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A DANÇA É A NOSSA FUNDAÇÃO

De uma terra imaginada no meio do Mediterrâneo, os Club Makumba trazem um rock eletrizante, reivindicativo e movido pelo combustível do passo de dança. A sua estreia homónima é editada a 21/1.

Por Pedro Henrique Miranda

Ainda antes do fim dos Dead Combo, Tó Trips já vinha a dar os primeiros passos para a sua próxima banda: primeiro, sozinho, à guitarra, e mais tarde com o baterista João Doce (WrayGunn). Com Gonçalo Prazeres (saxofone) e Gonçalo Leonardo (contrabaixo) ficou completa a formação dos Club Makumba: batidas ribombantes, ritmos dançantes e uma mescla musical entre o Norte de África, os Balcãs e os Clash que, garantem, têm algo a dizer sobre o estado do mundo em que vivemos.

Como surgiu a banda?

Tó Trips (TT): Isto começou comigo sozinho, a tocar o Guitarra Makaka [álbum de 2015]. Convidei o João, tocámos pelo País fora, e a certa altura pensámos que seria fixe convidar outras pessoas e fazer uma banda. Pensei no Gonçalo Leonardo e no Gonçalo Prazeres, com quem já tinha tido o prazer de tocar nos Dead Combo.

João Doce (JD): Quando éramos só os dois sentíamos que era bom ter mais cor e roupagem. Às vezes as coisas não casam, mas nós rapidamente começámos a construir melodias e músicas, foi muito imediato. Soubemos logo que ia resultar e, mesmo nesta idade já avançada, vivemos uma espécie de conto de fadas. Atingimos condições de banda que às vezes demoram anos a alcançar, e agora, ao vivo, esperamos retomar isso.

Gonçalo Prazeres (GP): Criou-se uma empatia pessoal e musical entre todos logo nos primeiros ensaios. Tanto que, entretanto, já temos estado a fazer músicas novas.

Como chegaram ao entendimento?

JD: As barreiras têm a ver com quão confortáveis estamos. Vejo-me a fazer coisas e a sentir coisas em Club Makumba que nunca senti em banda nenhuma, e deixo-me ir nessa fluidez. Não há amarras de qualquer espécie, não sinto em momento algum que estejamos presos a outra coisa que nós mesmos.

TT: Também tem a ver com o facto de a música ser dançável, com muitos ritmos e

repetições. Ao vivo gostamos de dar azo a esse lado da liberdade que a dança dá: deixar o João ou o Léo levar o barco, haver esses momentos de transe, porque a música de dança tem isso. E acho que os Club Makumba deviam ter sempre isso, esse lado de dança e de celebração. Ajuda a que não seja uma coisa rígida.

Sabiam que queriam ser dançáveis?

Gonçalo Leonardo (GL): Não, mas havia a vontade de que a música tivesse groove e uma forte componente rítmica, que tivesse repetição, e temos um fortíssimo percussionista que alimenta isso.

JD: A forma como as pessoas sentem e respondem fisicamente ao que estão a ouvir é a nossa fundação, e é o que nos alimenta. As músicas são coisas mais ou menos inertes, e a vida é-lhes dada pelo conjunto de pessoas que se apropria delas. É como uma pulsão, aquilo mexe contigo de alguma forma. Isso é o sangue que corre nas veias de Club Makumba. Sem isso, seria como ouvir música de elevador.

Como descrevem as vossas influências neste disco?

GP: Dentro deste caldeirão acabam por caber vários estilos de música, e de várias origens. Há muita coisa do Norte de África, mas também do Médio Oriente, dos Balcãs, e também temos partes mais rockeiras. A zona do Mediterrâneo, que é muito eclética, acaba por ser o ponto de partida.

TT: Os Gonçalos acrescentaram o jazz, o que é excelente, porque traz uma vertente livre e bastante eclética.

GL: Não houve uma ideia preconcebida da cartografia da música, mas também não foi inocente. Havia ali uma convergência, que fomos refinando através destas misturas de influências díspares. Sentimos agora que conseguimos criar uma identidade, um caminho para seguir.

Dedicaram o vosso single, Migratória, aos migrantes. Porquê?

GP: Tenho alguma dificuldade em assumir que, porque somos de um país, não podemos ir para outro. Sei que envolve problemas de integração e choque de culturas, mas faz-me confusão ver pessoas que estão em situações de guerra e têm de largar tudo o que têm para ir para outro sítio, serem mal recebidas.

TT: Eu gostava que esta banda tivesse um lado à Clash. É uma coisa que já não vejo muito nas bandas, esse lado mais político. Queria que defendesse causas, que tivesse essa luta pelos direitos e pela justiça humana e social. Nunca gostei de ter bandas em que tocam todos muito bem e são todos muito giros: isso é uma coisa que aparece hoje e amanhã já cá não está.

JD: Além do mais, se as pessoas não se encontrassem com as suas diferenças, se o mundo fosse feito dessas fronteiras intransponíveis, os Club Makumba não existiriam. Somos essa mistura de culturas e impressões que trocamos com pessoas de mundos diferentes. Não percebo esta coisa de que, para o que não me dá jeito politicamente, as minhas fronteiras são de betão e, para o que me dá jeito, já são fronteiras abertas. Tem de haver um espaço comum onde todos nos possamos encontrar e ser melhores em conjunto. ●

As músicas são coisas mais ou menos inertes, e a vida é-lhes dada pelas pessoas que se apropriam delas. É como uma pulsão, mexe contigo de alguma forma. Isso é o sangue que corre nas veias de Club Makumba

Música

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2022-01-20T08:00:00.0000000Z

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