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Perfil Quem é o presidente da câmara de Setúbal no meio da polémica?

A filha entrou para os quadros da câmara que o pai lidera. André Martins tornou-se conhecido pela ‘receção’ russa a refugiados ucranianos, mas a sua longa carreira tem outras histórias.

Por Marco Alves O presidente

Odespacho foi publicado em Diário da República no dia 3 de dezembro de 2021: “Foi celebrado contrato de trabalho em funções públicas com Raquel Barata Martins com início a 2 de dezembro de 2021 para o desempenho de funções correspondentes à categoria de Técnico Superior (Antropologia) da carreira geral de Técnico Superior, na 2ª posição remuneratória e nível 15 da tabela remuneratória única (€1.205,08).”

Quem assina o documento é Carla Guerreiro, a vice-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, mas o despacho não diz – nem teria de o dizer – que se trata da filha do próprio presidente da câmara, André Martins.

Segundo a sua página de LinkedIn, Raquel Martins não terá tido problemas em conseguir uma colocação profissional após ter terminado, em 2016, a sua licenciatura em Antropologia na Universidade Nova, em Lisboa. O seu estágio curricular (março a junho de 2016) foi no Museu do Trabalho Michel Giacometti, equipamento que pertence à câmara de Setúbal. Nessa altura, o seu pai era o vice-presidente da autarquia.

A jovem licenciada em Antropologia iniciou depois, e até 2017, uma pós-graduação em Gestão e Marketing Turístico no Politécnico de Setúbal. No início de 2018, o Museu do Trabalho Michel Giacometti reabriu após obras e Raquel Martins foi contratada para uma “prestação de serviços na área administrativa” (€800/mês durante 24 meses). Tinha na altura 24 anos. Seguiram-se (2020 e 2021) duas prestações de serviço de um ano no museu, ambas por €1.300/mês.

Nesta altura, Raquel Martins estava entre os candidatos de um concurso que a câmara abriu em 2020 para um técnico de Antropologia. A 21 setembro de 2021 saiu a decisão: Raquel Martins ficou em primeiro lugar, com 16,19 valores. Tinha tido 17,3 valores na prova de conhecimentos, 12 na avaliação psicológica e 18 na entrevista profissional. O júri era composto por

A FILHA FEZ O ESTÁGIO CURRICULAR NA CÂMARA, DEPOIS FICOU A RECIBOS VERDES E PASSOU AOS QUADROS

UM GOLPE DE ESTADO CONTRA SI COM PARTICIPAÇÃO DE ANDRÉ MARTINS? “SIM” (CARLOS SOUSA, EX-PRESIDENTE)

dois diretores e um chefe de divisão da autarquia. Nessa altura, setembro de 2021, Raquel Martins era também candidata (independente) da CDU à Assembleia de Freguesia de Azeitão. O despacho de 3 de dezembro (quando o seu pai já era presidente) ratificaria a decisão do júri.

O golpe de Estado sadino

Numa câmara onde durante 15 anos (de 2006 a 2021) a estrela da companhia foi Maria das Dores Meira, a figura do seu sucessor só agora aparece com mais nitidez. Até aqui, foi uma figura discreta, segundo várias fontes de Setúbal. Para Carlos Sousa não é bem assim. Depois de frisar que “já passou muito tempo”, sugerindo que o assunto está mais ou menos ultrapassado, o antigo presidente da câmara lembra-se do que se passou em 2006. Recorde-se que Carlos Sousa foi eleito pela CDU nas Autárquicas de 2001 e 2005. Em 2006, o PCP “convidou-o” a sair. Em condições normais, subiria a presidente o nº 2 (André Martins), mas este era d’Os Verdes – segundo a lei, o substituto teria de ser alguém do mesmo partido do eleito que saia (a nº 3 da lista, Maria das Dores Meira).

Parece um golpe de Estado palaciano e perguntámos a Carlos Sousa se concorda. “Partilho dessa opinião, sim.” Um golpe de Estado contra ele em que participou André Martins? “Sim”, diz, sem querer entrar em detalhes, mesmo após insistência. Carlos Sousa, que entretanto se desfiliou do PCP, recusa fazer apreciações de André Martins “como homem”. Recorda-se de o ter conhecido nos anos 80 na câmara de Sesimbra “como técnico superior” e de o ter reencontrado muito tempo depois em Setúbal. Nada mais quis adiantar.

Depois de 15 anos na sombra de Maria das Dores Meira (como vereador e vice-presidente) e ainda quatro anos como presidente da Assembleia Municipal, a figura de André Martins, 69 anos, está agora mais exposta. Incluindo na Internet: após muitas tentativas da oposição, só agora neste mandato é que as reuniões públicas do executivo são transmitidas online. Não é por acaso, diz uma fonte da autarquia: só agora a CDU deixou de ter maioria de vereadores (5 contra 6). Antes disso, as propostas eram sempre chumbadas. E o que se vê nas transmissões, disponíveis no YouTube, é um ambiente crispado, com gritos e ameaças de expulsão da sala. Outra fonte diz-nos que este ambiente é – há muito – usual nas reuniões em Setúbal (“a diferença é que agora toda a gente pode ver online”) e que os vereadores do PS são o alvo da CDU porque “é o partido que lhes pode ganhar em Setúbal; isso não acontece com o PSD”.

Nos vídeos, salta à vista que o principal alvo de André Martins é Francisco José (ver exemplos à esqª). “A forma como o presidente da autarquia se dirige à oposição, nomeadamente aos vereadores do PS e em especial à minha pessoa, é uma clara demonstração de arrogância política e falta de humildade democrática”, diz à SÁBADO.

André Martins não respondeu a nenhuma pergunta da SÁBADO, incluindo sobre o percurso profissional da sua filha na autarquia. ●

Sumário

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