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Tendência Os desafios mensais mais irreverentes e populares

Aum mês da passagem de ano para 2022, já Manuel Moller antecipara a resolução: deixar crescer o bigode (nem que fosse por uns dias). Quando saía à noite em Santos, Lisboa – como tantos da sua idade, 17 anos –, acionava o desbloqueador de conversa sobre o visual meio hipster e perguntava às amigas: “Que achas?” Não que elas achassem grande coisa, em rigor não gostavam, riam-se. O próprio define-o agora como “projeto”, que mais parecia uma sobrancelha, mas que aspirava a clássico de galã das novelas (exemplifica com Ricardo Pereira, quando fez de capitão Tolentino em Liberdade, Liberdade, 2016). E lá ganhou uns pontos pelo desafio da barba, dando nas vistas no Liceu Rainha Dona Amélia, em Lisboa. Aderiu ao jogo em novembro passado, incentivado por um amigo e colega de turma. “Se algum de nós perdesse, ou seja, cortasse a barba antes do fim do mês, tinha de pagar um almoço até €7 ao outro. Ganhámos ambos”, conta Manuel à SÁBADO.

Lá em casa, não aplaudiram o estilo: “A minha mãe quis pagar-me

MANUEL E O AMIGO ALEXANDRE DECIDIRAM DEIXAR CRESCER O BIGODE EM NOVEMBRO PASSADO

o barbeiro para eu tirar aquilo, e as minhas irmãs mais novas detestaram.” Contudo, a mãe de Manuel, Ana Moller, de 44 anos, relativiza a questão estética, desde que o desafio seja inofensivo – como parece ser o caso. “Preocupo-me imenso com a Internet e acompanho os meus filhos, mas confio no Manuel. Acredito que ele não se envolve em desafios perigosos e arriscados.”

Mãe e filho desconheciam a origem deste jogo (https://no-shave.org/), lançado pela organização internacional que desafia os participantes (no-shavers, ou seja, não barbeados) a doarem o investimento mensal no barbeiro para associações que combatem o cancro. O amigo de Manuel, também não

sabia. Alexandre Sousa Pinto, 18 anos, revela que a iniciativa nasceu de um meme (aquelas imagens satíricas que se tornam virais na Net). No caso, um galã ao lado de um jovem de bigode com a legenda: “O que as raparigas esperam sobre o não barbear de novembro e a realidade.” Viu-o no Instagram e decidiu experimentar – além do bigode, e inspirado nos toureiros, deixou crescer as patilhas. A 30 de novembro, fim da história. Cortaram o bigode, cabelo e patilhas.

Jovens vulneráveis e álcool

Desafios sempre houve, só muda a forma de disseminação: agora mais rápida e global, pelas redes sociais, com afinco no Instagram e no TikTok. Cristiane Miranda, coach de adolescentes, recorda à

SÁBADO que, quando era miúdo o pai (agora com 87 anos) saltava da ponte de Barcelos. Era o desafio da altura, próprio de quem não tinha desenvolvido sentido de julgamento. Isto porque, acrescenta, “o córtex pré-frontal é uma das zonas do cérebro que só amadurece por volta dos 24 anos”. Portanto, é natural que antes não haja capacidade para distinguir o bem e o mal.

À falta de noção de perigo, a psicóloga Sónia Seixas acrescenta a necessidade de os jovens da era digital serem aprovados pelos amigos e colegas. Não só pela febre dos likes, mas também pelos desafios online. “O facto de participarem cria-lhes a necessidade de serem comentados junto dos pares.” Por exemplo, Manuel Moller e Alexandre Sousa Pinto foram os únicos do liceu a aderir ao desafio da barba e, por conseguinte, tornaram-se mais notados. A mesma especialista em impacto da Internet e comunicação digital refere que os desafios perigosos foram pontuais, mas assustadores: recorde-se do autodestrutivo da baleia azul (2017), que levou ao suicídio de alguns participantes jovens.

Assim se explica a dificuldade da

SÁBADO de falar com jovens que aderem ao desafio contracorrente, o do janeiro sem álcool – ou dizem desconhecê-lo ou, quando o fazem, não falam dele à SÁBADO. “Uma pessoa morre a cada hora por causa do álcool”, alerta a página britânica alcoholchange.org.uk, uma das dinamizadoras do desafio. A versão portuguesa “31 dias sem Álcool” também decorre no primeiro mês do ano, através da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF, que até ao fecho desta edição esteve incontactável). No site, lê-se que tem por objetivo “alertar a população para os danos relacionados com o álcool”.

A psicóloga e coordenadora na área de redução de riscos da Unidade de Alcoologia de Lisboa, Patrícia António, elogia tal desafio a favor da saúde (em contraponto ao de 2018, neck nomination, uma espécie de roleta-russa para o consumo excessivo de álcool).

Sobre o mês sem álcool, a terapeuta aplica um conceito idêntico na intervenção em adultos e jovens adultos que não estão com dependência – mas que andam lá perto. “É uma estratégia que usamos no tratamento, propor à pessoa que, se estiver ambivalente ou em negação, pode experimentar uns dias sem beber. Isto acontece no início do processo terapêutico. Estamos a favorecer uma lógica de redução de danos”, explica à SÁBADO. Vantagens? “Uma pessoa que pára durante um mês vai diminuir

DECORRE O DESAFIO JANEIRO SEM ÁLCOOL, MAS OS JOVENS TÊM DIFICULDADE EM ASSUMI-LO

a tolerância ao álcool, o fígado pode recuperar, interrompe a escalada para a dependência e descobre outras maneiras de estar em contextos lúdicos”, enumera Patrícia António.

Poupar 180 euros em janeiro

Nos adultos, a lógica destes desafios mensais insere-se na socialização. “Os adultos aprenderam a crescer com a era tecnológica e a oferta de dispositivos. É natural que naveguem e partilhem os conteúdos”, explica a psicóloga Sónia Seixas, que realça as motivações: “Divertimento, incentivo, numa lógica de partilha e não de procura de aprovação.” Acrescem os sucessivos confinamentos, pela pandemia, que fazem disparar o tempo despendido nas redes sociais – mesmo sem estar à espera de likes.

Não é propriamente muito cool passar um domingo na cozinha, mais precisamente sete horas a fazer rissóis de camarão e de frango. Foi este o programa de Lilina Domingos, no passado dia 16. A rececionista de 41 anos segue o desafio de janeiro do blogue Poupadinhos e Com Vales, que incentiva a levar o almoço de casa para o trabalho. Mas esta participante vai mais longe: além do almoço (à base de sopas e saladas), prepara petiscos para ir comendo durante o dia – os tais rissóis, além das barritas de cereais, dos frutos secos e do chá vegan (de soba de trigo mourisco, sabe a bolacha maria). O marido também adere e ela faz as contas: só no corte dos lanches em pastelarias o casal poupa 180 euros este mês. “Estou a pôr dinheiro de parte para comprar um carro, porque o meu avariou-se o ano passado”, esclarece à SÁBADO.

A mentora do desafio e criadora do blogue, Janine Medeira, garante que este desafio mensal tem uma elevada taxa de adesão porque só em almoços fora uma pessoa gasta, em média, 200 euros por mês (€10 ao dia). “Faz sentido este desafio no início do ano, para incutir a poupança e criar um hábito para os restantes meses”, diz à SÁBADO Janine Madeira, acrescentando que ob

teve feedback: “Algumas pessoas disseram-me que já era algo que queriam fazer. O desafio só veio reforçar a vontade de as coisas acontecerem.” Isto é, marmitas amigas da carteira. Não sabendo os números de participantes deste desafio, a blogger refere que há mais adesão pelos confinamentos. Alcance da ideia: 300 mil visualizações por mês no blogue, 56,5 mil seguidores no Instagram e 265 mil no Facebook.

Desafios vegetarianos

Nuno Baião, gestor, 49 anos, sempre teve espírito ecologista e foi tomando consciência da quantidade de plástico que acumulava no ecoponto. “Não fazia sentido, por isso comecei a comprar a granel e a mudar hábitos”, conta à SÁBADO.

Por mudança de hábitos entende os alimentares – mais precisamente cortar no consumo de carne e de peixe. Em janeiro de 2021, decidiu tornar-se vegetariano. “Foi uma experiência transformadora. Descobri uma comunidade no Facebook, Desafio Vegetariano, com uma equipa de mentores e nutricionistas que acompanham os participantes ao longo do mês de desafio.” Cozinhar tornou-se um verbo divertido para ele, porque trocou o robô de cozinha pelo tacho e pela colher de pau e passou a fazer videochamadas com uma amiga para treinarem receitas. Os amigos elogiam-lhe as bruschettas de cogumelos com creme de caju e, à laia de reconhecimento à comunidade, este mês alista-se na causa enquanto mentor que esclarece dúvidas aos novos participantes.

Causa esta que tem cerca de 20 mil pessoas, segundo as estimativas da coordenadora e ativista do Porto, Elisa Nair: “A grande maioria faz 75% das refeições vegetarianas.” Catarina Lopes, 37 anos, de Aveiro, também adere a estes desafios mensais, mas admite à SÁBADO o que lhe custou mais: “A maior dificuldade foi a falta do queijo. Adorava tostas mistas, lasanha, massas.” Em contrapartida, o estômago agradece: deixou de ter cólicas, consequência de maus hábitos alimentares por alimentos processados. Os rótulos são agora seus aliados, faz questão de os ler.

O mesmo faz Rita Aurora Costa, de Lisboa. A bancária de 41 anos aprendeu a ler os rótulos de supermercado em workshops, dados por Zoom pelo Centro Pré e Pós Parto (CPP) em junho de 2021. No mês seguinte, lançou-se ao desafio dos 28 dias: basicamente uma revolução à mesa, pelo fim das farinhas e dos cereais refinados (pão branco, bolachas ou tostas, bolos de pastelaria, barras de cereais, panados, arroz branco, massa refinada, pizzas); do açúcar (sacarose, sumo concentrado de fruta, açúcar mascavado, mel); e dos adoçantes artificiais (pastilhas elásticas, gelatinas). “Mudei completamente os pequenos-almoços: hoje comi sopa de espinafres com ovo cozido picado, sabe bem no inverno porque é quente.”

Ao novo regime, Rita juntou seis minutos de exercícios diários, os burpees (flexões e saltos), e viu melhorias na parte abdominal. Leia-se menos barriga, a caminho de ficar lisa após duas gravidezes (tem dois filhos de 7 e 4 anos). A organizadora do desafio, Tatiana Dominguez, do CPP e mãe de três filhos (2, 5 e 8 anos) ressalva que, no seu caso, o desafio dos 28 dias é continuado desde 2009. Mas foi na pandemia que viu o número de participantes de desafios mensais a disparar: 150 em julho último vs. 55 em julho de 2019. ●

“COMECEI A COMPRAR A GRANEL E A MUDAR HÁBITOS”, DIZ NUNO BAIÃO, SEGUIDOR DO DESAFIO VEGETARIANO

Sumário

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