Cofina

Depois dos debates

Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

PS António Costa terminou os debates televisivos com uma folha de mentiras assinalável. Das falências do sr. David Neeleman até aos médicos alemães que lá tiveram de ir auxiliar o Hospital da Luz, confesso que tive de me afastar do ecrã alguns metros para que o nariz do candidato não me furasse os olhos. Em tempos pré-Google, admito que estes números fizessem parte do circo. Mas com a Internet a funcionar como o supremo tira-teimas, o que explica a relação liberal do primeiro-ministro com a verdade? Só vejo uma explicação: o eleitorado do PS não percebe o engodo. Segundo um estudo recente, os tradicionais votantes do Rato têm mais de 65 anos – e apresentam níveis de escolaridade mais baixos. No fundo, António Costa sabe que fala para um auditório cuja memória já não é o que era – e, em certos casos, nunca foi grande coisa.

PSD Rui Rio tem uma teoria muito dele: quando não há eleições, a oposição deve ser feita em surdina; quando há eleições, é preciso subir o tom. Além disso, se a palavra “direita” era um anátema recorrente, deixou de ser nas conversas amigáveis com o CDS, a Iniciativa Liberal – e até com o Chega. O que não admira: o programa do PSD podia ser o programa da CDU (alemã). Moral da história? Talvez o problema central de Rio seja uma dramática ausência de timing: se a atitude dos debates tivesse sido cultivada ao longo dos anos, a única questão para a noite de 30 de Janeiro era saber se o PSD vencia com ou sem maioria absoluta.

BLOCO Catarina acusa António de violência doméstica. Catarina quer voltar a viver com António. Para um partido que se diz progressista, haverá coisa mais reaccionária?

PCP Ausente dos debates ainda antes da cirurgia de Jerónimo, a estratégia do partido podia ser o título de um filme: “Eu Já Não Sei o que Fizeste nos Verões Passados”. De facto, ser confrontado com os erros da “geringonça” e com a crise política que a enterrou não convém ao PCP. Melhor esperar que os portugueses se esqueçam – e que os militantes fiéis possam salvar a honra do convento.

CDS/PP Os estudos não mentem: as mulheres tendem a votar mais à esquerda. Mas os meus estudos, depois de anos de observação empírica, também me permitem afiançar que as mulheres, e em especial as mulheres liberais, sempre tiveram uma predilecção por conservadores. Isto, e só isto, devia ter levado Francisco Rodrigues dos Santos a moderar as suas críticas à “prima moderninha”. Não saberá o Francisco que a função dele, como alegado conservador, é voltar a receber a prima de braços abertos?

PAN Perdeu a piada toda. Quando era gerido por um jacobino verde, o PAN excitava o maralhal ecologista com ameaças e fanatismos de vária ordem. Inês Sousa Real moderou o Terror e pelo menos fala como um ser cordato. Para piorar as coisas, António Costa está disposto a adoptar o partido e a domesticá-lo com trela. É o adeus à selva – e aos 3%.

CHEGA Fraca inteligência, a de Ventura. Então o Chega só viabiliza um governo de direita se conseguir colonizar alguns ministérios-chave? Não foi preciso dizer mais nada para que os descontentes com o PSD começassem a contar os dias para votarem em Rui Rio (ou, em menor número, na Iniciativa Liberal). Ventura reforçou o “voto útil” ao declarar-se inútil para qualquer conversa entre crescidos. Verdade que, depois de disparar sobre o pé, tentou salvar a face ao pé-coxinho: só exige ministérios com mais de 7%, ou talvez nem isso. Mas o estrago estava feito. Tirando os seus fãs, que andarão pelos 4%, só falta a Ventura chumbar um governo de direita no parlamento para regressar ao 1% com que começou.

INICIATIVA LIBERAL O economista brasileiro Roberto Campos costumava dizer que só existiam três saídas para o Brasil: o aeroporto do Galeão, o aeroporto de Guarulhos e o liberalismo. Em Portugal, e depois de João Cotrim de Figueiredo ter feito uma sucessão de debates irretocáveis, basta trocar o Galeão e Guarulhos pelos aeroportos Humberto Delgado e Francisco Sá Carneiro. A terceira saída permanece igual.

LIVRE Rui Tavares trouxe boas ideias – para quando a humanidade colonizar Marte. Já falta pouco. ●

Crónica

pt-pt

2022-01-20T08:00:00.0000000Z

2022-01-20T08:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283489324482834

Cofina