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Contratos

Nos últimos quatro anos, sempre nos meses de dezembro, a autarquia lisboeta fez várias adjudicações, num total de 107 mil euros, em obras que eram dos herdeiros do pintor.

Por Marco Alves

Porque anda a câmara de Lisboa a comprar obras de Júlio Pomar?

Amorte de Júlio Pomar em maio de 2018 levou a um padrão de compras da Câmara Municipal de Lisboa (CML) ao filho do artista, Alexandre Pomar, sempre nos meses de dezembro: quatro obras em 2018 por €19.000, três lotes de desenhos e têmperas em 2019 por €28.000, duas séries de desenhos em 2020 por €30.000 e em 2021 um acrílico sobre tela por €30.000.

Alexandre Pomar esclarece à SÁBADO que as obras não foram adquiridas a ele, mas “aos herdeiros”. “Que representei para o efeito”, explica. Diz ainda que “foram registadas em dezembro por razões contabilísticas do Atelier-Museu e da EGEAC [empresa da câmara de Lisboa que comprou as obras e que gere os equipamentos culturais da cidade]; por ser fim do ano económico e não por ser Natal”.

Quanto aos preços por que foram adquiridas as obras, a EGEAC diz à SÁBADO que “é uma questão pertinente atendendo a que se trata de obras de arte, que têm um valor variável, mas o preço pago é quase sempre o mesmo, cerca de 30.000 euros”. A empresa municipal diz que “o valor em causa prende-se com o valor de investimento contemplado no orçamento do Atelier-Museu Júlio Pomar/EGEAC para a sua política

de aquisições, cujo montante rondou, em anos anteriores, os €30.000/ano”. Acrescenta que os herdeiros têm disponibilizado as obras a “valores comportáveis para o orçamento do Atelier-Museu; obras que no mercado teriam um valor superior”.

CML dona de arte

A história deste Atelier-Museu remonta a 2000, quando a CML comprou um antigo armazém em frente à casa do artista. Em 2007 começaram as obras, sob projeto de Siza Vieira. Em 2013 o Atelier-Museu foi inaugurado.

O espaço é da CML, mas de quem seriam as obras? Segundo o protocolo de 2007 assinado entre a autarquia e o pintor, as obras de arte pertencem à fundação que o pintor tinha criado em seu nome três anos antes. Pomar fez duas grandes doações de obras suas à Fundação, em 2004 e em 2014. Após a sua morte, os herdeiros fizeram uma terceira doação, em 2020. Alexandre Pomar diz-nos que não é possível que estas doações voltem para trás, ou seja, se os herdeiros extinguirem a Fundação as obras passam a ser da CML.

Embora esse protocolo, na cláusula 5ª, diga que as obras do museu são as doadas à Fundação, a situação foi evoluindo e o acervo começou a incluir obras compradas diretamente pela autarquia aos herdeiros.

A EGEAC nega à SÁBADO esta interpretação e diz que pode haver outras obras no museu quando a CML identifica “lacunas no espólio” que é necessário preencher indo comprar aos herdeiros. O que diz ser “uma prática comum em vários museus”.

A EGEAC (que passa assim a ser a proprietária destas obras) conclui: “Não seria, aliás, ético, esperar que os herdeiros de artistas doassem todas as obras que lhes pertencem.” Quanto a Alexandre Pomar, garante-nos que “não há qualquer mudança do projeto e do conceito do Atelier-Museu”.

A autarquia diz que em dezembro de 2022 “não se prevê a aquisição de nenhuma obra”, ou seja, não se repetirá o padrão dos últimos anos. O filho do artista diz no entanto que “é previsível que outras obras venham a ser adquiridas pelo Museu/EGEAC e que outras sejam oferecidas pelos herdeiros à Fundação”.

Alexandre Pomar acrescenta que “outra doação de pinturas, assemblages, obra gráfica e desenhos foi feita em 2021 à Fundação Gulbenkian”. Mais: “Foram feitas igualmente outras aquisições de obras (desenhos) de Júlio Pomar por parte do Atelier-Museu, a outros proprietários. Por outro lado, uma pintura fora já doada pelo artista à CML, em 2006, e outra ainda, em 2013, foi doada ao Atelier-Museu. Outras doações de pinturas têm sido feitas pela viúva do pintor e por mim à Fundação Júlio Pomar, integrando assim o seu acervo depositado no Atelier-Museu.” ●

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2022-08-11T07:00:00.0000000Z

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