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Polémica Há quem fique ano e meio à espera de receber a reforma

O problema é antigo? É. Já se resolveu? Não. Pessoas que descontam para os dois regimes, público e privado, acabam por ser as mais prejudicadas.

Por Lucília Galha

Há pelo menos 136 dias que a rotina diária de Ruy Ribeiro incluía entrar no site da Segurança Social Direta e verificar o estado da sua pensão. A informação que encontrou ao longo destes 136 dias foi, invariavelmente, a mesma: “Em análise.” Como se não bastasse estar aposentado – e, portanto, sem quaisquer rendimentos – desde 10 de novembro de 2021, o médico veterinário viu-se ainda no meio de uma espécie de pingue-pongue entre as duas instituições responsáveis pela atribuição da sua reforma. “O Centro Nacional de Pensões garante que fez o pedido à Caixa Geral de Aposentações. A Caixa Geral de Aposentações diz que não mandaram informação porque não receberam o pedido. É o jogo do empurra”, diz à SÁBADO.

Ruy Ribeiro, 65 anos, licenciou-se em Medicina Veterinária e deu aulas no ensino público durante nove anos. Contudo, trabalhou no setor privado a maior parte da sua vida – no total, 43 anos. A 24 de agosto de 2021, pediu a pensão unificada (que junta as contribuições para ambos os sistemas) para ter efeito a partir de 10 de novembro – data a partir da qual se podia reformar sem sofrer qualquer penalização. Cabe ao Centro Nacional de Pensões (CNP) a atribuição da sua reforma – porque foi o último regime para o qual descontou –, mas era preciso que a Caixa Geral de Aposentações (CGA) lhe comunicasse a soma das contribuições referentes ao tempo no setor público. “O problema é que temos uma série de instituições sobrepostas em Portugal e andam todas a complicar o trabalho umas das outras. Se fosse só um sítio a tratar das reformas não existiria este problema”, considera.

Coincidência ou não, na passada sexta-feira, 14 de janeiro – apenas 24 horas depois de a revista SÁBADO ter confrontado o Ministério do Trabalho e da Segurança Social com a situação em causa –, o seu pedido foi finalmente “deferido”. Com a indicação de que o pagamento se iniciaria já em fevereiro. Contudo, pode ainda não ser desta que vai receber a sua reforma. Razão: “Pelas contas que fiz, acho que há ali um erro no valor que me é atribuído”, aponta.

Atrasos na atribuição de reformas, sobretudo neste caso das pensões unificadas – com descontos para mais do que um regime –, são um problema antigo. Mas que, apesar de tudo, persiste. A 13 de janeiro, no debate entre António Costa e Rui Rio para as eleições legislativas, o dirigente social-democrata chamou a atenção para o assunto: “Quem pede uma reforma recebe-a passado um ano ou mais.” Não foi um exagero político. Uma auditoria do Tribunal de Contas divulgada em 2021 concluiu que em 2019 as pensões unificadas demoravam 295 dias (10 meses)

NO DIA 14 DE JANEIRO, 24 HORAS DEPOIS DE FALAR COM A SÁBADO, RUY RIBEIRO TEVE A SUA PENSÃO APROVADA

a atribuir. Mais: dados avançados pela Provedoria de Justiça à SÁBADO indicam que, em 2021, as queixas relativas a atrasos do Centro Nacional de Pensões foram semelhantes às recebidas no ano anterior (644). E foram reportadas mais situações relativas às pensões unificadas. “Devido ao atraso do CNP na comunicação à CGA da parcela da pensão a seu cargo”, refere a provedora de Justiça.

Ser obrigado a trabalhar

Rui Santos, 61 anos, antigo militar da Força Aérea Portuguesa, está aposentado desde 1 de janeiro de 2019 e desde esse dia que aguarda que lhe paguem a totalidade da reforma a que tem direito. Explicação: tem 38 anos de descontos nas Forças Armadas, mas, antes disso, trabalhou sete

anos numa empresa privada.

A pensão relativa às contribuições públicas, atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, está a ser paga desde então: 1.663,97 euros líquidos. “Felizmente estou a receber essa pensão senão já teria morrido à fome”, diz. Falta o montante da Segurança Social – em 2020, a pensão mínima, para até 15 anos de descontos, era de 275,30 euros.

“Não entendo como duas instituições do Estado não se harmonizam nem cruzam dados”, afirma, revoltado. Já perdeu a conta aos emails que enviou e às vezes que reclamou. Já apresentou queixa à provedora de Justiça e também fez reclamação na plataforma Portal da Queixa (ver caixa), mas nada produziu efeito. “Este é um valor que é meu por direito e estou privado dele”, reclama. A sua pensão é o único rendimento da família. “Um dia vão pagar-me tudo com retroativos e ainda terei o transtorno de corrigir as declarações de IRS dos anos anteriores”, lamenta.

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social justifica que a principal dificuldade nas pensões que envolvem os dois regimes é “a inexistência de informação no sistema, que tem de ser confirmada junto de terceiros”, diz à SÁBADO fonte

RUI SANTOS NÃO RECEBE A TOTALIDADE DA PENSÃO A QUE TEM DIREITO. JÁ ESTÁ REFORMADO DESDE O INÍCIO DE 2019

oficial. Razão: este registo informático só começou a ser recolhido de forma sistemática nos últimos 20 anos. A Pensão na Hora foi criada para acelerar o processo, mas não dá resposta a pessoas como Helena Neves Almeida – que tem a carreira repartida entre os dois regimes.

A professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, 67 anos, está desde maio de 2020 à espera da reforma. Não deixou de trabalhar, porque não pode ficar sem rendimentos. “Gostava de ter direito aos meus direitos. Estou com problemas de saúde e sinto-me obrigada a trabalhar”, diz. Iniciou atividade no privado e passou por duas instituições até chegar à Universidade de Coimbra. Em 2020, já tinha 43 anos de descontos e, por isso, a 25 de maio, fez o pedido de pensão unificada. Desde então, tem estado num limbo por causa dos anos em que houve sobreposição da sua carreira contributiva. Queria aprender música, escrever e viajar e, em vez disso, viu-se forçada a iniciar dois anos letivos a mais da conta. ●

Sumário

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