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Poder local O caso do comandante dos bombeiros que punha o autotanque a encher-lhe a piscina

MP investiga e PJ já fez buscas. Veículo-tanque dos Sapadores de Faro terá abastecido durante anos a piscina do Moto Malta, o clube privado a que o comandante preside.

Por Cláudia Rosenbusch

Aqueixa-crime entrou no Ministério Público em agosto do ano passado, depois de a denunciante ter andado vários anos a reportar o caso à Câmara Municipal de Faro, sem consequências. Sílvia Branquinho, subchefe de 1ª classe nos Bombeiros Sapadores de Faro (BSF), acusa o comandante, José Tomás Valente, de ter usado reiteradamente a viatura tanque dos bombeiros para encher de forma gratuita a piscina insuflável do Moto Malta de Faro, o clube desportivo de motos de que o comandante é presidente. Em fevereiro deste ano, a PJ fez buscas ao quartel dos BSF e levou o registo de ocorrências. A SÁBADO teve acesso a esse registo e detetou que, entre 2014 e 2016, ou seja, no espaço de três anos, a viatura-tanque deslocou-se por 16 vezes ao Moto Malta, sempre nos meses de verão.

“Cheguei a participar numa deslocação e fui chefe de serviço em

“ACHO QUE É UM ABUSO DE PODER, ESTÃO A GASTAR O NOSSO DINHEIRO”, ACUSA SÍLVIA BRANQUINHO

algumas deslocações”, refere Sílvia Branquinho, acrescentando: “Era para abastecer a piscina e o depósito que eles lá tinham. Eram autotanques que têm 12 mil litros de água.” As ordens para as deslocações e abastecimentos partiam sempre, garante a denunciante, de José Tomás Valente, que só tomou posse oficialmente como comandante dos BSF em 2017, mas já desempenhava essas funções desde julho de 2015 e em 2014 integrava o gabinete de apoio ao comando.

“Acho que é um abuso de poder, estão a gastar o nosso dinheiro”, refere Sílvia Branquinho. E exemplifica: “Se um idoso com uma reforma baixa se esquecer da chave em casa e solicitar a nossa ajuda, somos obrigados a cobrar 29 euros pela abertura da porta. Alguns nem dinheiro têm para comer ou para medicamentos. E depois, andamos a encher piscinas de graça.”

A subchefe de 1ª classe começou por denunciar a situação verbalmente na Câmara de Faro, a entidade empregadora dos BSF, ainda em 2016, mas só em 2019, quando, a conselho do advogado, enviou as denúncias por escrito, é que a autarquia instaurou um inquérito, que acabaria arquivado, em 2021, por

falta de provas. Sílvia Branquinho garante que a autarquia nem sequer ouviu as testemunhas que indicou, nem teve em conta os registos de saída da viatura-tanque para o Moto Malta. A PJ já ouviu várias testemunhas, incluindo bombeiros sapadores da corporação que confirmam essas deslocações.

Represálias após as denúncias

Desde que começou a denunciar a situação à autarquia, Sílvia nunca mais teve paz. Já foi transferida de turno, colocada na central de telecomunicações a desempenhar as funções “que podem ser desempenhadas por assistentes operacionais” e, este mês, foi notificada de uma sanção disciplinar (multa de €117,34) . A proposta de sanção disciplinar foi levada à votação pelo presidente da autarquia de Faro, Rogério Bacalhau (PSD), e obteve a maioria dos votos do executivo municipal. O instrutor do processo concluiu que a funcionária contestou a ordem do superior hierárquico. “Não contestei, e de imediato a cumpri, apenas pedi a ordem por escrito”, garante.

A lei (19/2008, 21 de abril) protege os denunciantes, proibindo, por exemplo, a transferência de serviço sem o seu consentimento. Por outro lado, presume serem abusivas todas as sanções disciplinares aplicadas até um ano após a denúncia, um prazo que João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, um movimento independente atento aos temas da criminalidade económica e financeira, critica. “É muito fácil deixar passar esse ano e depois vale tudo e é a artilharia toda contra o denunciante.” Além disso, a lei atual não prevê sanções para os infratores. “O funcionário público está legalmente obrigado a denunciar irregularidades e depois o que acontece é ser perseguido, às vezes das formas mais horrendas e de maneira completamente impune”, diz o

A POLÍCIA JUDICIÁRIA ESTÁ NO TERRENO E JÁ OUVIU VÁRIAS TESTEMUNHAS, QUE CONFIRMARAM O CASO

vice-presidente da Frente Cívica.

O novo regulamento de proteção aos denunciantes (Lei 93/2021, de 20 de dezembro), que transpõe uma diretiva europeia, e entra em vigor em junho, já prevê sanções (multas) para as entidades empregadoras que não protejam o denunciante. João Paulo Batalha alerta: “A Câmara Municipal não pode confrontar-se com denúncias graves sem agir, ou pior, agir punindo o denunciante. Deve colocar-se do lado do funcionário que está, de boa-fé, sozinho a denunciar a organização. Esse tem de ser protegido enquanto tudo o resto é investigado e mesmo que venha a ser arquivado por não haver provas.”

A SÁBADO contactou o presidente da câmara de Faro, Rogério Bacalhau, e o comandante dos Bombeiros Sapadores, José Tomás Valente, mas ambos recusaram entrevistas e nem sequer responderam às perguntas que lhes enviámos por escrito. ●

Sumário

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2022-05-12T07:00:00.0000000Z

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