Cofina

JOSÉ PACHECO PEREIRA

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

Há “pensamento único”?

Não. Há pensamento que se quer único, o que não é a mesma coisa.

Há pensamento proto-único?

Há. Como a maioria esmagadora das pessoas está indignada com a invasão da Ucrânia e as violências dos russos, cria-se um terreno favorável para que se dê um efeito de rebanho na opinião pública e que jornalistas, comentadores, redes sociais, etc., se comportem como um bloco que não admite discussão ou que penaliza as opiniões contrárias. Partilhar a indignação é normal, mas usá-la para outros fins e outros ajustes de contas não é aceitável. Claro que ajudam a falta de verdadeiro debate público, a facilidade da arregimentação, a ignorância e, em muitos casos, a manipulação.

E do lado do contrapensamento único?

Do outro lado há uma situação espelhar igualmente de rebanho, só que com meia dúzia de ovelhas que têm uma enorme desvantagem, é que de um lado é o sentimento de indignação que ajuda, do outro uma série de argumentos que todos percebem serem de mera justificação do que está a acontecer, ou seja, são na sua essência hipócritas. E toda a gente percebe isso, daí uma perda de reputação pública considerável que eles atraem sobre si próprios.

Há uma questão fundamental neste conflito?

Há. A invasão da Rússia contra a Ucrânia é uma guerra de agressão, com objectivos de aumentar o território, sem nenhuma provocação nem perigo urgente e imediato. Tudo o resto pode implicar muitos “mas”, só que esta realidade não tem nenhuma adversativa.

Há razões para a Rússia se sentir incomodada com a crescente proximidade da NATO às suas fronteiras?

Há. Mas em nenhum caso justificam a guerra de agressão à Ucrânia. E o que resultou dessa invasão foi o exacto contrário. A conclusão que se pode legitimamente tirar é que a invasão da Ucrânia tem outras razões e outros objectivos

É por factos?

Não é. Todos os factos, mesmo aceitando-se os pseudofactos como verdadeiros, não chegam para justificar a invasão, a guerra, a enorme

violência e crueldade. Nada, insisto, mesmo que todas as “razões” invocadas fossem verdadeiras, justificava a flagrante desproporcionalidade da resposta e o seu efeito contraproducente.

Efeito contraproducente?

Sim, não só esta guerra é inganhável, nem que morresse o último soldado ucraniano, como os seus efeitos estão a ser exactamente contrários às pretensões de Putin. A Federação Russa ficará muito mais insegura, com a NATO à porta, com os povos e as nações da Europa favoráveis a um maior armamento e com uma forte legitimação para não haver qualquer hesitação em defender os Países Bálticos, a Polónia, a Roménia e uma nova atitude face à Moldávia, à Geórgia, e… à Ucrânia.

Deve a Ucrânia defender-se da agressão, militarmente, diplomaticamente, por todos os meios?

Deve. Porque o agressor não pára nas suas fronteiras e, por isso, a nossa primeira linha de defesa é em solo ucraniano, seja qual for a avaliação que se faça do governo ucraniano. Como disse Churchill quando a URSS entrou em guerra, até com o Diabo se aliaria se isso ajudasse a derrotar Hitler.

Putin e os seus amigos são corruptos até à medula e estão a apropriar-se das riquezas do povo russo?

Sem dúvida.

Zelensky e o seu governo e a elite ucraniana é corrupta?

Sem dúvida. O modelo, a forma e o modus operandi dos oligarcas na Rússia e na Ucrânia é semelhante. Assentam o seu poder numa autocracia, na Rússia, e num regime autoritário, pouco democrático, na Ucrânia. Mas é o que é, e a invasão russa ajudou a legitimá-lo como “patriota”, e criou uma Ucrânia de um país que antes eram, na verdade, dois. Uniu mais do que dividiu, isolou os separatistas ucranianos tornando-os meros colaboracionistas dos russos.

E agora, a “paz”. Aos nossos “pacifistas”, quem falou de uma guerra nuclear?

Putin, Lavrov, os russos, todos “lembraram” que a Federação Russa é uma potência nuclear, ou seja, admitiram sem ambiguidades que, se aquilo a que chamam “realidade existencial” russa fosse posta em causa podiam recorrer ao armamento nuclear. E não só: testaram novas armas com capacidade nuclear, em pleno conflito. Basta isto não ser central no pacifismo versão das “aspas” para justificar as aspas. Se fosse genuíno, subiriam pelas paredes da Embaixada Russa de fúria para protestar, mas, até agora, nada.

Aos nossos “pacifistas”, é por ideologia?

Não, é conforto tribal. Estou aqui com os “meus” façam eles o que fizerem, mesmo que os “meus” sejam muito pouco recomendáveis. ●

Sumário

pt-pt

2022-05-12T07:00:00.0000000Z

2022-05-12T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282063395560754

Cofina