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Um País doente e adiado

Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

HÁ DIAS, UM DAQUELES AMIGOS (IMAGINÁRIOS) DOS CRONISTAS da imprensa, convocado para os textos quando há necessidade de mostrar uma ligação ao País real, interrogava-se sobre a razão de tanta atenção dada ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos debates eleitorais, em detrimento de outros temas como a Educação, Justiça ou até a Segurança Social. Dizia, e bem, essa personagem que os portugueses são hipocondríacos por natureza, a começar pelo Presidente da República. Só assim se explica a necessidade de todos os partidos insistirem no tema, procurando capitalizar votos com o esforço de todos os que, nos últimos anos, nos deram a todos uma lição de entrega à causa pública, trabalhando horas a fio para salvar vidas.

É certo que o SNS esteve na linha da frente do combate à Covid-19, sobretudo devido à extraordinária dedicação de médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares e não a uma qualquer medida do Governo. Mas, tal como o SNS, também as escolas foram chamadas a dar um importante contributo neste contexto de pandemia, obrigando os professores a reinventarem-se, procurando, ainda que à distância, manter o mínimo de qualidade no ensino. Neste momento, se os profissionais de Saúde estão a salvar vidas, os professores são chamados a salvar várias gerações de alunos, cujo processo de aprendizagem ficou completamente comprometido por esta pandemia.

De Ambiente, ninguém quer saber. Talvez só o PAN, mas numa perspetiva idealista. O “verde” da CDU resume-se, atualmente, à copa de um sobreiro alentejano. Rui Tavares propôs uma “ecogeringonça”, a qual deve passar, presume-se, pela separação do lixo. É assustador que nenhum líder partidário ache estranho que, em janeiro de 2022, ainda não tenha chovido convenientemente em Portugal, que há um sério risco de seca durante a primavera e o verão, que isto pode pôr em causa a agricultura que, se se mantiver o aumento da temperatura do planeta, daqui a 10 anos o Alentejo pode ficar completamente infértil. O aquecimento global não é só um problema dos americanos e, tal como na pandemia, não há nenhum “milagre português” que nos isole do que está a acontecer no mundo.

Sobre a Justiça, nem uma palavra. Os programas bem podem estar cheios de ideias e propostas, mas subsiste um estranho prurido em pôr o tema num debate público com a discussão das propostas de cada partido. Ninguém tem a necessária coragem política para implementar um conjunto de reformas na legislação, na arquitetura do sistema, nas condições de trabalho dos magistrados e dos inspetores da Polícia Judiciária e na sua consequente prestação de contas aos cidadãos. Continuaremos a ter um labiríntico sistema de recursos que só os mais endinheirados conseguem explorar, um Conselho Superior da Magistratura, um Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, um Conselho Superior do Ministério Público, um Tribunal Constitucional, um Supremo Tribunal de Justiça, um Supremo Tribunal Administrativo, vários Tribunais da Relação, os quais são acompanhados por outros tantos Tribunais Centrais Administrativos. Luxos. A avaliar pelas audiências dos debates, os portugueses estão interessados nas eleições Legislativas. Os confrontos mais vistos superaram a barreira de um milhão de espectadores. O que, tendo em conta a perceção generalizada de afastamento entre políticos e eleitores, o interesse demonstrado é extraordinário. Os líderes partidários, porém, não nos mostraram uma proposta de mapa para o futuro, mas apenas para o dia seguinte, para a gestão corrente, para acudir à conjuntura.

Bem podemos passar horas a discutir se o PS vai governar com o BE, com o PCP, Pan e Livre ou só com um ou dois destes partidos, ou se o PSD aceita ou não o Chega, se faz coligações com o CDS e a IL. Daqui a dois anos, estaremos precisamente no mesmo lugar: debates eleitorais para as Legislativas de 2024. ●

Crónica

pt-pt

2022-01-20T08:00:00.0000000Z

2022-01-20T08:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282716230369554

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