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Saga Os Sousa Tavares – uma família com três gerações de artistas

Por Lucília Galha e Sónia Bento

Uma aristocrata que faz poesia casa-se com um advogado antifascista. Têm cinco filhos que herdam os seus talentos. Na terceira geração, há dois netos que escrevem, como os avós, e outro que dirige uma orquestra. Nunca foram convencionais e tornaram-senuma das famílias mais mediáticas do País.

Miguel Sousa Tavares sempre admitiu a importância dos filhos na sua vida. “Durante muitos anos, todos os meus fins de semana e dias de férias eram para os meus filhos. Todos, sem exceção. Não fiz mais do que a minha obrigação. Como fui pai muito novo, os meus filhos eram quase como amigos”, disse, em vésperas do Natal de 2020, num programa de televisão. Agora, quase a fazer 71 anos, e já avô de cinco netos, a realidade é um pouco diferente: tem dois filhos a viver fora do país. Pedro, o mais velho, é assessor da eurodeputada Graça Carvalho, no Parlamento Europeu, em Bruxelas; Rita é adida cultural na embaixada portuguesa em Toronto, no Canadá. Só Martim, o mais novo, que é maestro e que se estreou recentemente como jurado do programa de talentos Ídolos, na SIC, está em Portugal.

A infância de Miguel e dos seus quatro irmãos foi bem diferente. Sophia de Mello Breyner e Francisco Sousa Tavares não lhes deram tanta atenção. O autor assumiu, em entrevista ao Diário de Notícias, em 2019, que nunca foi “menino da mamã nem do papá”, mas a relação com a mãe era, apesar disso, mais fácil. “Gosto muito dos meus filhos, mas um de cada vez”, dizia-lhe Sophia. Miguel percebia isso – os melhores momentos com a mãe foram os que tiveram sozinhos. Como os últimos tempos de vida da poetisa (esteve internada duas semanas antes de morrer), em que já não conseguiam ter uma conversa porque Sophia estava ausente. “Então, de repente, veio-me uma inspiração, e comecei a dizer o princípio de poemas dela e ela

acabava-os. Era impressionante. Eu disse o princípio de uns cinco poemas e ela terminava-os, com um sorriso. É a última memória bonita que tenho dela tal como era. A última coisa que desapareceu na minha mãe foi a poesia”, contou ao DN.

Os Sousa Tavares nunca foram de todo convencionais. Ao ponto de a mãe – uma “eterna distraída”, caracteriza Miguel, no livro autobiográfico Cebola Crua com Sal e Broa –, uma vez se ter esquecido do filho no elétrico e, noutra, ter declamado poesia em voz alta também durante uma viagem de transportes públicos. Em casa não havia horários, nem rotinas. Sophia era capaz de recitar poesia ou dançar pela noite fora; nunca se sabia quando é que Francisco vinha jantar.

XIXA, TARECO E UMA CASA ATÍPICA

Sophia de Mello Breyner e Francisco Sousa Tavares casaram-se a 27 de novembro de 1946, na Igreja de Lordelo do Ouro, no Porto, perante 160 convidados. A união com aquele homem desajeitado, de voz grave e assumidamente monárquico, não foi compreendida pela família dela. Como disse Eugénio de Andrade à revista Relâmpago: “Todos os seus amigos estavam, de um ou outro modo, enamorados

EM CASA NÃO HAVIA HORÁRIOS NEM ROTINAS. SOPHIA ERA CAPAZ DE RECITAR POESIA OU DANÇAR PELA NOITE FORA

dela.” A poetisa tinha ascendência aristocrata: o seu avô, Tomás de Mello Breyner, era o médico da Casa Real e o nascimento da “neta Andresen” foi assinalado pela Rainha Dona Amélia, com uma nota publicada no jornal A Monarquia. “O meu pai era olhado como um ser perturbante e perturbador, um trouble maker, pela família dela e ela teve muita coragem porque foi contra a sua zona de conforto”, recordou Miguel, na mesma entrevista ao DN.

Tratavam-se por Tareco, alcunha que Francisco recebera no colégio e que detestava, e Xixa – como Sophia era conhecida entre a família, “aquela que ia sozinha para a praia dizer poesia enquanto comia uvas e ananases”, lê-se no livro Sophia, de Isabel Nery. Foi na Granja, a estância de verão das famílias abastadas do Porto, que Xixa e Tareco se conheceram e terão ficado célebres as danças dos dois na Assembleia da Granja, um salão para espetáculos e jantares. Sobre a primeira vez que se viram, Francisco escreveu: “Não ficara certo de ter visto uma mulher ou uma Deusa”, consta das suas memórias publicadas no DN em maio de 1993.

Dois anos antes de casarem, em 1944, Sophia editou o seu primeiro livro, Poesia, no qual Francisco já teve influência. Então, a poetisa ainda assinava sem o “ph” que recuperaria mais tarde. O seu pai, João Henrique Andresen, pagou uma edição de autor de 330 exemplares. Ela guardou 100 para distribuir e os restantes venderam-se logo.

Cozinheira ou condecoração

Sophia frequentou o curso de Filologia Clássica, na Faculdade de Letras de Lisboa, mas desistiu sem completar uma única cadeira. Considerava-se uma rebelde que preferia ser autodidata. Francisco terminou o curso de Direito, um ano antes do casamento, em 1945. Em oito anos, tiveram cinco filhos: Maria, Isabel, Miguel, Sofia e Francisco Xavier. Embora a maternidade a tenha afastado um pouco da escrita, a década de 50 foi de grande produção literária – Sophia não encontrava nas livrarias nada de bom para ler à descendência. Contos como A Menina do Mar ou A Fada Oriana foram escritos quando os filhos tiveram sarampo. “O médico tinha dito que eles deviam ficar na cama, bem cobertos, bem agasalhados. Para isso era preciso entretê-los o dia inteiro”, escreveu a própria, lê-se no livro Sophia.

Os livros seriam também uma fonte de rendimento importante, já que havia pouco dinheiro em casa. Francisco Sousa Tavares era um contestatário e reconhecido antifascista. Esteve preso três vezes: a primeira, por ter cuspido em público num retrato de Salazar; a segunda, por causa de um manifesto contra o regime que redigiu e foi assinado por toda a oposição; a terceira, na sequência do caso Ballet Rose – um escândalo revelado em 1967, que implicava homens da alta sociedade em orgias com menores e prostitutas. Mário Soares, Francisco Sousa Tavares e Urbano Tavares Rodrigues foram acusados de passar a informação a jornalistas estrangeiros.

Mário Soares e Maria Barroso eram amigos de sempre do casal. Além de visita de casa também partilhavam a luta política. Soares era um grande admirador de Sophia e quando quis condecorá-la com a Ordem da Liberdade, a poetisa respondeu-lhe: “Olhe, Mário, não quero essa condecoração para nada, o que eu precisa

va era de uma boa cozinheira”, recorda Miguel Sousa Tavares, que atendeu o telefonema do então Presidente da República. João Soares lembra as muitas ocasiões em que foi a casa dos Sousa Tavares e conta à SÁBADO que, um dia, interrompeu a campanha eleitoral para as autárquicas de 2001, por causa de um pedido da poetisa: “A Sophia ligou-me a pedir ajuda para cortar as ramadas de uma árvore do jardim.” Na tarde de 25 de Abril de 74, recorda-se de ver o pai e o filho, Francisco e Miguel, no Largo do Carmo – nas primeiras horas da revolução, a discursar. “O Francisco até falou com o megafone do Salgueiro Maia, em cima da guarita da GNR – essa imagem é icónica. Era um tipo fascinante, cultíssimo, corajoso e muito truculento no que dizia e escrevia, e o Miguel herdou alguma dessa personalidade do pai.”

“Havia uma coisa no meu pai que atraía muito a minha mãe, e a mim também: a coragem. Ele foi a pessoa mais corajosa que conheci até hoje em todos os aspetos, ao ponto de às vezes me perguntar se aquilo era coragem ou destemor. Para ser corajoso é preciso ter noção do perigo e ele, por vezes, parecia não ter. Ela escreveu sobre ele: ‘Os outros vão à sombra dos abrigos e tu caminhas de mão dada com os perigos’”, disse Miguel Sousa Tavares, ao DN. A coragem era uma característica que lhe era reconhecida por todos, manifestada também quando, em 1985, se demitiu de ministro da Qualidade de Vida do governo do Bloco Central, na sequência de uma entrevista à RTP, a propósito do seu alegado envolvimento no “Caso Dopa”. Francisco Sousa Tavares foi acusado pelo Ministério Público por tráfico de divisas através da empresa Dragagens e Obras Públicas. A suspeita de exportação de capitais tinha surgido por ser advogado de um ex-Rei da Roménia, que lhe pagou em cheque.

“HAVIA UMA COISA NO MEU PAI QUE ATRAÍA A MINHA MÃE E A MIM TAMBÉM: A CORAGEM”, DIZ MIGUEL

Foi Manuela Moura Guedes quem o convidou. “Ele foi ao Telejornal, disse tudo e demitiu-se. Tinha uma imensa admiração por ele e até fiquei com um pouco de remorsos por o ter feito”, recorda a antiga pivô. “Não me lembro de mais nenhum político, nas circunstâncias dele, que eu tenha convidado e tenha sequer aceitado”, diz.

Sessões com pintores ao desafio

A família morava no 1º andar, do nº 57 da Travessa das Mónicas, perto do jardim da Graça, em Lisboa. Por lá passavam as mais variadas personalidades: Jorge de Sena, Luís de Sttau Monteiro e José Saramago. Havia nas paredes uma coleção de pintura única, com quadros de Vieira da Silva, Almada Negreiros e Arpad Szenes. Nos serões, Sophia recitava poemas e Francisco discursava sobre política. A poetisa gostava de escrever e ler numa mesa diante da janela e ali permanecia horas, sempre de cigarro entre os dedos. “Quando os amigos poetas iam lá a casa, o Ruy Belo por exemplo, recitavam poesia. Tinha graça aquilo, parecia que se juntara um circo. Cada um mostrava a sua arte e havia sessões com pintores ao desafio. Houve um, o João Vasconcelos, que como já não tinha mais papel pintou a tampa de madeira do quadro da eletricidade”, contou Miguel, ao DN.

A INFÂNCIA LONGE DOS PAIS E O DRAMA DE XAVIER

Em 1958, a seguir à derrota eleitoral de Humberto Delgado, Francisco foi expulso da Função Pública por ser apoiante do general. Como havia pouco dinheiro, as filhas mais velhas, Maria e Isabel, foram viver com a avó materna e Miguel com os tios, em Amarante. Sophia ficou apenas com os dois mais novos, Sofia e Xavier. O dia em que Miguel soube que teria de sair de casa foi, de alguma forma, traumatizante. Coincidiu com o seu 6º aniversário – nasceu a 25 de junho de 1951. Depois de uma pequena celebração em casa – com a mãe, as irmãs e a “Luísa Gorda”, a empregada que trabalhou para eles 40 anos –, e de se cantar os parabéns com um bolo de laranja, a mãe disse-lhe que teria de ir para a quinta do tio. Era a primeira vez que deixava os pais. “Desatei a chorar, como muitas vezes depois choraria outras separações”, conta no livro Cebola Crua com Sal e Broa. Foi durante o tempo na Quinta do Carvalho do Tio Manuel que ganharia a alcunha de Miguel Carapau. Nunca tinha visto uma piscina e acredita que foi ali que ganhou a paixão pela água. Uma característica herdada da mãe – Sophia adorava o mar.

No fim desse primeiro verão, entrou para a escola, na aldeia de Jazente. Era o único que fazia dois quilómetros a pé com meias e botas, “enquanto os outros iam de tamancos talhados pelos pais em alguma casca de árvore ou mesmo descalços”, recorda no livro. Depois de um ano e meio de liberdade na Quinta do Carvalho, a sua vida voltou a mudar. Foi enviado para o colégio São João de Brito, em Lisboa. “Detestei os padres desde o primeiro dia”, assumiu. Esteve lá oito anos e diz que talvez tenha sido dessa experiência que saiu um “ateu convicto”.

Os códigos e as visitas a Caxias

A par das dificuldades financeiras, a infância de Miguel e dos irmãos ficou marcada pelos constantes sobressaltos motivados pela atividade política do pai. “Acordar às 7h da manhã com dois pides a tocar à

OS PAIS CORRESPONDIAM-SE EM CÓDIGO, QUE A PIDE NUNCA CONSEGUIA DECIFRAR. SÓ MIGUEL SABIA A CHAVE

campainha para vir prender o meu pai, quando estávamos a sair para a escola (…), aprender com a minha mãe o segredo das gavetas falsas dos armários onde se guardavam os ‘papéis políticos’ ou a chave secreta das cartas com que ela se correspondia com o meu pai na prisão”, descreveu Miguel Sousa Tavares.

As visitas à prisão de Caxias, sempre às segundas-feiras, separados do pai por um vidro e acompanhados de um pide, deixaram marcas. “Não havia intercomunicador e era preciso gritar para nos fazermos ouvir”, lembra. Os pais correspondiam-se em código, que a PIDE nunca conseguiu decifrar. Só o Miguel sabia a chave. “Quando ela [a mãe] dizia, por exemplo, ‘o tio José manda dizer que…’, eu estava por dentro do código secreto, já sabia que era uma mensagem do Mário Soares”, lembra em Cebola Crua com Sal e Broa.

Miguel Sousa Tavares seguiu a mesma carreira do pai: advocacia e jornalismo. Francisco Sousa Tavares dirigiu o jornal A Capital entre 1976 e 1984, função que acumulava com o cargo de deputado. “Os editoriais que escrevia à mão, sem rasuras, fizeram história no periódico”, lê-se em Sophia, de Isabel Nery. Maria, a filha mais velha, foi professora de Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e também escreve poesia como a mãe; Isabel também foi professora, e durante alguns anos missionária em África; e Sofia é terapeuta de reabilitação.

O mais novo, Francisco Xavier, acabou por ter um percurso diferente. Num jogo de futebol com Miguel e outros amigos – entre eles, Francisco Ribeiro Telles, que viria a casar-se com a sua irmã Sofia – sofreu um traumatismo craniano, que o deixou entre a vida e a morte. Tinha apenas 15 anos. Recuperou, mas ficou paralisado do lado esquerdo. A vida da família nunca mais foi a mesma. Este terá sido o maior drama da existência de Sophia, que ficou destroçada e escreveu ao amigo Jorge de Sena: “A doença do meu Xavier rói-me até ao fundo. O amor por um filho doente é um amor louco.” Ao contrário dos irmãos, que andaram em colégios católicos,

Xavier estudou na Voz do Operário. Sempre teve jeito para as artes – fazia pinturas e painéis de azulejos. A mãe aspirava para ele um futuro como artista plástico (que se tornou). É um exímio jogador de xadrez e foi com ele que Sophia viveu até à morte. Miguel sempre se sentiu de certa forma “culpado” pelo acidente dele, garantem várias fontes. “Ele falava do irmão como uma pessoa que tinha de proteger e que lhe causava preocupação”, conta uma amiga.

O problema do filho terá contribuído para o desgaste do casamento de Sophia e Francisco, que se separaram em 1986 – também por causa das infidelidades dele e da sua atração pelo jogo (o brídge). O advogado voltaria a casar-se com Amélia Brugnini, uma uruguaia filha de um diplomata, 19 anos mais nova, e que era secretária no seu escritório de advogados. Nenhum dos filhos foi ao casamento. “Acho que o meu pai fez muita falta na família. (…) Quando saiu de casa, apercebi-me de que havia um lado que se perdia”, disse Sofia Sousa Tavares, ao DN, por altura do centenário da mãe.

A LIGAÇÃO À FAMÍLIA ESPÍRITO SANTO

Miguel é o mais mediático e também o mais polémico dos cinco irmãos. “É profundamente inconveniente. Uma vez foi entrevistar o embaixador dos EUA em Lisboa e fez questão de fumar dentro da embaixada, numa altura em que já se começavam a extinguir esses hábitos”, conta uma fonte. É um assumido defensor das touradas e da caça, mas nem sempre foi assim. “Ele tinha uma grande aversão às armas”, garante José Manuel Barata-Feyo. A

O PROBLEMA DO FILHO [XAVIER] TERÁ CONTRIBUÍDO PARA O DESGASTE DO CASAMENTO DE SOPHIA E FRANCISCO

mudança iniciou-se ainda nos anos 1980, numas férias em Lagos, em que comprou – a meias com os colegas da revista Grande Reportagem –, uma pressão de ar num supermercado. “Era só para fazer tiro ao alvo. Demorou uns 15 ou 20 anos até decidir passar para o estado superior da luta”, ironiza o amigo e antigo jornalista. Agora, tornou-se “mais viciado” e até faz proezas. Como o dia em que, só com uma bala, matou dois javalis. “Só acreditei porque foi certificado por duas pessoas”, brinca Barata-Feyo. Reunir pessoas à mesa e cozinhar para os amigos é outra das coisas de que mais gosta e talvez por isso na sua casa em Pavia, Mora, no Alentejo – onde passa grande parte do tempo –, existam cinco enormes mesas de jantar. Todas mandadas fazer por ele. Foi também em Pavia que casou a sua filha Rita com o filho mais velho de Ricardo Salgado.

Miguel e os quatro casamentos

Há vários anos que Barata-Feyo insistia com Miguel para deixar o jornalismo. “A televisão é uma coisa extremamente cruel”, diz à SÁBADO. Sousa Tavares deixou a carreira em setembro de 2021, altura em que lançou o livro Último Olhar. Já está a escrever outro e a terminar uma casa no sotavento algarvio, o lado oposto a Lagos. Apesar da ligação emocional àquela cidade – a família fez lá férias desde a década de 60 –, o ex-jornalista sempre detestou o vento que ali se faz sentir.

Miguel Sousa Tavares casou-se quatro vezes. A primeira, em abril de 1973, com Maria Ana Espírito Santo Bustorff Silva, prima direita de Ricardo Salgado. Foi um casamento discreto, apesar de a noiva pertencer a uma das famílias mais poderosas na época. Miguel trabalhava como advogado, Maria Ana não tinha ocupação. Tiveram dois filhos, Pedro e Rita, e divorciaram-se cerca de seis anos depois. Maria Ana morreu em 2001, vítima de cancro. No fim dos anos 80, depois de se ter envolvido com Manuela Moura Guedes, começou a namorar com a jornalista Laurinda Alves, com quem se casaria e teria o terceiro filho, Martim. Já na década de 2000, casou-se com Cristina

Avides Moreira, relações-públicas, que pertence a uma das famílias mais abastadas do Porto. Divorciaram-se em 2009. Teresa Caeiro foi a quarta e última mulher de Sousa Tavares. A 25 de junho de 2011, dia em que fez 60 anos, Miguel casou-se com a então deputada do CDS-PP, no seu monte em Pavia, numa cerimónia íntima. Cerca de seis anos depois, o casamento chegou ao fim.

O MAESTRO, A “RITINHA” E O JORNALISTA

Pedro é o mais velho dos três filhos de Miguel e o mais reservado. Sentiu muito a morte da mãe, porque

PEDRO TEM EM COMUM COM O PAI O GOSTO PELA CAÇA SUBMARINA, QUE MIGUEL JÁ NÃO PRATICA

ainda vivia com ela. “Tem uma admiração enorme pelo pai e sempre quis muito agradar-lhe”, revela uma fonte. Nasceu em Lisboa, a 17 de abril de 1975. É casado com a jornalista Sofia Barciela Borges e têm dois filhos: Miguel, de 14 anos, e João, de 9.

Começou a trabalhar como jornalista em 1998 e passou por várias redações, mas também escreve como a avó e o pai. Em 2012, terminou o livro Os Ciganos – que teve início no fragmento de um conto que Sophia de Mello Breyner começou com 40 e poucos anos e que foi encontrado no seu espólio, na primavera de 2009. O conto estava inacabado e o neto quis logo terminar a história.

Em 2019 trocou o Diário de Notícias pelo Parlamento Europeu, onde é assistente da eurodeputada do PSD Graça Carvalho. “Ele tem duas características que sempre apreciei: não se fica pela análise superficial das questões e escreve muito bem”, diz à SÁBADO a social-democrata.

Um gosto em comum com o pai é a caça submarina – que Miguel já não pratica. Também costuma cozinhar o que apanha. A atividade tem atravessado gerações e os filhos de Pedro já o acompanham – por enquanto, só com o respirador e os

óculos. A partir dos 16 anos é que se pode tirar a licença de arma. Já o futebol é motivo de divergência: Miguel é um assumido portista; Pedro, um benfiquista ferrenho. São famosas as disputas entre pai e filho quando há um jogo entre os clubes. “Sempre que há um golo, quase fazem de propósito para o festejarem de forma exuberante, só para se picarem”, diz a mesma fonte. Ao contrário do pai, Pedro é uma pessoa discreta e “pouco afirmativa”.

Rita é a única filha e Miguel sempre foi muito protetor com ela, garantem os amigos. Quando era pequena, deu-lhe algumas preocupações. “A

Ritinha não comia nada, era muito pequenina”, conta Barata-Feyo. “Um dia, o Miguel apanhou um linguado, mostrou-lho na praia e ela comeu-o. A partir daí passou a ir comprar à praça, punha dentro do fato de mergulho para fingir que o tinha pescado, só para a Ritinha o comer”, recorda.

Rita nasceu a 19 de maio de 1978. Em 2000, terminou o curso de Relações Internacionais, na Universidade Lusíada, e entre 2001 e 2006 trabalhou como jornalista na TVI, estação onde Miguel era comentador. Em 2002 casou-se com Ricardo Bastos Salgado, filho mais velho do antigo banqueiro Ricardo Salgado, com um vestido de Manuel Alves – um dos melhores amigos do casal, que viria a fazer os fatos dos batizados dos três filhos: Ricardo Maria, de 18 anos, Maria Ana, 15, e Sofia, 12. “Somos amigos há muitos anos e sempre que a Rita cá está juntamo-nos. Ela é generosa, culta, correta e sem filtros como o pai”, diz o estilista à SÁBADO.

Em 2016, com o escândalo do BES, o filho de Salgado saiu de Portugal e foi viver para Toronto, no Canadá, levando consigo a família. Estava no banco desde 1998 – e continuou até cinco meses depois da resolução que pôs fim ao BES. Na época, o filho mais velho de Rita e Ricardo terá sofrido algumas provocações dos colegas no Liceu Francês. Hoje, o neto de Sousa Tavares estuda Finanças, em Londres. “É um miúdo inteligente, humilde e muito reservado. Quando estava no Canadá, antes de ir para Inglaterra, quis ir trabalhar para uma loja onde fazia tudo”, diz um amigo.

Rita vem a Portugal sempre que pode. Esteve no Algarve com a família no verão passado e agora passará cá o seu aniversário, que coincide com a inauguração da feira de arte contemporânea ARCOlisboa – onde é responsável pelas relações institucionais. Desde 2016 que é assim, o que permite a Miguel fazer duas das coisas de que mais gosta: estar com a filha no seu aniversário e percorrer os corredores da feira para desfrutar das peças de arte. E ainda poderá contar com a companhia do neto mais velho, Ricardo Maria, que vem a Lisboa para passar o dia com a mãe. “Dos três filhos do Miguel, a Rita é a agregadora. É lutadora, uma força da Natureza. Quando se juntam todos nas férias, na casa do Algarve, é ela que assegura as compras e as refeições”, revela uma fonte.

A nova estrela da família

Martim é o filho mais novo de Sousa Tavares. Talvez por isso, e por ser o único a viver em Portugal, Miguel tem uma relação especial com ele.

Desde o nascimento. “Fui eu que estive no bloco de partos com a Laurinda quando ele nasceu”, conta a jornalista Fernanda Bizarro – que foi também madrinha do casamento de Laurinda Alves e Miguel Sousa Tavares. “O Miguel estava tão nervoso que quis esperar lá fora”, recorda.

É o artista da família: tinha jeito para muita coisa e dispersou-se pela escrita, pelo desenho e pela fotografia. Ainda frequentou o curso de Ciências da Comunicação – “ao fim de uma semana estava a subir pelas paredes e mudei para Ciências Musicais” –, disse recentemente à SÁBADO. “É muito dotado e inteligente e o que recebe mais ‘flores’ do pai. O Miguel é fascinado pelo Martim, talvez por ter sido sempre o menos preocupado em agradar-lhe”, revela uma fonte próxima. Sempre que pode, o pai não falha os espetáculos do filho. Ainda antes da pandemia, Martim deu um concerto no Centro Cultural de Cascais. Miguel chegou atrasado e sentou-se numa coxia. Uma figura pública que estava sentada ao seu lado, conta à SÁBADO que no final, lhe deu os parabéns pelo talento de Martim, ao que ele respondeu: “Este filho deve ter sido a melhor coisa que eu fiz na vida.”

Aos 7 anos, depois de os pais se terem separado, Martim pediu um cão à mãe. “Um cão? Dá-lhe um piano”, foi o conselho dos amigos de Laurinda Alves. A jornalista comprou-lhe o instrumento, embora o cão entretanjeto

“ESTE FILHO DEVE TER SIDO A MELHOR COISA QUE FIZ NA VIDA”, DISSE MIGUEL SOBRE O SEU MAIS NOVO, MARTIM

to também tenha chegado lá a casa. “Descobri que era uma paixão muito mais forte do que as outras”, contou o próprio numa entrevista, em 2019. Quis fugir ao apelido e foi estudar direção de orquestra no estrangeiro. “O meu pai é uma figura que cria muitos anticorpos. Não gosto quando me apresentam como filho do Miguel Sousa Tavares”, disse ao DN. Esteve em Itália, terminou os estudos nos EUA, com nota máxima, e voltou para Portugal em 2019 para formar a Orquestra sem Fronteiras – um proque se destina a fixar o talento jovem no Interior de Portugal e na raia espanhola, em colaboração com escolas de música. “Quando disse ao meu professor que queria voltar para Portugal, para ele foi como se eu fosse um investigador na Fundação Champalimaud e quisesse voltar para a farmácia da aldeia”, disse à Caras.

O projeto esteve parado uns tempos por causa da pandemia. Retomaram em abril de 2021 e já fizeram dezenas de concertos por vilas e aldeias de Portugal. “Em cada um fico sempre com a impressão de que há pelo menos ali uma pessoa que nunca viu uma orquestra, vê-se aquele brilho no olhar”, conta o produtor Gonçalo Tavares. Tanto podem tocar em grandes salas como em paróquias, salões e Casas do Povo.

Nestes concertos em pequenas localidades, Martim faz comentários entre as músicas para contextualizar o que se está a ouvir, conta o produtor. Também se costuma apresentar de forma informal, ao contrário da tradicional imagem de maestro – às vezes de ténis e calças de ganga. No início do ano, quando surgiu o convite para jurado do Ídolos, na SIC, pediu 24 horas para pensar e consultou o amigo Hugo van der Ding e o pai. “Foram unânimes. Se te vais divertir não deves pensar duas vezes”, contou à SÁBADO.

Martim também teve uma incursão no mundo literário. Em 2010, pai e filho lançaram Ukuhando, que significa “viagem” em zulu – um livro de uma viagem por África contada em texto, por Miguel, e em fotografias, por Martim. Miguel também lançou Ismael e Chopin, inspirado nas interpretações de Martim ao piano. O maestro – que fala inglês, italiano, espanhol, francês, russo e alemão – partilha com o pai o gosto pela caça, “embora agora já não tenha tempo de nos acompanhar”, conta o amigo Barata-Feyo. A casa de Miguel, em Pavia, serve muitas vezes de base, quando caçam no Alentejo. O jornalista recorda-se dos fins de tarde depois das caçadas, sentado com o amigo à lareira, enquanto ouviam Martim a tocar piano no escritório. ●

Sumário

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