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CRISTINA RODRIGUES NO CHEGA

Faz propostas no Chega, fez noitadas no orçamento, perdeu seguidores nas redes sociais e apoios feministas. Começou tudo com simpatia nos corredores.

Por Alexandre R. Malhado

Como trabalha a nova assessora jurídica, como foi convidada para o partido de André Ventura e que amizades perdeu por causa da mudança

Na última legislatura, no mesmo corredor da Assembleia da República (AR) cruzavam-se dois vizinhos de gabinete, os deputados André Ventura e Cristina Rodrigues. Vista por membros do gabinete parlamentar do Chega ouvidos pela SÁBADO, a deputada eleita pelo PAN, e que passou a não inscrita, destoava dos restantes vizinhos – Joacine Katar Moreira e Iniciativa Liberal – por ser “a mais simpática”. “Sempre tive a mesma postura com as pessoas, dentro ou fora da AR, e independentemente das suas cores partidárias, profissões ou estatuto”, garante à SÁBADO Cristina Rodrigues. Em plenário, a deputada votou favoravelmente 40% das propostas do Chega, o que a torna o maior apoio ao partido na anterior legislatura. Hoje, Cristina Rodrigues é assessora jurídica do grupo parlamentar do Chega – e viu a sua vida mudar muito.

De deputada independente e ativista dos direitos das mulheres e dos animais, próxima do PS, passou a persona non grata à esquerda: perdeu centenas de seguidores nas redes sociais, o respeito de ex-colegas deputados e a relação com várias organizações com as quais trabalhava, como a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PPDM), que agrega várias ONG. Cristina Rodrigues garante: “Ao nível de propostas de trabalho tinha outras alternativas, mas nenhuma me dava a possibilidade de continuar a trabalhar temas que considero prioritários”, adianta, sem revelar de quem veio o convite. Terá vindo do próprio deputado André Ventura, segundo fontes do gabinete parlamentar do Chega.

O CONVITE FOI DE VENTURA, QUE DEPOIS FOI AVISANDO UM A UM OS RESTANTES DIRIGENTES DO PARTIDO

Na última quinzena de março, André Ventura foi informando um a um os elementos da cúpula do partido do convite a Cristina Rodrigues. A decisão foi recebida com surpresa, não foi unânime e até o português do anúncio gerou incómodo. Lia-se no comunicado do Chega que “Cristina Rodrigues prestará apoio, enquanto coordenadora jurídica, ao

A petição sobre pobreza menstrual que a ex-deputada lançou tinha apenas perto de 300 assinaturas à data do fecho desta edição

COMEÇOU EM TELETRABALHO, MAS JÁ ESTÁ NO PARLAMENTO. “FUI MUITO BEM RECEBIDA”, ASSEGURA

gabinete parlamentar, que beneficiará da sua considerável experiência parlamentar e em muitas causas nobres em que tem colocado o seu empenho”. A expressão “causas nobres”, desabafa um membro da direção do Chega, “não fez sentido na altura. Ela chegou a ter projetos de lei para alargar o prazo de interrupção voluntária da gravidez para 16 semanas e agora ia assessorar o nosso gabinete?” Houve algumas desfiliações. “É possível que existam desconfortos, as minhas opiniões sobre certos assuntos são muito públicas. Ainda assim nada disso me foi transmitido”, diz Cristina Rodrigues, que afirma ter sido “muito bem recebida”.

“Extremamente dedicada”

A transição foi lenta. Nas primeiras semanas, “ou ficava em teletrabalho ou ia para a sede”, revela um colega. Sempre articulada com o presidente do conselho de jurisdição Rodrigo Taxa e o assessor jurídico José Nobre (roubado ao CDS-PP), começou a ser uma presença frequente no gabinete parlamentar desde que começaram a estudar o Orçamento do Estado. Era “extremamente dedicada, às 8h da manhã chegava ao gabinete e era capaz de ficar até às horas que fossem precisas”, descreveu o ex-chefe de gabinete Nuno Afonso.

Outra fonte interna nota que sente na nova assessora “algum desconforto” quando tem de trabalhar temas sobre educação e igualdade de género – ou, para o Chega, “ideologia de género” – ou sobre a redução do IVA das touradas, prática que, como deputada, Cristina Rodrigues propôs abolir. A ex-deputada não põe a questão em termos de conforto: “Trabalhámos temas variadíssimos, especialmente no período de apresentação de propostas no Orçamento. A mim apenas cabe dar opinião jurídica sobre os assuntos, e sempre que acho oportuno fazer alguma sugestão faço, depois poderá ser ou não aceite.”

“Não tenho ambições políticas. Aquilo que importa para mim é, de alguma forma, poder continuar a contribuir para a causa pública.” Conciliando a assessoria parlamentar com o doutoramento em Ciências Jurídico-Criminais, que diz ter sido “desafiante”, Cristina Rodrigues afirma que trabalha como pode as causas que leva ao parlamento, tanto à margem do gabinete do Chega como dentro do grupo parlamentar. “Continuo a fazer o que posso por elas. Por exemplo, criei uma petição sobre pobreza menstrual e estamos a reunir assinaturas”, exemplificou à SÁBADO. Dentro do Chega, não se inibe de intervir: “Não sei responder se estou a influenciar ou não, apenas posso dizer que quando acho oportuno faço sugestões”, afirma.

Nas redes sociais, quando o seu trabalho no Chega se cruza com alguma causa sua, Cristina Rodrigues partilha no Twitter. Quando o Chega propôs passar a idade mínima para casar dos 16 para os 18 anos, a ex-deputada partilhou uma notícia da medida: “Segundo a UNICEF Portugal ‘casar com menos de 18 anos é uma violação dos direitos da criança’, razão pela qual tal prática ‘não devia ser possível’”, escreveu. Contudo, a sua presença mediática mudou. Além dos mais de 1.300 seguidores de Twitter perdidos, Cristina Rodrigues passou a ser alvo de críticas constantes. “Esta semana és de que partido?”, lê-se num comentário à publicação de 25 de Abril da ex-deputada, que desfilou no Rossio, Lisboa. “Cheguei atrasada mas fui. 25 de Abril, sempre”, lê-se na legenda da fotografia, onde aparece sozinha. ●

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2022-05-12T07:00:00.0000000Z

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