Vitinha tinha 7 anos e jogava nas escolinhas do Desportivo das Aves há um mês quando surgiu a hipótese de ir disputar o Mundialito de futebol de 7 ao Algarve, num torneio (na semana da Páscoa de 2007) que contava com mais de 100 equipas de todo o mundo, entre as quais FC Porto, Benfica, Sporting, Real Madrid, Barcelona, Flamengo e Boca Juniors.

O convite foi feito por Adílio Pinheiro, que durante anos tinha sido responsável pelas camadas jovens do Aves, mas que entretanto criara o Pinheirinhos de Ringe, um projeto de integração social num bairro problemático.

Na viagem de autocarro para Vila Real de Santo António, conforme lembra à SÁBADO Adílio Pinheiro, aconteceu um percalço em Pombal que deixou em ânsias Vitinha (Vítor Ferreira de nome de batismo): “Partiu-se o cabo do acelerador e lembro-me de ele não nos largar, a mim e ao motorista, e mesmo depois quando se arranjou um mecânico, estava preocupado, com medo que não chegássemos a horas ao torneio.”

A comitiva chegou mesmo em cima da cerimónia de abertura e o que se seguiu foi um torneio de sucesso: o Pinheirinhos de Ringe só foi eliminado na meia-final, depois de excelentes resultados, como o 7-0 aos franceses do Saint-Étienne.

No regresso às Aves, encantado com a experiência, Vitinha quis continuar em Ringe, onde ficou até 2009. O scouting do Centro de Formação e Treino do Benfica de Braga seguia-o há alguns meses e convidou-o para jogar na Casa do Benfica de Póvoa de Lanhoso. Nuno Costa – o seu primeiro treinador naquela filial do Benfica – recorda: “Ele tinha a maturação física um pouco atrasada, era mais pequeno e franzino que muitos dos outros, mas isso não o inferiorizava em nada. Sobre o jogo em si, parecia que tinha nascido ensinado: inteligente, sabia temporizar, tinha velocidade antecipativa. O estilo do Iniesta.”

A questão física terá sido mesmo determinante para no fim da terceira época, com 11 anos e na transição de escalão para os sub-12, o Benfica ter hesitado em integrar Vitinha na etapa seguinte da sua formação. Nuno Costa soube-o e, como na época anterior tinha saído para o FC Porto, indicou a contratação do médio e também do guarda-redes Diogo Costa, que por ser portista já desejava a mudança.

Passos na barreira do Benfica

Curiosamente, em miúdo Vitinha era adepto do Benfica. Mas a partir de 2011, quando segue para o FC Porto (fez ali o resto da formação), inicia-se a transformação clubística que, diz quem o conhece bem, “não permite a ninguém dizer que ele é menos portista que o maior dos portistas”.

Com apenas 21 anos, Vitinha tornou-se esta época uma das figuras do FC Porto, que lidera o campeonato

NUNO COSTA, SEU TREINADOR NA CASA DO BENFICA, DIZ QUE O ESTILO DELE FAZIA LEMBRAR INIESTA

isolado. Leva já um total de 24 jogos (e dois golos) e foi eleito o Jogador do Mês em dezembro pela Liga portuguesa. Mas Vitinha só se mantém jogador dos dragões porque os ingleses do Wolverhampton (onde esteve por empréstimo na última época, tendo participado em 22 jogos) recusaram pagar 20 milhões para o comprar.

Miguel Lopes, atualmente nos sub-23 do Vitória de Guimarães, foi o treinador de Vitinha nos sub-14 do FC Porto e lembra à SÁBADO as suas qualidades técnicas – “é um médio com capacidade para conduzir a bola, que a esconde do adversário, que assume o jogo” – e também pessoais – “supereducado, focado nos objetivos, disciplinado nas regras, mas ao mesmo tempo amigo de todos e motivador do grupo”.

Rúben Moura, um dos melhores amigos de Vitinha, que jogou com ele durante 11 épocas (dos Pinheirinhos até aos juvenis do FC Porto), afirma que já em miúdo “se notava que Vitinha tinha uma qualidade fora do normal” e uma “personalidade forte”, que ilustra nesta história: “Quando jogávamos no Pinheirinhos, num torneio nas Aves, contra o Benfica, num livre, a barreira deles já estava formada, mas o Vitinha lá achou – e bem – que não estava à distância mínima. Então, foi lá contar os passos e mandou a barreira recuar para o que deveria ser o sítio exato dela. E os jogadores do Benfica foram mesmo para trás, com o árbitro sem dizer nada e as pessoas fora do campo todas a rir.”

Atualmente sem clube, Rúben sublinha ainda que o seu amigo também cumpria na escola, obtendo até algumas boas notas – “tirava 15 e 16”. E, continua, ao contrário do que possa parecer, Vitinha é bastante extrovertido e agia sempre com naturalidade. Por ser assim, contava aos colegas um gosto/hábito que mantinha mesmo em mais crescido e que lhe valia o gozo destes: comer Cerelac.

Quatro épocas depois de terem seguido caminhos diferentes, com a conquista da Youth League e o empréstimo ao Wolves pelo meio, Vitinha conseguiu a plena afirmação profissional e pessoal. O mês de setembro de 2021 foi até agora o mais marcante da sua vida: a partir do dia 19 (6ª jornada) passou a ser quase sempre titular pelo FC Porto na Liga portuguesa e no dia 1 foi pai – Mafalda é sócia (108.080) dos dragões desde as primeiras horas de vida. ●

JÁ EM MIÚDO TINHA “UMA QUALIDADE FORA DO NORMAL” E UMA “PERSONALIDADE FORTE”, DIZ O AMIGO RÚBEN MOURA