Com uma casa do tamanho de um Fiat Panda, eu não me iludo: na hora de receber, tenho de jogar o meu Tetris. Esta sexta-feira, quando abri a porta a um grupo de amigos, não sabia se fazia a dança das cadeiras ou um jantar volante com o conforto de um autocarro das 18h20 em dia de semana. Com muito boa vontade, até as crianças eles tinham levado para jogo.

Quem as visse a sair do elevador, de auréolas no alto das cabeças, dizia que elas não iam partir um prato (o que era ótima notícia porque os de sobremesa estavam à conta). Debaixo da ombreira da porta, três meninas do colégio, envergonhadas como a vida e a pandemia já as ensinaram a ser, enrolavam-se como bichos de conta nas pernas dos pais. Para resolver a timidez, um paradoxo: para que ficassem mais à vontade, todos lhes sugerimos que tirassem os casacos, único escudo contra o mundo. Enfim.

Das três, duas eram irmãs. E foram elas que carregaram no forward. Ainda eu não tinha tido tempo de lhes mostrar o caminho para o quarto e já elas, com os instintos de um Waze de quinta geração, faziam a rota.

Enquanto os adultos se acomodavam à volta da mesa, discutindo matérias de suma importância, elas faziam da cama um castelo e do chão um lago em chamas (mostrando como a literalidade é uma coisa que vem com a idade para nos tornar planos).

Com o jantar em velocidade de cruzeiro e apesar da algazarra dos adultos na sala, percebi um silêncio no quarto. Trajando só os meus preconceitos, achei que as três princesas estivessem a desenhar, a ler ou a conversar, calmas e bonitas, sem atração pelo risco (afinal, nem rapazes eram).

De repente, um pulo. Do nada, uma cabeça a espreitar. Às tantas, uma corrida. As princesas tinham posto capa e espada e descoberto que quando uma casa tem uma varanda fechada tem janelas que dão para lá. Ri-me para dentro da minha ingenuidade: para quê manterem a pose de princesas se podiam fazer uma corrida de obstáculos? Afinal, não sendo rapazes, vão precisar do treino. ●