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AS INSONDÁVEIS SONDAGENS

Falta fiscalização ao trabalho de campo, há risco de conflitos de interesses e os trabalhos para os partidos não são públicos. Ainda assim, os erros não são tão maus como a má imagem do setor sugere.

Por Bruno Faria Lopes

Fraca regulação, métodos desatualizados e dúvidas sobre conflitos de interesses: há mesmo razão para desconfiar?

Tiago Campos tem 28 anos, um curso de Geografia que deixou por terminar e uma grande cabeça para números – aos 9 anos as suas proezas matemáticas apareceram nas páginas do jornal 24 horas e aos 10 foi admitido na Academia de Sobredotados de Portugal. O radar matemático de Campos acabou atraído para um mundo: as sondagens.

O sucesso das suas projeções para as eleições norte-americanas na rede social Twitter – onde assina como Intracampos, um trocadilho com o apelido e o nome da empresa de sondagens Intercampus – chamou a atenção de João Maria Jonet. Jonet, 23 anos, é um autodidata na ciência de medir o pulso ao mercado eleitoral – previu com exatidão a votação em Moedas, em cuja campanha trabalhou, mas falhou o derretimento de Fernando Medina – e a capacidade matemática de Campos era valiosa. A equipa que montou tem uma calculadora de mandatos de deputados e publica diariamente, na conta de Campos no Twitter, uma sondagem de sondagens. Neste modelo as sondagens que vão sendo publicadas pelos media não valem todas o mesmo, sendo ponderadas, entre outros fatores, pelo erro médio de cada casa de sondagens – um erro que contrasta com a perceção geral negativa sobre o setor.

“Em eleições legislativas o erro médio é baixo”, aponta João Maria Jonet. O erro médio das empresas de sondagens oscilou entre 0,55 e 1,53 pontos percentuais nas eleições de 2019 e a média está em 1,15 pontos. Nas últimas autárquicas o valor foi mais do dobro, mas mesmo assim o falhanço claro sobre a eleição de Moedas em Lisboa no ano passado parece destoar do erro médio, que segundo este cálculo não chegou aos 3

O ERRO MÉDIO EM LEGISLATIVAS É TIPICAMENTE BAIXO. MAS O DAS AUTÁRQUICAS É MAIOR

pontos percentuais. Em eleições anteriores a tendência é a mesma e sugere que, nas legislativas, as sondagens a uma ou duas semanas da ida às urnas conseguem geralmente traçar o que vai ser o comportamento de quem vota. A mensagem subjacente nas contas de Campos e Jonet vai ao encontro das conclusões do trabalho de um grupo de medidores mais consagrados no mercado. Pedro Magalhães, Luís Aguiar-Conraria e Miguel Maria Pereira tentaram em 2011 perceber a dimensão real dos desvios entre as sondagens e os resultados eleitorais (entre 1999 e 2009) e as respetivas razões. “A conclusão foi que os erros não eram assim tão relevantes”, indica Conraria.

Mas a imagem para parte da opinião pública e para quem está na política – sobretudo à direita – é outra. A debacle nas medições das intenções dos eleitores em Lisboa nas autárquicas motivou um novo debate mediático sobre as sondagens e, a caminho das legislativas, dois líderes políticos da direita criticaram-nas duramente. Francisco Rodrigues dos Santos anunciou que ia fazer queixa à Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) por causa de uma sondagem da Aximage que deu o CDS à beira do fim e Rui Rio, que já disse que “as sondagens não servem para nada”, voltou ao ataque. “Quanto a sondagens, como estamos? Nada?”, ironizou no Twitter. As críticas à direita são antigas: a desconfiança levou no passado à criação do centro de sondagens da Universidade Moderna, como a resposta ao que entendiam ser o predomínio da influência do PS na indústria das sondagens. Uma fonte da direção do PSD enquadra as críticas de Rio com a desconfiança sobre a qualidade técnica do trabalho – a redistribuição dos eleitores indecisos e a in

capacidade de prever a abstenção – e não só. “Isto é como a mulher de César: têm de parecer sérias. E não parecem”, aponta.

Fiscalização ausente e dúvidas

O setor das sondagens é regulado pela ERC, mas a fiscalização do trabalho feito e da exigência técnica de quem dirige as sondagens é escasso. “Se fiscalizasse daria algum conhecimento sobre o trabalho realizado”, diz António Salvador, que dirige a empresa de estudos de mercado Intercampus. “A ERC não se preocupa com este tema”, junta. As empresas depositam obrigatoriamente na ERC a ficha técnica de cada sondagem eleitoral pública que fazem, mas não há notícia de que o regulador controle, por exemplo, se o trabalho de campo feito corresponde realmente ao declarado na ficha. António Gomes, que dirige a empresa GfK/Metris, refere que o regulador está “parado”.

Quatro fontes ligadas ao setor indicaram à SÁBADO dúvidas antigas sobre, por exemplo, se alguns dos inquéritos feitos no passado pela Eurosondagem corresponderam realmente a trabalho de campo feito pela empresa liderada até novembro passado por Rui Oliveira e Costa (que morreu nesse mês). “A gerência da Eurosondagem refuta de forma determinada todas as insinuações referentes ao trabalho que temos vindo a realizar ao longo de muitos anos”, responde fonte oficial da empresa. “Em particular, a Gerência e os sócios da Eurosondagem sempre consideraram o Dr. Rui Oliveira e Costa um exemplo de excelente profissionalismo e de idoneidade, sendo lamentável que, agora, que já não pode defender-se, sejam realizadas insinuações que jamais ficarão bem a quem as faz”, junta. A ERC não respondeu à SÁBADO.

Uma segunda frente de dúvida está no facto de as empresas privadas de sondagens terem como clientes os próprios partidos políticos ou entidades governamentais – ao contrário das sondagens públicas, as partidárias não têm depósito obrigatório na ERC. Uma sondagem encomendada por um grupo de media custa entre 3 mil e

“NÃO SEI SE A ERC FISCALIZA, MAS SEI QUE NÃO SE PREOCUPA COM AS SONDAGENS”, DIZ ANTÓNIO SALVADOR

5 mil euros se for feita por telefone e pode custar até 20 mil euros se for presencial, indicam fontes ligadas ao setor. Este é, contudo, um segmento com expressão curta no negócio das empresas – 4% num ano eleitoral, aponta António Salvador –, pesando os partidos muito mais.

A Intercampus e a GfK confirmam que trabalham para vários partidos em simultâneo (a Pitagórica, a Eurosondagem e a Aximage não responderam). “Somos uma multinacional e tratamos os partidos políticos como um cliente qualquer”, aponta António Gomes, que admite que a questão pode levantar em tese um problema de independência das empresas, mas refere que “é ao órgão de comunicação social” que paga as sondagens que cabe “resolver esse problema”. André Azevedo Alves, que dirigiu o centro de sondagens da Universidade Católica, reconhece que esse risco existe – nem que seja de imagem – facto que leva a Católica a recusar trabalhar para partidos. “A questão resolve-se com concorrência: quanto mais empresas e sondagens, mais se percebe se há resultados estranhos”, diz.

Favorecer não é ciência exata

Os cruzamentos de militância ou simpatia política com a direção técnica de sondagens também existem. Há casos de natureza e duração diferente. Rui Oliveira e Costa, por exemplo, foi membro da comissão nacional do PS durante quase 20 anos. Alexandre Picoto, administrador da Pitagórica, esteve na comissão de honra de Passos Coelho em 2010 (a empresa trabalhou para o PSD durante o consulado de Passos Coelho). Mais recente

foi a ida de José Almeida Ribeiro – que durante seis anos foi uma figura muito próxima de José Sócrates nos governos do PS e que daí transitou para os serviços de informação (SIS) – para a direção técnica da Aximage, o que causou perplexidade nos bastidores do setor. Em 2020, a Visão noticiou que Almeida Ribeiro, que não tem qualquer experiência nesta área, dirigiu sondagens para o Benfica ao mesmo tempo que assessorava o então presidente Luís Filipe Vieira. Almeida Ribeiro deixou a direção técnica em agosto passado e está de saída da empresa, segundo fontes ligadas ao setor. A Aximage não respondeu à SÁBADO.

Mesmo com estes problemas admitidos por quem está no meio, que os retrata como pontuais, a suspeita de manipulação sistemática de resultados de sondagens esbarra não só na comparação com a concorrência, mas sobretudo no efeito misto que as sondagens têm no eleitorado. “Muitos acham que se pode instrumentalizar os resultados, mas não é fácil de prever o impacto porque as sondagens geram sinais de sentido contrário”, explica António Gomes. Os eleitores podem deixar de ir à urna por acharem que o candidato vai perder por muitos – mas também podem fazê-lo se derem a vitória como garantida, como no caso de Fernando Medina, em que as sondagens acabaram por beneficiar o PSD.

O já referido estudo de Pedro Magalhães e Conraria também fragiliza as queixas de favorecimento sistemático do PS. “Os dois partidos que na comparação entre as sondagens e as eleições surgem com desvios maiores são o CDS e a CDU”, aponta Pedro Magalhães, que ressalva que é necessário atualizar a análise para os últimos anos.

Os media: divulgadores

Magalhães, que coordena a equipa técnica do centro de sondagens do ICS/ISCTE, refere que a sua análise quantitativa sugere que as sondagens mais perto das eleições produzem, em média, discrepâncias menores – algo natural dado num cenário em que uma percentagem significativa de eleitores muda de opinião (mais de um quarto, segundo um trabalho da Intercampus para o Correio da Manhã). Por outro lado, quanto mais sondagens houver menor será o desvio, o que explica o erro mais baixo nas legislativas, eleições mais importantes em que os media gastam mais dinheiro.

Se as empresas de jornalismo, que vivem com restrições financeiras significativas, gastassem mais nas sondagens, o trabalho seria melhor? “Se o dinheiro for bem gasto, em

O EX-ESPIÃO ALMEIDA RIBEIRO, PRÓXIMO DE SÓCRATES, DEIXOU A DIREÇÃO TÉCNICA DA AXIMAGE E ESTÁ DE SAÍDA

princípio sim – uma amostra de 400 pessoas não vai produzir o mesmo que uma de mil”, diz Pedro Magalhães. A generalidade das amostras nas sondagens públicas oscila entre 600 e 800 inquiridos.

Outro ponto de influência dos media nas sondagens está na sua divulgação. “As sondagens não são previsões – são um indicador de como estão as intenções de voto num dado momento e, mesmo aí, têm limitações”, Salvador. O não ser uma previsão explica-se com as limitações da própria sondagem, que tenta em pouco tempo reproduzir numa amostra de 600 pessoas o comportamento de todo o eleitorado.

Numa era em que o telefone fixo é mais usado por pessoas mais velhas de classe média a média-alta, as empresas geram números de telefone aleatórios, seguindo a quota de mercado de cada operador telefónico, para encontrar inquiridos com outras características, que assegurem uma amostra representativa. Esta tarefa é depois complicada pela recusa sistemática das pessoas a responderem a inquéritos, problema que pode criar enviesamentos na amostra final, que passa a ser cada vez menos aleatória à medida que a empresa vai procurando novas pessoas. Um problema adicional é a redistribuição do voto dos indecisos.

Estas dificuldades técnicas – mais intensas em países como os Estados Unidos, por exemplo, em que os conservadores respondem menos a inquéritos – juntam-se a um eleitorado em mudança. “O teste de como lidar com a nova configuração do sistema partidário ainda está por fazer”, admite Magalhães. Esta mudança implica mais partidos e um, o Chega, de natureza distinta e propensa a confundir os inquéritos com o chamado “voto envergonhado” que não responde às sondagens. No fim de tudo, como devemos encarar as sondagens que lemos? “Eu leio-as como mais um elemento na festa da democracia”, ironiza o economista Luís Aguiar-Conraria. Dão um sinal que nas legislativas tende a não falhar por muito – mas convém consumir com moderação. ●

Sumário

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