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Entrevista Economista britânica alerta para os problemas da solidão

O Facebook é a indústria tabaqueira do século XXI e tem de ser regulado para se combater a solidão. A economista alerta que esta só tem custos para a saúde, para a democracia e para as empresas.

NOREENA HERTZ Por Vanda Marques

“Olhamos para quem invadiu o Capitólio e são solitários. Os solitários são propensos à violência”

Pagar 80 euros por uma hora de abraços ou 40 por conversar com uma amiga são alguns dos exemplos da economia da solidão que Noreena Hertz investigou. A economista britânica, professora na University College London, diz que nunca fomos tão solitários e que isso está a custar-nos dinheiro, saúde e liberdade. É que a solidão provoca problemas cardíacos, diminui a produtividade nas empresas e faz crescer o populismo de extrema-direita. É a democracia tal como a conhecemos que está em causa. No livro O Século da Solidão, da Temas e Debates, apresenta vários estudos que traçam um retrato cada vez mais solitário da humanidade. Alerta que o teletrabalho não é a resposta mais acertada e que precisamos de três dias no escritório para criar laços entre as equipas. E que atos tão simples como beber um café com o colega ou dizer “bom dia” à empregada do supermercado só lhe vão melhorar a vida.

Na sua investigação analisou vários estudos sobre a solidão. Qual deles destacaria?

Há tanta coisa... Por exemplo, nas prisões japonesas o grupo etário com maior crescimento é acima de 65 anos. Quando os investigadores foram perceber o porquê, descobriram que uma grande percentagem destas pessoas estava a cometer pequenos crimes intencionalmente, como assaltar lojas, para serem presas porque se sentiam sozinhas. A prisão era o único local onde teriam companhia. Outra coisa que me levou a batizar o que acontece como a economia da solidão é o surgimento de uma economia de serviços e produtos para entregar ligações. Experimentei alguns.

Quais?

Aluguei uma amiga em Nova Iorque, a Brittany, em 2019. Foi fascinante perceber que se podia alugar amigos e no site onde a encontrei havia mais de 600 amigos para alugar. Foi estranho porque durante aquelas horas foi fácil esquecer-me e fazer de conta que não lhe estava a pagar à hora. Bebemos chá matcha juntas, fomos a uma livraria, fomos a uma loja experimentar chapéus e só quando ela me diz – “o tempo acabou, são 120 dólares [105 euros]” – é que me lembrei que estava a pagar pela amizade dela. Conversei com ela sobre os seus outros clientes e ela contou-me que eram sobretudo pessoas entre os 30 e os 40 anos, profissionais da área das finanças, que se mudaram para Manhattan e que trabalhavam tantas horas que não tinham tempo para fazer amigos. Outra experiência foi concorrer a um emprego, em recursos humanos, e ter como entrevistador um computador.

Como foi?

Falava para um ecrã, recebia perguntas e tinha de responder e não sabia o que estava a acontecer. Ninguém me dava pistas. Estava a ser julgada por um computador que analisava o meu

tom de voz, quantas vezes piscava os olhos, os meus movimentos faciais e o emprego era decidido por isso. Achei muito irónico ser um lugar em recursos humanos… Não consegui o lugar e nunca saberei porquê. Estes algoritmos estão a ficar populares e avaliam centenas de candidatos. Outra indústria que está a crescer é a dos abraçadores profissionais, com a pandemia terá mudado, mas assim que as pessoas se sentirem seguras novamente, deve aumentar. Acho que o mercado pode ter um papel nisto mas espero que, como sociedade, tenhamos a vontade de lidar com as raízes da solidão, pois o preço de não o fazer será alto.

Estabelece uma relação entre a solidão e o crescimento do populismo. Porquê?

Descobri isso por acaso quando estava a pesquisar o aumento do populismo e não esperava que a solidão fosse um fator. Estava no meu papel de economista e procurava os fatores económicos, mas o que descobri é que os fatores emocionais são a chave no meio disto tudo. Entrevistei populistas de direita em todo o mundo – EUA, Alemanha, França e Itália – e ao investigar a literatura que existe sobre o tema percebi que eram solitários de três formas diferentes. Primeiro, tipicamente tinham menos amigos do que as outras pessoas e redes de apoio muito pequenas ou inexistentes.

Estamos a falar de duas ou três pessoas?

Nos EUA, os eleitores de Trump diziam muito mais vezes que só podiam contar com eles próprios, mais do que os que votaram em Clinton e mais até que outros republicanos que votaram em Ted Cruz. Em segundo lugar, sentem-se completamente desligados do governo, do Estado, e dos cidadãos. A solidão é quando as pessoas se sentem invisíveis, que não são ouvidas nem tidas em consideração. O que eles encon

“Os solitários têm 60% mais probabilidade de ter demência e mais 27% de ter um ataque de coração”

tram no populismo de direita é um sentido de comunidade, com os comícios e jantares e com os líderes usam muito a retórica da comunidade e do “nós” de que eles são os excluídos. Em terceiro, existe uma característica das pessoas solitárias que é ver o mundo de forma mais hostil, como um sítio mais perigoso, e de ver os que são de fora como mais ameaçadores. Quando se pensa no crescimento destas pessoas sozinhas em células, olhamos para o perfil de quem invadiu o Capitólio e são solitários. Os grupos de pessoas solitárias são propensas à violência.

A solidão influencia a saúde mental mas também a física?

Sim. Pode ser surpreendente, mas é muito mau para a saúde física, é tão prejudicial como fumar 14 cigarros por dia. Isso acontece devido à forma como o nosso corpo se desenvolveu, no ADN estão as relações sociais. Nunca fomos criados para estar muito tempo sós e isolados.

Estar com os outros sempre significou estar seguro, desde os tempos pré-históricos em que caçávamos e vivíamos com os outros por proteção. Quando estamos sós a pressão arterial sobe, os níveis de cortisol sobem, os níveis de stress aumentam, tudo a sinalizar: “Não fiques assim, vai encontrar outras pessoas.” Na vida contemporânea ficamos tanto tempo sós, que estamos constantemente em alerta, com a pressão arterial alta, e isso é prejudicial. É como conduzires um carro durante imenso tempo sempre com a primeira mudança. Os solitários têm 60% mais probabilidade de ter demência e mais 27% de probabilidade de ter um ataque de coração, por exemplo. O que é mais preocupante é que mesmo períodos curtos de solidão têm um efeito a longo prazo. Uma pesquisa, que refiro no livro, revelou que mesmo em períodos de menos de dois anos, por exemplo alguém que se mudou para uma nova cidade, essa solidão afetava a esperança de vida. Tendo em conta a pandemia, há de certeza consequências e o impacto na saúde fica. Os governos têm de pensar nisso e devem, por exemplo, criar infraestruturas para a comunidade: parques, clubes, etc.

A solidão tem impacto nas empresas?

Sim. Antes da pandemia, a solidão já era um problema com 40% dos trabalhadores a sentirem-se sós. Porque é que isto é importante para os negócios? Porque quando isso acontece as pessoas são menos produtivas, menos motivadas, menos eficientes e é mais provável que se despeçam. Aliás, se não se tiver um amigo no emprego é sete vezes menos provável que se esteja envolvido e dedicado ao trabalho. A solidão tem um impacto enorme e é fácil de resolver.

Como?

De inúmeras formas. Por exemplo, se calhar em Portugal isto já é normal, mas não era em Inglaterra: almoçar com os colegas.

Sim. Também bebemos muitos cafés juntos.

Então estão no bom caminho. Quantinham do pensamos regressar ao escritório, depois dos confinamentos, pode haver a tentação de cortar custos e manter todos em casa, mas temos de estar conscientes de que estes momentos – quando as pessoas bebem café ou almoçam – têm um papel essencial para que os trabalhadores se sintam integrados. Talvez não seja necessário cinco dias por semana, mas os estudos revelam que é preciso três dias por semana no escritório para se criar uma relação entre a equipa. Outra coisa importante é fazer com que o trabalhador se sinta valorizado. A Cisco criou um programa que adoro: qualquer pessoa pode nomear colegas que foram úteis e que os ajudaram, e essa pessoa pode receber uma recompensa monetária entre 100 a 10 mil dólares [87 a 8 mil euros]. É uma forma de a empresa valorizar a gratidão.

Qual é o maior mito da solidão?

Achar que escolher passar tempo sozinho é o mesmo que solidão. Não é. Na solidão há uma necessidade de ser ouvido, de ter uma relação. Outro mito é que isto só afeta os idosos – claro que também há um problema com idosos –, mas os mais sós são os jovens com menos de 25 anos. Em 2000, 10% dos alunos do ensino secundário diziam sentir-se sós, em 2015 passou para 20%. Foi nas minhas aulas que me apercebi que cada vez mais alunos me confidenciavam sentirem-se sós. E comecei a observar quando lhes dava trabalhos de grupo, que muitos

dificuldade na interação social. Nunca tinha visto isso antes. Esta geração foi a que migrou mais rapidamente e mais cedo para os telemóveis e para as redes sociais que são a sua forma de comunicação primordial.

Isso contribui para a solidão?

As empresas de redes sociais são as tabaqueiras do século XXI e têm de ser reguladas, estão a provocar danos à nossa democracia e à saúde mental. As conversas nas redes sociais são o equivalente à fast food das relações – são viciantes, consomem-se em grande quantidade, mas não se sente satisfeito. Depois há muito bullying nas redes sociais, 65% dos estudantes britânicos sofreram abusos. Também dá uma visão distorcida da realidade, onde só vês o melhor e só te fazem pensar que todos são mais populares e têm uma vida muito mais interessante. Quando o Mark Zuckerberg nos vende o metaverso é uma coisa distópica, se a esperança dele é que sejamos avatares a relacionar-nos num espaço virtual, temo que fiquemos ainda mais solitários.

Porquê?

É muito importante preservar a relação cara a cara. Uma microinteração de 10 a 30 segundos com outra pessoa, por exemplo com a senhora do café, na mercearia, o “bom dia” no elevador, faz com que as pessoas se sintam menos isoladas. Além disso, nestas pequenas interações treinamos as bases da democracia: a reciprocidade, a civilidade, o pensar nos outros e não apenas em nós. É quando se está no supermercado e se ajuda a idosa que quer chegar à prateleira de cima para alcançar à compota, ou quando se entra no estúdio de ioga e se pensa onde colocar o colchão para não bater em ninguém – são alturas em que se praticam as capacidades que são a base da democracia inclusiva. Se nos acostumarmos a uma vida contactless, a tratar tudo sem contacto, só pela Internet, há o perigo de estarmos a trocar a capacidade de nos relacionarmos com o outro por conveniência e conforto. ●

Sumário

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