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HÁ UMA ALDEIA VIRTUAL ONDE SE JUNTAM MULHERES DIVORCIADAS

Todas as semanas, via Zoom, um grupo de mulheres partilha traumas, dúvidas mas também muitas gargalhadas sobre como foi o fim das relações.

Por Andreia Costa

Todas as semanas, via Zoom, fazem uma espécie de terapia de grupo em que partilham traumas e dúvidas, mas também já marcam encontros. Marta Moncacha é a mentora

Nesta Aldeia as casas estão separadas por muitos quilómetros – vão de Chaves a Lisboa, do Caramulo ao Rio de Janeiro. Mas todas as quintas-feiras, por volta das 21h30, as distâncias encurtam-se. Marta Moncacha é a arquiteta deste projeto, descrito como “rede de acolhimento para mulheres que lidam com o divórcio”. Desde que as sessões começaram, em abril, todos os meses o número de inscrições aumenta. Começaram com 10, já são 33. A cada semana, a assistente social vai moderando o diálogo – no Zoom – para que as novas aldeãs (assim se chamam as participantes) possam apresentar-se e para que haja tempo para as mais antigas poderem intervir. Nem todas querem falar. Há quem precise sobretudo de ouvir. Ou então de ganhar coragem para contar a sua história.

Foi o caso de Catarina. Inscreveu-se em julho mas só na primeira sessão de setembro teve vontade de falar. “Eu traí o meu marido” – foi, provavelmente, a frase que mais lhe custou verbalizar. Depois de explicar

“A NOSSA SEPARAÇÃO É INCÓMODA PARA OS OUTROS, QUE DEIXAM DE TER AQUELE CASAL AMIGO NAS SUAS VIDAS”

o que levou a sua relação de 18 anos àquele ponto, Catarina desabafou: “Não posso queixar-me. As pessoas respondem-me: ‘Então, não foste tu que quiseste isto?’”

A incompreensão é um fator comum a todas as histórias. Quem nunca passou por um divórcio, não sabe o que dizer a quem está no meio desse processo – ou então diz coisas sem tato como “está na altura de seguires em frente”. Há amigos que se perdem pelo caminho mas, para Alice, isso não quer necessariamente dizer que não estejam preocupados ou que já não queiram manter o contacto. “Acho que às vezes não sabem muito bem lidar com isso. A nossa separação é incómoda para os outros, eles próprios também perdem alguma coisa, deixam de ter aquele casal amigo nas suas vidas.”

Foi igualmente graças a Alice que a

Aldeia nasceu. Em fevereiro começou a fazer sessões individuais com Marta Moncacha. “Há uma pergunta que surge sempre: Que pessoas há nos teus contactos que podem ajudar? Acredito muito nessa tal rede que tem de existir e disse à Marta que devia haver um espaço de entreajuda, onde pudéssemos mostrar fragilidades”, recorda. Alice não era a única a sentir esta necessidade e, depois de outras mulheres sugerirem o mesmo, Marta Moncacha lançou-se no Zoom.

Divorce coach

Para chegarmos até aqui, é preciso refazer o percurso da própria Marta Moncacha. Casou-se aos 26, teve o primeiro filho aos 27, era assistente social numa câmara municipal, geria uma carreira e uma vida familiar (teve entretanto mais dois filhos).

Tudo corria como era suposto. “A partir de determinada fase comecei a sentir-me infeliz sem nenhuma razão aparente. Fui atribuindo essa tristeza ao trabalho e aí decidi fazer psicoterapia”, recorda à SÁBADO.

Foram precisas semanas para perceber que o problema era o casamento de 10 anos. Divorciou-se e voltou a escrever. “Estávamos no boom da blogosfera, criei o Dolce Far Niente para desabafar. Comecei a perceber que havia mulheres que se identificavam com a minha história e que o que eu dizia podia ter algum interesse.” Paralelamente sentiu que precisava de algumas ferramentas – fez uma pós-graduação em Mediação de Conflitos com especialização

“EU TRABALHO O DIVÓRCIO, MAS SOU FÃ DO CASAMENTO, POR ISSO É QUE CASEI UMA SEGUNDA VEZ”

Marta

Moncacha escreveu Divórcio Positivo — Guia de Sobrevivência Para Lidar Com o Fim de Uma Relação, em 2020. No Facebook, criou um grupo com o mesmo nome

em Mediação Familiar. Seguiu-se outra, desta vez em Parentalidade e Educação Positivas.

Na altura já tinha um quarto filho, fruto do segundo casamento, e uma família numerosa para organizar. “Foi aí que se fez o click. Lembro-me de estar numa aula e de pensar que, se juntasse a minha experiência de 20 anos como assistente social, à mediação familiar e à parentalidade positiva, se calhar podia fazer alguma coisa nesta área.” Atualmente, com mais uma certificação, podem chamar-lhe divorce coach, é esse o termo técnico. “Eu trabalho o divórcio mas sou fã do casamento, por isso é que casei uma segunda vez. Acho que tudo é legítimo para salvar um casamento, mas às vezes há sinais muito óbvios de que a coisa já faliu”, explica Marta Moncacha. Exemplo disso foi uma mulher que acompanhou e que nunca mais esqueceu. “Tocou-me profundamente porque me disse que só depois da sua separação é que se tinha sentado pela primeira vez no sofá da sala.”

Há quem tenha decidido separar-se e luta com a culpa de estar a magoar aquele que foi parceiro, amante, melhor amigo durante anos; há quem tenha batalhas judiciais penosas a decorrer em tribunal; há quem tenha visto o amor da sua vida sair pela porta de casa sem dar explicações; houve até uma mulher que se inscreveu, ainda casada, em busca de algo que nem a própria sabia bem explicar, talvez tentando entender se o caminho seria separar-se ou não.

Na Aldeia há lugar para todos e saltou do virtual para o real. Há também um grupo de WhatsApp que nunca tem descanso. Lá desabafa-se, tiram-se dúvidas, partilham-se momentos felizes e combinam-se jantares, idas ao cinema ou piqueniques com os filhos. E não só. “Numa das sessões percebi que algumas mulheres não tinham qualquer rede de apoio. Pensei: vamos todas dizer onde moramos porque pode ser preciso alguém ficar com os miúdos, fazer uma sopa”, conta Maria. Acabou por ser ela a primeira. Poucos dias depois ficou em isolamento profilático, mas rapidamente lhe apareceu à porta um bolo feito por outra aldeã. W

Sumário

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2021-09-23T07:00:00.0000000Z

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