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Lisboa é uma República soberana

HÁ UNS ANOS, ALGUÉM PERGUNTOU AO ATOR KEANU REEVES O QUE É QUE O MANTINHA

Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

com os “pés na terra”, ou seja, como se diz por cá, “tão terra a terra”, ao contrário, presume-se, do estereótipo da estrela de Hollywood. O ator respondeu: a gravidade. Por vezes, aquilo que consideramos como fenómeno extremamente complexo e fora do nosso alcance de entendimento tem, na origem, uma prosaica explicação, como, por exemplo, a deslocalização do Tribunal Constitucional de Lisboa para Coimbra.

Em duas linhas, na declaração de voto contra o sentido do parecer da maioria dos juízes, o professor Manuel da Costa Andrade, hoje juiz do TC, sintetizou o que verdadeiramente parece estar em causa: “Todos os juízes do tribunal que moram em Lisboa pronunciaram-se contra a transferência; enquanto isto, todos os que votaram a favor da transferência residem fora de Lisboa, mais precisamente em Braga, Porto e Coimbra. Aliquid novum sub sole?” Sim, já não há mesmo nada de novo debaixo do Sol.

Os 10 a favor bem se esforçaram, como alguns de nós o fazíamos nos testes de Filosofia do 10º e do 11º anos. O objetivo, como bem se recordam, era encher as folhas, nada de espaços em branco, sinal de falta de estudo ou completo alheamento da matéria. Ora, o que não custa a um jurista, ainda por cima juiz constitucional, é encher páginas e páginas de argumentos a favor da sua posição.

Habituados a discorrer centenas de carateres sobre tudo e até sobre o nada – que, em Direito, precisa de ser fundamentado – 10 juízes do Constitucional esmeraram-se num longo parecer contra a mudança para Coimbra. “A transferência da sede do TC para fora da capital não constituiu uma medida de descentralização no sentido jurídico-administrativo rigoroso do termo”; “O Tribunal Constitucional apresenta uma individualidade institucional marcada pela especificidade das atribuições que lhe são cometidas no domínio da fiscalização da constitucionalidade das leis e da defesa do Estado de direito”; A Constituição confia ao Tribunal Constitucional “a missão específica de intérprete supremo na lei fundamental e garante da força normativa das suas disposições”. A mudança para Coimbra equivale a “tratar um órgão de soberania com lugar cimeiro na Constituição como mero instrumento de prossecução de políticas públicas de ‘deslocalização’, sacrificando-se irremediavelmente o valor simbólico inerente à presença dos poderes do Estado, na sua esfera e especificidades próprias, na capital do País”.

Em linguagem futebolística, os 10 juízes que se pronunciaram contra a mudança colocaram “toda a carne no assador”. Nada de novo (uma citação em Latim é suficiente). Foi assim com o Infarmed, recordam-se? Se nem uma Agência Pública se consegue tirar de Lisboa, acham que o Tribunal Constitucional vai mesmo para Coimbra? Pelo sim, pelo não, António Costa já foi lá, durante a campanha autárquica, prometer uma maternidade.

A moral destes episódios é simples: nada pode sair de Lisboa, até porque, como reconheceram os juízes do Constitucional, há uma tradição centralista. O melhor, e ficam aqui as propostas, é deslocalizar tudo o que esteja fora para dentro de Lisboa. Por exemplo, na tradição centralista, não faz sentido o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto estar dividido entre Peso da Régua e o Porto. Em Lisboa, ficaria muito melhor, seria mais produtivo, acompanharia de perto todo o progresso. O Castelo de Melgaço bem que também poderia ser desmoralizado para Lisboa. Do lado de lá, já não existe ameaça, apenas sã confraternização. E, como toda a gente sabe, os turistas estão em Lisboa. O mesmo se pode aplicar ao Forte de Nossa Senhora da Graça, em Elvas.

Mas, para que tudo fique constitucionalizado, convém operar uma cirúrgica revisão constitucional . Basta no Artigo 1º: “Lisboa é uma República soberana...” W

Crónica

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2021-09-23T07:00:00.0000000Z

2021-09-23T07:00:00.0000000Z

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