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Pedro Marta Santos

Jornalista Pedro Marta Santos Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico

A ÚLTIMA FRASE de Hípias Maior, um diálogo do século IV atribuído a Platão, é “tudo aquilo que é belo é difícil”. É uma sentença premonitória, confirmada pelo caos veloz do mundo moderno e pela percepção da complexidade do universo. Mas o que é mais belo é, também, o que é mais simples: a simetria. O bicho humano precisa de simetria como um toxicodependente em recuperação precisa de metadona. Envelhecer é confrontar com uma decência dolorosa a quebra de simetria, puxando-nos para baixo como nadadores num redemoinho, diferenciando ano a ano metade do nosso rosto da outra metade. Uma linha de queixo, um sobrolho. O desenho da boca. A desilusão.

Durante a pesquisa para o seu novo livro, à venda online a partir de 3 de Fevereiro, o editor de cinema Walter Murch (Apocalypse Now, O Padrinho Parte II) apercebeu-se de um detalhe que lhe escapara durante meio século de trabalho na montagem de planos e sons de dezenas de filmes. Na composição de grandes planos, realizadores como Coppola e directores de fotografia como Vittorio Storaro (O Conformista, O Último Imperador) tinham tendência, de forma inconsciente – Murch confirmou-o quando com eles discutiu o assunto –, a colocar os olhos dos actores ao longo de uma linha que corresponde à razão de ouro do enquadramento vertical do plano.

A razão de ouro é uma relação matemática definida há mais de 2000 anos por Euclides e que pode ser encontrada em todas as escalas da Natureza, da estrutura do ADN, de fósseis minúsculos ou de organismos unicelulares conhecidos como foraminíferos a conchas, girassóis ou à espiral de gigantescas galáxias. Essa linha bissectriz, cuja secção mais curta está tanto em harmonia com a secção mais longa como a secção mais longa está em sintonia com a totalidade da linha, também se encontra na arquitectura do rosto das mais belas estrelas de Hollywood, de Olivia de Havilland a Ingrid Bergman. O número de ouro foi o que melhor serviu a Idade Doirada de Hollywood porque a simetria é uma medida de perfeição para a escala humana, harmonizando o olhar – harmonia em grego significa encaixe, e nada encaixa melhor do que as duas metades da cara de Gary Cooper em 1930, ou do rosto de Faye Dunaway em 1967. Em O Número de Ouro, publicado em Portugal pela Gradiva, o astrofísico e amante de arte Mario Livio localiza a razão de oiro no estudo de Leonardo da Vinci para Leda e o Cisne, na Flagelação de Cristo de Piero della Francesca (inventor da profundidade de campo 510 anos antes de Coppola), no Harmonice Mundi do astrónomo Johannes Kepler ou no Modulor, a proporção-padrão do arquitecto Le Corbusier. O que leva à pergunta: seja Deus artista, matemático ou ex-agente de manequins para a Victoria’s Secret, serão os efeitos da gravidade no comum dos mortais a prova do seu sentido de humor? ●

Sumário

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2022-01-20T08:00:00.0000000Z

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