Cofina

Livros

Depois de uma vida dedicada à moda, Douglas Stuart dedicou-se por inteiro à escrita, a Shuggie Bain, um romance que escrevia há mais de 10 anos. A estreia valeu-lhe o Booker Prize.

Por André Santos

Falámos com Douglas Stuart, cujo romance de estreia foi Booker Prize

ENTREVISTA DOUGLAS STUART

Começamos no início dos anos 90 apenas para mostrar onde está a personagem que dá título ao romance. Poucas páginas à frente, salto para trás, década de 80 e entra-se na vida da mãe de Shuggie, Agnes, e na classe trabalhadora de Glasgow. A escrita de Douglas Stuart é direta, dura e sem adornos. As coisas são como são e as imagens que cria produzem uma imersão rara. Estivemos à conversa com o escritor, vencedor do Booker Prize de 2020, em Lisboa.

Tudo isto é novo para si?

Muito novo. Estou muito feliz por conhecer pessoas e sentir-me humano novamente. Mas sim, é tudo novo.

Publicou a sua primeira história na New Yorker em janeiro de 2020, pouco depois publicou o primeiro romance. Depois ganha o Booker Prize. Num ano de pandemia, deve ter sido intenso.

Foi tudo inesperado. Quando o meu primeiro conto foi publicado, já escrevia há muito tempo. Eu tinha muitas esperanças para o Shuggie Bain, sonhei com esse momento, finalmente o livro foi publicado e na semana seguinte todas as livrarias fecharam. Foi uma lição sobre deixar as coisas acontecerem. Todas as minhas digressões foram canceladas.

Mas estava a ter boas críticas.

Sim, mas isso não interessa se as pessoas não conseguem encontrar o livro. Falou-se muito sobre venderem-se muitos livros durante a pandemia, mas foi para pessoas já estabelecidas. Nos Estados Unidos, um romance de estreia, passado na Escócia, era difícil de vender.

Como foi para si crescer num momento de mudança em Glasgow?

Tive sorte. O meu irmão teve uma experiência diferente da minha, temos 12 anos de diferença, ele entrou dentro do siste- Q

Q ma, foi engolido pelo sistema industrial. Eu percebi que isso não ia funcionar para mim. Não sabia o que ia fazer, mas não ia para as minas, para a construção de navios – o meu irmão não conseguiu fugir disso. O que eu queria mostrar no meu romance é que não é uma história de uma família, mas de muitas famílias, que passaram um mau momento, desemprego, vício… Respondendo à questão, eu sabia que o ambiente em que cresci não ia funcionar para mim. Se tivesse funcionado, ótimo, não teria de ter ido para o outro lado do mundo. Mas ficar lá não ia funcionar, fui suficientemente esperto para reconhecer isso.

É muito direto na sua escrita. A forma como descreve lugares, ações, pessoas, não deixam lugar para a imaginação: são diretos, não há tretas. É como é. Esse tom é algo que lhe está na pele? As pessoas de Glasgow são muito diretas, não se permitem falinhas mansas ou falsidade. Tem de se dizer como é e dizê-lo claramente. Eu queria escrever assim, digo muitas vezes que o romance é uma história de amor sobre a cidade, e isso é reconhecido, porque reconhecem a honestidade. Quem não conhece pensa que estou a dizer que é terrível, mas não é. A verdade é que aquele período foi terrível para certas famílias.

Incomoda-o que algumas pessoas considerem que o livro é autobiográfico?

Não, de todo. Penso que há uma vontade de me colocar a mim e à minha experiência no livro, mas digo sempre: fui pobre, perdi a minha mãe, etc. Mas se as pessoas querem pensar em mim como alguém que foi violado por um taxista, isso é um problema das pessoas. Não vou andar a dizer que isto aconteceu ou não aconteceu.

Durante os anos que escreveu Shuggie Bain alguma coisa que mudou?

Houve períodos em que não escrevia. Mas mudei… desde o otimismo dos meus 30 até ao realismo dos 40. Isso influenciou o livro. Mas uma coisa que me influenciou foi a empatia. No início tinha muito do Shuggie e do que lhe acontecia, mas queria tirá-lo da narrativa. Quando as outras personagens surgiram, percebi que a história era bem mais complexa. Tive de voltar atrás… Sabes, os homens também foram magoados: obrigámo-los a fazerem estes trabalhos perigosos, nunca lhes perguntámos se eram felizes. E isso levou-os a tornarem-se alcoólicos, abusadores. E depois culpamos os homens por tudo, obrigamo-los a fazer tudo (coisas horríveis), mas depois dizemos-lhes que são terríveis, que não valem nada. Há muita dor aí. Assim que o percebi, muito mudou. Isso sou eu a amadurecer.

Sente-se orgulhoso do Booker Prize?

Incrivelmente orgulhoso. Eu sei, é suposto ser humilde sobre isto. Mas está para lá dos meus sonhos. W

O meu irmão teve uma experiência diferente da minha em Glasgow. Ele foi engolido pelo sistema industrial, eu percebi que isso não ia funcionar para mim

Sumário

pt-pt

2021-09-23T07:00:00.0000000Z

2021-09-23T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283270280921774

Cofina