeu em 2017, ou garantir a vitória nas 18 províncias.

Uma vez reeleito, João Lourenço prevaricará com a cleptocracia que o guindou a Presidente ou negociará uma paulatina integração de setores da oposição nas estruturas do poder, que é para isso que vale o exercício eleitoral.

Adalberto Costa Júnior lidera a lista da UNITA, secundado por Abel Chivukuvuku, coordenador do projeto político PRA-JA Servir Angola, e conta superar o resultado do partido do Galo Negro há cinco anos: 51 deputados, com 27% dos votos.

Sem cunho jurídico, a coligação Frente Patriótica Unida de Adalberto Costa Júnior agrega ainda 12 candidatos do Bloco Democrático que não se apresenta às eleições, sendo o seu vice-presidente Justino Pinto de Andrade, o quarto da lista nacional a seguir à vice-presidente da UNITA, Arlete Chimbinda.

Ampliar a capacidade de mobilização eleitoral dos insatisfeitos com a governação do MPLA e furar a bolha de propaganda pró-governamental

ADALBERTO COSTA JÚNIOR CONTA SUPERAR O RESULTADO DA UNITA EM 2017: 51 DEPUTADOS, COM 27% DOS VOTOS

da Rádio Nacional de Angola, da Televisão Pública de Angola e da TV Zimbo é, contudo, difícil, conforme reconhece a israelita Adi Timor, a consultora da UNITA que em 2020 dirigiu a bem-sucedida campanha presidencial de Lazarus Chakwera no Malawi.

A Igreja Católica tende à neutralidade, mas igrejas protestantes, movimentos religiosos e seitas sincréticas, ou frentes étnico-políticas como o Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe, pesam

ao nível provincial em termos nada fáceis de apurar.

Ainda que tendencialmente adversos ao regime e ao centralismo de Luanda, sobas ou líderes religiosos em regiões como as Lundas, Cabinda, Zaire ou Bié, são suscetíveis de ceder e lucrar ante esquemas de patrocínio e subsidiação do MPLA.

O partido de João Lourenço apresenta Esperança da Costa, atual secretária de Estado das Pescas, como número dois da lista nacional e candidata à vice-presidência, contando com a presença de veteraníssimos como Dino Matrose, antigo secretário-geral do MPLA, ou Roberto de Almeida, presidente da Assembleia Nacional de 1996 a 2008.

Entre as províncias em que o MPLA enfrenta maiores dificuldades contam-se Luanda, onde em 2017 obteve 48% dos votos e o veterano Bento Sebastião Bento encabeça a lista do partido, a Lunda Sul (46% há cinco anos) e Bié (57% nas últimas eleições).

A votação nos demais partidos –

Partido de Renovação Social, Frente Nacional de Libertação de Angola, Aliança Nacional Patriótica, Partido Humanista e Partido Nacionalista da Justiça em Angola – afigura-se irrelevante.

A Convergência Ampla e Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), liderada por Manuel Fernandes, está, por sua vez, muito longe dos 9% dos votos de 2017 que lhe valeram 16 deputados.

A falhada alternativa aos dois maiores partidos não chegou a recuperar do abandono há três anos de Chivukuvuku, um dos seus fundadores, que se reaproximou

FORA DO DUELO UNITA-MPLA, A VOTAÇÃO NOS DEMAIS PARTIDOS, COMO O DE RENOVAÇÃO SOCIAL, É IRRELEVANTE

da UNITA, de onde saíra em 2011, após a eleição de Adalberto Costa Júnior, em dezembro de 2019, como sucessor de Isaías Samakuva.

O cabeça de lista pelo círculo nacional do partido mais votado é eleito Presidente da República e chefe do executivo e ao número dois cabe o cargo de vice-presidente e, assim sendo, a reeleição de João Lourenço é certa.

De resto, votantes não faltam já que o Registo Eleitoral Oficioso, a par do registo presencial em zonas do país desprovidas de serviços de identificação, concluiu pela existência de 14.399.391 cidadãos maiores de 18 anos.

Assistiu-se, portanto, a um aumento assinalável de votantes, no recenseamento realizado entre 23 de setembro de 2021 e 7 de abril último pelo Ministério da Administração do Território, em relação aos 9.317.294 de eleitores registados em 2017.

Covid-19 dificultou o registo

Na eleição de 23 de agosto de 2017 para a Assembleia Nacional foram escrutinados 7.093.002 boletins de voto e a abstenção real ficou por apurar.

Agora, as autoridades não eliminaram da base de dados os cidadãos falecidos entre 2017 e 2022 devido a “dificuldades administrativas”, segundo Fernando Paixão, diretor do Registo Eleitoral Oficioso.

14 milhões de cidadãos maiores de 18 anos, segundo o Registo Eleitoral Oficioso. A população do país, em 2021, era 33.933.661

OS VOTOS DOS ANGOLANOS NO ESTRANGEIRO SÃO CONTABILIZADOS NO CÍRCULO NACIONAL, QUE ELEGE 130 REPRESENTANTES

Este ano, de resto, poderiam ter sido englobados ainda mais votantes pois, pela primeira vez, as eleições estão abertas à diáspora, que não conta, no entanto, com círculo eleitoral próprio.

Os votos dos angolanos no estrangeiro são contabilizados no círculo nacional, que elege 130 representantes a partir das listas nacionais dos partidos, sendo os restantes 90 deputados escolhidos com base nas listas provinciais, cabendo a cada uma das 18 províncias a eleição de cinco deputados.

A pandemia de Covid-19 dificultou o registo na diáspora e apenas foi possível abranger residentes em

Portugal, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, França, Grã-Bretanha, África do Sul, Namíbia, República Democrática do Congo, Congo-Brazzaville, Zâmbia e Brasil.

O Governo previa registar até cerca de 450 mil eleitores no estrangeiro, mas o cômputo final não ultrapassou os 18 mil, havendo, por exemplo, cerca de 4.500 votantes nos cadernos eleitorais de Lisboa e aproximadamente 1.500 no Porto quando as estatísticas oficiais portuguesas, relativas a 2019, assinalavam 22.691 angolanos no País.

Da banda da oposição, a UNITA denuncia a existência de mais de 2,5 milhões de eleitores já falecidos, mas o Governo considera a questão irrelevante e não disponibilizou as listas de votantes.

A logística e gestão do processo eleitoral – formação de pessoal, produção, transporte e entrega de material indispensável à votação e escrutínio – está uma vez mais a cargo da Minsait, uma empresa da multinacional espanhola Indra.

A empresa desempenhou idênticas funções nas eleições de 2008, 2012 e 2017 e a sua escolha pela Comissão Nacional de Eleições, em fevereiro, através de concurso público, foi considerada fraudulenta pela UNITA.

O Tribunal Constitucional não aceitou, contudo, a providência cautelar da UNITA, apresentada em maio, para garantir a “lisura e transparência do processo” eleitoral, contestando,

nomeadamente, a escolha da Minsait.

O desempenho nas eleições deste mês da filial da Indra – uma das maiores empresas espanholas na área da defesa, segurança e tecnologias de informação – é uma incógnita.

O Governo de Pedro Sánchez, graças à participação de 25,2% no capital da Indra através da Sociedad Estatal de Participaciones Industriales, reforçou, em junho, o controlo da administração da multinacional, associando-se à empresa de defesa basca SAPA Placencia (5%) e ao fundo de investimento londrino Amber Capital (4,2%), acionista maioritário do conglomerado de informação madrileno PRISA.

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, QUE FALECEU EM BARCELONA, AGUARDA UM FUNERAL CONDIGNO EM LUANDA COM HONRAS DE ESTADO

A LOGÍSTICA E GESTÃO DO PROCESSO ELEITORAL ESTÁ A CARGO DA MINSAIT, EMPRESA DA MULTINACIONAL ESPANHOLA INDRA

Independentemente das conjeturas sobre o que se possa congeminar em Madrid quanto à liderança política num Estado produtor de petróleo fornecedor não negligenciável, certo é que os boletins entrados nas mais de 26 mil mesas de voto angolanas serão contados pelos presidentes das Assembleias de Voto.

Cumpre-lhes elaborar a ata, a assinar por todos os delegados de lista, e enviar os boletins de voto em saco lacrado para a Comissão Municipal Eleitoral que os remeterá à Comissão Provincial Eleitoral.

A ata-síntese da Assembleia de Voto será enviada por fax para a Comissão Provincial Eleitoral e para a Comissão Nacional Eleitoral e assim se consumará o processo eleitoral com putativo respeito pelo decoro e lisura de procedimentos.

Um rol de nomes está em causa na eleição de dia 24 e a sua sorte vai definir o regime pelos tempos mais próximos.

À espera de um enterro condigno

José Eduardo dos Santos, que faleceu em Barcelona, aguarda enterro condigno em Luanda com honras de Estado e o trato de João Lourenço com a parentela do ex-Presidente angolano, em particular com Isabel e José Filomeno, dará o tom aos compromissos institucionais com a corrupção e cleptocracia que caracterizam o regime.

Os processos envolvendo os generais Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento “Dino” confundem-se com o destino de Manuel Vicente, presidente da Sonangol entre 1999-2012 e vice-presidente de Eduardo dos Santos de 2012 a 2017, cuja imunidade se extingue em setembro.

Edeltrudes Costa, o chefe da Casa Civil de Eduardo dos Santos que passou a diretor do gabinete presidencial de João Lourenço, e João Baptista Borges, atual ministro da Energia e Águas, representam, por seu turno, a face tão presente e exuberante da perversão crematística do poder que, consumada a eleição de agosto, o que lhes suceder provará ou infirmará a contrição de pecados da oligarquia angolana. ●

Sumário

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