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OS BASTIDORES DO THE VOICE

...assim se faz o programa da RTP1 The Voice Portugal. Entrevistámos os quatro mentores: Diogo Piçarra, Aurea, Marisa Liz e António Zambujo. Qual deles vencerá este ano?

Por Vanda Marques

Entrevista aos quatro mentores do programa, que bebem um shot antes de entrar no ar

Quando Aurea viu um lacrau – entenda-se, um escorpião venenoso – em cima da sua perna enquanto estava sentada nas icónicas cadeiras do The Voice Portugal, teve o impulso imediato de o sacudir com a mão. O lacrau foi parar em cima de Diogo Piçarra que estava a falar com um dos concorrentes das provas cegas. Não estavam em direto e Aurea tentou chamá-lo (ele não deu por nada) para lhe dizer: “Tens um lacrau.” Marisa Liz interrompe a conversa: “Eu não vi isso. Acho até hoje que é mentira.” Diogo reforça: “Não é mentira. Era tipo um escorpião, juro-te.”

O ambiente entre os quatro mentores do programa da RTP 1 – está a faltar aqui António Zambujo – é o de velhos amigos do liceu, sempre numa troca de galhardetes, mas que rapidamente se transforma numa

conversa séria sobre música.

No dia 9 de janeiro, quando os quatro se sentaram para conversar com a SÁBADO, antes de mais uma gala, não tinha havido nenhuma destas peripécias. Nem água entornada nos vestidos, nem curto-circuitos nas cadeiras – “uma vez chegou a deitar fumo”, contam – e ninguém no público tinha tido uma quebra de tensão. Só houve mesmo tensão quando se falou de vencedores ou de revistas cor-de-rosa. Já lá vamos.

Acham que a vossa dinâmica enquanto mentores é a chave do programa The Voice Portugal?

António Zambujo (AZ): Posso perguntar porque diz isso?

Diogo Piçarra (DP): Oh pá, não és tu que fazes as perguntas...

Pergunto de outra forma, acham que o que torna este programa diferente de outros é o cuidado

que têm a falar com os concorrentes, em oposição a outros, que vão pelo lado mais caricato? Aurea (A): Acho que marca toda a diferença. Temos de respeitar as pessoas e não podemos fazer-nos valer de piadas e de coisas caricatas para ter sucesso. Marisa Liz (ML): Ou audiências, nem é sucesso.

AZ: É valorizar o ridículo, não é? É um bocadinho uma cena das televisões. Eu conheço muito pouco de televisão. Não é armar-me em snob, de facto não vejo muita. Mas do pouco que vejo, valoriza-se essa parte e os vídeos que circulam mais tarde, nos grupos de amigos, são sempre os das coisas ridículas, parvas. É um bocado brincar com o que vêm cá fazer.

ML: É uma luta constante que o ser humano tem de ter para não se sentir superior. Muitas vezes, para nos sentirmos bem, temos a tentação de rebaixar os outros. É quase um hábito porque toda a gente quer atingir um nível de sucesso, sem nenhum de nós saber muito bem o que é que isso quer dizer, que é simplesmente ser feliz. Aqui fala-se de música, de pessoas e de respeito.

DP: Marisa, concordo com tudo, mas isso já vem de nós, acho eu. Não houve um briefing.

ML: Não, espera que quando entrei no The Voice, no primeiro ano, disseram-me claramente que este conceito passa por: “Respeitar as pessoas que estão aqui a sonhar e a trabalhar por um futuro. Não vamos desrespeitar ninguém.” Esse briefing foi-me dado e foi uma das razões que me fez aceitar.

AZ: Há outra coisa importante: os concorrentes das provas cegas são selecionados pelo seu valor musical e não por serem suficientemente ridículos para ter audiências. É só pela música.

Cada mentor tem de escolher 14 concorrentes para a sua equipa nas provas cegas. São dias de gravação intensos, de sete horas seguidas e os primeiros mentores a chegarem ao estúdio são sempre Aurea e Marisa. Porquê? Marisa aponta para a roupa e maquilhagem. Chegam por volta das 9h da manhã para começarem a gravar da parte da tarde. E gostam desse lado glamoroso? Marisa nem hesita: “Adoro.” Só Aurea confessa que gostava que fosse mais fácil.

António Zambujo – que não pode ser maquilhado porque tem alergias – não perde a oportunidade para gozar. “Elas demoram muito tempo porque estão a ver aquelas revistas de fofocas.” As mentoras riem-se e desmentem o cantor.

“Olha que não. Eu e a Aurea ouvimos muita música, falamos da vida. Nas conversas de camarim falamos de tudo.” Antes de começarem a gravar, os quatro fazem uma refeição “sozinhos”, na sala da produção, onde trocam impressões. Aurea reforça que estão apenas os quatro, para estarem mesmo à vontade. Marisa espeta a facada: “É para falarmos das revistas cor-de-rosa como o António gosta, ele adora uma boa fofoca.”

O que tem de ter um vencedor do The Voice?

A: Não sei porque nunca ganhei. Sete anos e nada. [Todos riem]

AZ: Sabes que a partir do momento em que o público entra no jogo, deixamos de saber.

A: As coisas fogem das nossas mãos, completamente. A Marisa Liz é que a tem mais vitórias e... AZ: Também é a que está cá há mais tempo. É como quando diziam que o Jesus esteve no Benfica e ganhou

Sais daqui com uma visibilidade boa, porque é um programa que tem muita audiência, mas não sais daqui com uma carreira

António Zambujo

três campeonatos. Mas foram três campeonatos em seis anos e com um investimento gigantesco. Ela já tem três vitórias...

ML: Pronto. É por isso, não é? DP: Não foi por mérito, foi por estar aqui há muitos anos. [Risos]

AZ: Mas ajuda estar cá há mais tempo, porque há mais foco e concentração nos concorrentes. Criam relações próximas com os concorrentes?

ML: Eu crio relações com eles, andamos constantemente em mensagens de WhatsApp.

AZ: À medida que nos aproximamos da final, vamos ficando cada vez mais próximos dos concorrentes. Provavelmente falamos todos os dias com eles, trocamos mensagens sobre a escolha das músicas, sobre os arranjos. No início é impossível.

DP: São muitos nessa altura. À medida que vão ficando menos, é mais fácil manter o contacto.

ML: Comigo não é só manter o contacto, eu sou mesmo chata pa’ caraças.

DP: És chata?

ML: Sim, eu marco ensaios por zoom e estou em cima deles. Estou a lavar a cozinha e estou a ouvi-los. É o caos. Com os putos a entrar, os cães – é tudo ao mesmo tempo e é tudo bom.

A: Eu sou mais calma.

Já estão há algum tempo nestes programas, é mais fácil dar más notícias, não virar a cadeira, escolher um e não outro?

AZ: Faz parte das regras do jogo. Independentemente de ser difícil ou fácil. Às vezes custa mais, outras custa menos. Mas as regras do jogo são essas e eles sabem.

DP: Fica difícil porque tens um limite de pessoas que podes ter na tua equipa. São cinco dias de provas cegas e temos de gerir bem a nossa equipa. Acho que viraríamos muito mais cadeiras sem esse limite [14 concorrentes]. E quando não viram a cadeira, como explicam às pessoas? ML: Tens de ler a energia de cada um e tentar ao máximo não lhes tirar a confiança.

AZ: Às vezes há malta... Lembro-me de uma vez em que não viramos a cadeira e todos sentimos que a pessoa

Temos de respeitar as pessoas e não podemos fazer-nos valer de piadas e de coisas caricatas para ter sucesso

Aurea

Eu marco ensaios por zoom e estou em cima deles. Estou a lavar a cozinha, e estou a ouvi-los. É o caos, com os putos a entrar. É tudo bom

Marisa Liz

“QUANDO ENTREI NO THE VOICE, O BRIEFING FOI: NÃO VAMOS DESRESPEITAR NINGUÉM”

saiu de lá fodida, porque achava que um de nós ia virar. ML: Qualquer dia acho que vou levar com um balázio – ‘tou a brincar. Mas alguns ficam a deitar fumo pelos olhos. Lá está, o não passar mostra quão importante é a opinião dos outros. Quando não passam, há aquele olhar do “vou desistir”. Isto porque há concorrentes que têm a ideia de que se passassem e chegassem à final era mais fácil; não tem nada a ver. Às vezes o caminho passa pelo The Voice, outras vezes não. Há uns que passam e acham que está feito. Mas não está, é preciso trabalhar. Não é só cantar bem.

As audiências não são um tema que debatam à mesa nem no grupo de WhatsApp. António Zambujo atira logo: “A vida não são só números.” Marisa Liz acrescenta: “A audiência é um resultado do teu trabalho. Se muita gente nos estiver a ver, estamos juntos com a mesma vibe de fazermos coisas positivas. Se não estiverem, somos poucos mas somos bons.” E encerra-se o assunto. O certo é que o programa começou com boas audiências e em novembro chegou a bater recordes – no dia 21 teve 20,9% de share, ou seja, 900 mil espectadores a verem. Entretanto a noite de domingo foi tomada pelos famosos do Big Brother, na concorrente TVI. Nada disso lhes tira o entusiasmo e contam que não pretendem ser professores dos concorrentes. Passar por um programa de talentos, sublinha Diogo Piçarra – que venceu o Ídolos em 2012 – não garante uma

carreira. Todos têm de trabalhar.

O sonho dos concorrentes é uma carreira na música, mas num país como Portugal, não é difícil dar um empurrão para entrar num mundo que é muito incerto? ML: Mas sempre foi. O empurrão nunca pode vir dos outros na tua vida, tem de vir de ti. Aquilo que tu podes é rodear-te de pessoas que te consigam aconselhar. Agora, ninguém vai fazer a tua vida por ti. Nunca vai ser fácil seguires um sonho. Mas tens de o fazer, caso contrário não fazia sentido nenhum de nós estar aqui no mundo. É como diz o Jorge Palma: “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.”

DP: É muito importante o que a Mariza está a dizer, porque o principal obstáculo que eu tive quando saí de um programa de talentos foi procurar as pessoas que me podiam ajudar a encontrar o caminho certo. Mas é mais fácil sair de um programa de talentos e entrar no mercado da música?

DP: Isso dá a ilusão de que toda a gente gosta de ti, porque saíste de um programa e venceste. E realmente no início está toda a gente à tua volta, mas depois o tempo vai filtrando e as pessoas vão saindo.

AZ: Tu sais daqui com uma visibilidade boa, porque é um programa que tem muita audiência, mas não sais daqui com uma carreira. O melhor que tu podes fazer é, a partir desta visibilidade, começares a construir a tua carreira e a investir na formação.

ML: Seja formação vocal, musical ou outra. Um bom cantor eleva uma música e para isso é preciso trabalhar. Não chegas lá do dia para a noite.

Àmedida que se aproxima a final do The Voice Portugal, que será no domingo, 23 de janeiro, a pressão aumenta. Entre os mentores há competição. Marisa já ganhou três vezes e António Zambujo uma. Para a final passaram os concorrentes João Leote, da equipa de Marisa, Rodrigo Lourenço, da de António Zambujo. Já Aurea tem Mariana Rocha, e Diogo Piçarra tem consigo Daniel Fernandes e Edmundo Inácio. A final é o dia de maior stress. “Eu tento sempre desconstruir um bocadinho o programa, fazê-los ver que isto é um armazém com luzes e que eles estão aqui a desempenhar um papel. Tento que não se foquem tanto em que vai aparecer no YouTube e nas redes sociais”, diz Diogo Piçarra. Têm superstições antes de entrar no ar?

ML: Não. Mas bebemos um shot, um shotzinho do que houver. DP: De vinho do Porto e damos o grito.

ML: The Voice com a breca. Com a breca? ML: Porque ficava mal gritarmos uma asneira que se ouvia nas bancadas do público. Nos programas vemos picardias entre vocês, são combinadas?

ML: Não, é tudo verdade.

AZ: Não temos talento suficiente para essas coisas combinadas.

A: Acho que as pessoas lá em casa gostam de ver o choro, gostam de ver o sorriso, a gargalhada – são emoções. São coisas que transbordem do ecrã.

ML: Há uns de nós que têm mais mau feitio do que outros. Acho que o Diogo é quem tem mais mau feitio.

DP: Eu descobri qual é o ponto fraco da Marisa.

ML: Qual é?

DP: Ah, não vou dizer. [Risos] ML: Quando me dizem, “Marisa tem calma”. Acho que isso irrita qualquer mulher. O “tem calma” no momento em que tu não estás descontrolada... Dá vontade de dizer: “Tem calma, como assim? Estou calmíssima.”

Já trabalham juntos há três anos. Mas qual é a pergunta que gostavam de colocar uns aos outros? ML: Acho que já lhes perguntei tudo, porque eu não me calo.

AZ: Olha, eu tenho uma pergunta para os três: se um de nós, porventura, saísse no fim desta temporada, vocês têm na vossa cabeça a pessoa para nos substituir?

ML: Como teu suplente via para aí o Dino Meira.

AZ: O Dino Meira já morreu, coitado. Nem passou o milénio.

ML: A sério? Ai, não sabia. Peço desculpa à família do Dino Meira. Então para te substituir o Nel Monteiro. Para substituir a Aurea era a Ana Malhoa.

DP: Falta o Toy que está em todas. ML: O Toy ou o José Cid, que já devia ter um papel na televisão. Depois de uma convivência tão intensa, como fica a vossa relação a seguir à final? A: Nunca mais nos vemos. ML: Nós temos um grupo de WhatsApp só os quatro, e o António quando acabar o programa sai do grupo. Ele está sempre a sair dos grupos todos. AZ: Mentira. Combinamos jantares mas nunca aconteceu. Eu queria fazer um jantar, mas num restaurante tipo os frangos de Moscavide ou uma cena assim. Uma tasca mesmo fixe. A: É ridículo que nunca tenha acontecido. Fica a promessa para 2022. DP: Jantarmos juntos pela primeira vez fora daqui [estúdio].

AZ: E com o patrocínio da Cofina. [risos]

ML: Mas não podia terminar a conversa sem dizer para votarem na minha equipa, ‘tá bem?

A: Ela nunca desiste... ●

“UM BOM CANTOR ELEVA UMA MÚSICA E PARA ISSO É PRECISO TRABALHAR. NÃO CHEGAS LÁ DO DIA PARA A NOITE”

Temos de gerir bem a nossa equipa. Acho que viraríamos muito mais cadeiras se não tivéssemos esse limite

Diogo Piçarra

Sumário

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