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Livros Tomás Nevinson: será este o melhor livro do espanhol Javier Marías?

Até onde se pode ir para impedir o mal de vencer? Com Tomás Nevinson, o escritor espanhol explora este dilema moral e apresenta aquele que pode bem ser o melhor romance dos que publicou até hoje.

Por Eduardo Pitta

Sob a aparência de um thriller, Tomás Nevinson põe em pauta o dilema moral de matar ou não matar, o “dever” de optar por uma dessas soluções

UM NOVO romance do escritor Javier Marías (n. 1951) é sempre um acontecimento. E este Tomás Nevinson, provavelmente o melhor de todos os que publicou até hoje, não constitui exceção. Aliás, traz consigo o aliciante de colocar no título o protagonista de Berta Isla, alegado alter ego do autor.

Filho de um filósofo exilado por causa de Franco, eterno candidato ao Nobel, admirado sem reservas pelos mais ilustres dos seus pares europeus e norte-americanos, romancista, contista, ensaísta, tradutor de Sterne, Conrad, Yeats, Auden, Nabokov, Ashbery e outros, antigo professor de literatura em Oxford, nada na sua obra (várias vezes premiada dentro e fora de Espanha) se confunde com a imagem de marca da literatura espanhola contemporânea. Digamos com clareza: Javier Marías é o mais importante escritor espanhol dos últimos 50 anos.

Sob a aparência de um thriller, Tomás Nevinson põe em pauta o dilema moral de matar ou não matar, o “dever” de optar por uma dessas soluções. Veja-se o episódio que une o escritor alemão Friedrich Reck-Malleczewen ao destino de Hitler: podia tê-lo matado em 1936, mudando o curso da História, mas não o fez, acabando morto em Dachau.

Com os massacres da ETA em pano de fundo, detalhando alguns dos mais brutais, o plot é narrado na primeira pessoa, exceto quando Nevinson veste a pele de Miguel Centurión Aguilera, o pacato professor de inglês pelo qual se faz passar em Ruán, a cidade fictícia onde tem por missão descobrir, entre três mulheres (Inés Marzán, Celia Bayo e María Viana), qual delas é de facto Magdalena Orúe O’Dea, “metade da Irlanda do Norte e metade da Rioja…”, o cérebro por trás do crime hediondo. Por se tratar de um exercício sobre o bem e o mal, a culpa, o medo e a memória, e não de mero panfleto sobre espiões e terrorismo político, Shakespeare é citado com propriedade. Mas, como sempre, a vasta erudição da prosa não perturba a fluidez do discurso.

Calibrando cada frase com a precisão de um joalheiro, ao mesmo tempo que mantém a tensão narrativa num jogo de harmónicas não isento de mordacidade e humor, Javier Marías não esquece as vítimas do separatismo basco, o ónus do horror. Tomás Nevinson, o romance, é apenas o invólucro elegante da interpelação que deixa à posteridade. ●

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2022-01-20T08:00:00.0000000Z

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