Cofina

QUE VOLTOU PARA ABALAR O SISTEMA

Esteve 10 anos tomar magistratura. fora da para voltar confinamento e pediu contra o antes de ser posições públicas de um mês em funções menos a ser juiz. Esteve provocar não parou de suspenso e ainda polémicas.

Margarida Davim Por

Até há pouco tempo Rui Fonseca e Castro era um perfeito desconhecido em Vila Nova de Milfontes, para onde se mudou depois de voltar à magistratura. Tanto que, depois de insistir em entrar sem máscara no centro de saúde local, um idoso que assistia à discussão gerada com uma funcionária comentou. “Já parece o juiz de Odemira.” E era. Só que ninguém o conhecia.

Na verdade, o agora famoso “juiz de Odemira” pouco parou por lá. Tomou posse a 2 de março deste ano e dias depois anunciou que ia sair para ir buscar a mulher, a alemã Isabel Stodden, que estava em Nuremberga. “Tomou posse e foi-se embora nesse dia”, conta uma advogada de Odemira. A ausência valeu-lhe as faltas injustificadas que desencadearam o processo disciplinar que deve ter decisão final no dia 7 de outubro, no próximo plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM).

Uma vida de mala às costas

Rui tem passado a vida de mala às costas. Nasceu em Luanda dois dias antes da Revolução dos Cravos, mas já fez o liceu na Penha de França, em Lisboa, na Escola Secundária Patrício Prazeres. Ser um filho de Abril não o fez, porém, olhar com entusiasmo para os capitães que derrubaram a ditadura. “Agora parecem uns bonacheirões. Convém lembrar que foram eles, entre outros, quem tentou instalar um regime comunista totalitário em Portugal, culminando com o 25 de Novembro de 1975”, escreveu no Facebook no 25 de Abril de 2016, sobre uma imagem de Otelo Saraiva de Carvalho e de Vasco Lourenço.

Estudou na Universidade de Lisboa, mas pouco depois de acabar o curso de formação de juízes, no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), já estava de partida para o Nordeste, em São Miguel, nos Açores. Nos cinco anos em que foi juiz, trabalhou em Lisboa, no Barreiro e em Oeiras, até conhecer uma brasileira que o fez mudar de vida. Largou tudo. Pediu uma licença sem vencimento e passou a trabalhar como advogado entre Portugal e o Brasil. Mas a vida voltou a trocar-lhe as voltas e cinco anos depois já estava apaixonado por Isabel Stodden, uma alemã, com quem chegou a viver em Nuremberga, antes de decidir regressar a Portugal e à magistratura.

Foi para ir buscar Isabel que o juiz faltou ao trabalho. Quem assistiu à tomada de posse garante que “saiu à pressa”, explicando ter de ir buscar a mulher. A explicação causou estranheza, porque tinha sido Rui Fonseca e Castro a indicar a data de regresso ao serviço.

Insultos a membros do Conselho Superior da Magistratura e provocações à PSP já terão de constar num novo processo

COMEÇOU POR SER UM JOVEM TÍMIDO E POUCO SOCIÁVEL. LARGOU TUDO DEPOIS DE CONHECER UMA BRASILEIRA

Fonseca e Castro alegou ter ficado retido para cumprir quarentena na Alemanha, mas quando regressou os comportamentos que teve vieram engrossar a matéria para o processo disciplinar. Gravou vídeos na escadaria do tribunal e até dentro do gabinete de juiz, apelando à desobediência às regras de confinamento, numa violação do dever de reserva a que estão sujeitos os magistrados. E interrompeu um julgamento, quando um magistrado do Ministério Público e um funcionário judicial se recusaram a retirar as máscaras durante a audiência. Foi a gota de água que levou à suspensão preventiva por seis meses.

Na verdade, nas três semanas que esteve em funções no Tribunal de Odemira, Rui Fonseca e Castro pouco mais fez do que o interrogatório a um arguido preso. “Esteve poucos dias”, justifica uma advogada de Odemira. Nesses poucos dias, foi “de trato muito afável” com os funcionários, mas não despachou o muito trabalho acumulado naquela comarca pela baixa médica da ma

TOMOU POSSE SAIU COMO JUIZ E À PRESSA PARA IR BUSCAR A MULHER À ALEMANHA. A QUARENTENA A FALTAS LEVOU INJUSTIFICADAS

NO INÍCIO DA CARREIRA COMO JUIZ NÃO DAVA NAS VISTAS. COMO ADVOGADO ERA “AGRESSIVO”

gistrada que veio substituir.

Quando chegou ao litoral alentejano, Fonseca e Castro não vestia a toga de juiz há 10 anos. A licença de longa duração tinha sido pedida em março de 2011, com validade até 2026. “Saiu e foi para o Brasil. Casou com uma brasileira”, conta um magistrado, explicando que até aí o colega pouco dava nas vistas, mas que a saída intempestiva causou estranheza. Em cinco anos na judicatura não houve nada em que se distinguisse.

Como a esmagadora maioria dos juízes teve “Bom” na primeira avaliação e no seu registo consta apenas um processo disciplinar por violação do dever de zelo, por causa do acumular de processos em atraso. Uma falha “comum”, segundo fontes do Conselho Superior da Magistratura. “Enquanto esteve ao serviço não demonstrou nada de anormal. Mesmo esse processo disciplinar não é nada que não aconteça a quem não tenha o trabalho em dia”, nota outro magistrado ouvido pela SÁBADO.

No Barreiro, onde foi juiz de instrução criminal, os colegas recordam um magistrado que “ia pouco ao tribunal” por causa das diligências nas comarcas e que “fazia pouco”. Se alguma coisa foi notada nesses tempos foi “uma timidez excessiva”.

No CEJ, onde se formam os juízes, também não se evidenciou. “Nunca tive notícia de comportamentos fora do normal. Era um tipo calado, de poucas falas”, conta um colega do 22º curso do CEJ. Só o bom aspeto físico fazia destacar o aluno mediano que ficou em 49º entre os 84 alunos que concluíram o curso em 2005. “Era bastante apreciado pelas colegas auditoras pela aparência. Estava no top dos mais giros”, recorda a mesma fonte, que diz que nem o sucesso entre as mulheres o fazia perder a timidez.

A mudança na personalidade fez-se notar nos anos que passou a exercer advocacia entre Portugal e o Brasil. Nas redes sociais começam a aparecer as fotografias em tronco nu, os retratos em que evidencia a boa forma física, as conversas distendidas com os amigos sobre saídas e os comentários elogiosos das seguidoras, a que responde em tom de brincadeira, sem entrar em jogos de sedução.

Com cédula ativa no Brasil

Cinco anos depois de chegar ao Rio de Janeiro, assume nas redes sociais a relação com Isabel Stodden, uma alemã que estudou Moda e Design em Hamburgo, com quem está casado desde 2017 e tornam-se frequentes as fotografias juntos e os comentários apaixonados. No Facebook, Rui Fonseca e Castro não se coíbe de mostrar a sua vida mais íntima. Partilha várias fotos com os filhos e com Isabel, com quem troca mensagens públicas de carinho ou pequenas brincadeiras de namorados.

Mas o lado mais romântico é só uma faceta. Rui exibe fotos de treinos das artes marciais que pratica (Jiu Jitsu e MMA) e revela até um humor negro, como quando partilha a imagem da roupa manchada com o sangue do adversário cujo ouvido

Q rebentou e só lamenta ter estreado o quimono branco novo na luta.

Depois de sair da magistratura, Fonseca e Castro especializou-se em crime e em processos relacionados com a imigração e até deu cursos online por Skype em Direito Processual Penal português. Andava entre Portugal – onde só cancelou a inscrição na Ordem dos Advogados um dia depois de tomar posse como juiz – e o Brasil, onde continua a aparecer como advogado com inscrição ativa e “situação regular”.

Nesses anos como advogado, as publicações sobre política no Facebook eram regulares, deixando claro o posicionamento à direita e até a defesa de Donald Trump. “Portugueses preocupados com as eleições americanas, eu vou encontrar-vos e agarrar-vos by the pussy”, escrevia em 2016 naquela rede social.

Mas na barra do tribunal também se notava uma atitude bem “mais agressiva” do que seria de esperar do “tímido” estudante do CEJ de que os colegas se lembram. “Como advogado já era uma personalidade muito complicada”, recorda quem com ele se cruzou num caso em que Rui Fonseca e Castro defendia um português que fugiu para o Brasil depois de ser constituído arguido por uma

Pedofilia

Como os conspirativos do QAnon americano, Castro faz várias vezes acusações de pedofilia a políticos

AS POSIÇÕES PÚBLICAS DE RUI FONSECA E CASTRO PODEM VIOLAR O DEVER DE RESERVA DOS JUÍZES

burla de milhões ao Montepio.

No julgamento, levantou incidentes de suspeição em relação a cada um dos juízes do coletivo. Num deles acusava um dos magistrados de estar a dormir nas sessões, noutro questionava os almoços entre juízes e procuradores. Nenhum teve provimento. “Eram coisas sem qualquer fundamento, manobras dilatórias com uma postura agressiva”, diz a mesma fonte que lhe notou “algumas características que não são normais na advocacia em Portugal, como a forma de se dirigir ao tribunal”, quando se cruzou com ele neste processo já em 2018.

Na altura, trabalhava com o irmão, Paulo Fonseca e Castro, que agora o representa no processo disciplinar como advogado. O escritório, com sede em Setúbal, apresenta-se como especialista em “soluções jurídicas para estrangeiros e imigração”, com a particularidade de todos os quatro sócios estarem inscritos em simultâneo na Ordem dos Advogados em Portugal e no Brasil. No caso de Rui, a inscrição foi feita na secção da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

A partir de 2020, a pandemia começa a ser um tema cada vez mais frequente nos posts no Facebook. Muitas das publicações acabariam por ser apagadas pela rede social por conterem informações consideradas falsas. “Como forma de contornar a censura comunista, descarada e vergonhosa do Facebook, acabou de ser criado um grupo no Telegram onde passaremos também a partilhar todas as nossas publicações, podendo as mesmas depois ser livremente partilhadas para fora do grupo por todos os membros”, escreveu em dezembro de 2020.

À procura de protagonismo

A presença de Rui Fonseca e Castro nas redes sociais espalha-se por vários fóruns. Além de duas páginas pessoais no Facebook (uma delas como advogado) e uma no Instagram menos política (com fotos de paisagens e gatos), criou a página Juristas pela Verdade para falar do que diz ser a “fraudemia”, a página Habeas Corpus, Advogado Gratuito (onde dá aconselhamento jurídico e partilha minutas para justificar o incumprimento de regras sanitárias que considera ilegais), tem um canal de YouTube

e partilha vídeos no Telegram. Há ainda a página Somos todos Rui Castro, que já ultrapassa os nove mil seguidores.

“Quer protagonismo e agitar o sistema”, diz um procurador ouvido pela SÁBADO, que frisa a forma como Rui Fonseca e Castro foi “suspenso em tempo recorde” apenas três semanas depois de voltar a ser juiz. São vários os juízes e magistrados com esta convicção, sustentada no crescendo de provocação nos vídeos, onde chega a apelar ao suicídio do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a quem acusa de ser pedófilo.

De resto, se no início as publicações eram essencialmente sobre a pandemia, nos vídeos mais recentes já há um discurso antissistema e anticorrupção. “É muita coisa em pouco tempo e em catadupa”, nota um juiz. “Tem vontade de se evidenciar e de cavalgar esta onda. Pode estar a alargar o número de seguidores. As pessoas olham-no como líder”, comenta outro magistrado.

Numa manifestação de negacionistas em Santa Maria da Feira, o juiz foi aclamado e respondeu com um discurso político. "Se outrora

OS PAIS DE RUIE PAULO VIERAM DE ANGOLA DEPOIS DO 25 DE ABRIL. O JUIZ NAO ESCONDE O PENSAMENTO POLITICO DE DIRETA

era a liberdade de um povo que estava em jogo face ao domínio de uma potência estrangeira denominada Reino de Leão e Castela, hoje é a liberdade do mesmo povo ameaçada por uma política sistemática de supressão de direitos fundamentais e pela inexistência de uma Justiça independente que puna os corruptos e que nos defenda das arbitrariedades do poder", disse.

A página de apoio a Rui Castro serve, por exemplo, para dar uma ideia da suposta projeção internacional

SE NÃO FOR EXPULSO OU PEDIR LICENÇA, O JUIZ NÃO PODERÁ TER QUALQUER ATIVIDADE POLÍTICA OU PARTIDÁRIA

que “o juiz”, como se lhe referem sempre as publicações, tem em entrevistas como a que deu ao canal espanhol El Toro TV ou nos vídeos em que aparece a provocar agentes da PSP à porta do Conselho Superior da Magistratura, que são partilhados por sites negacionistas dos Estados Unidos, França e Alemanha.

Por cá, Fonseca e Castro tem sido presença regular no podcast de Diogo Bronze, um dos fundadores do Chega. No Bronzepodcast, o juiz aparece a falar de temas jurídicos, mas o espaço é muitas vezes palco para as posições ultraconservadoras de Diogo Bronze, que estudou Teologia na Católica e esteve na fundação do partido de André Ventura, que conheceu na residência de estudantes de São Nicolau, onde o líder do Chega morava. Apesar dessa participação, Rui Castro tem algumas publicações no Facebook – mais antigas – nas quais, de forma jocosa, defende o ateísmo por comparação com os fanatismos religiosos que estão na origem de atentados.

Na magistratura não falta quem ache que “está a fazer todos os esforços para ser demitido, desde o princípio, porque enquanto for juiz não pode fazer parte de um movimento político” e essa é uma ambição que muitos lhe adivinham. Manuel Ramos Soares, da Associação Sindical dos Juízes, diz mesmo que “não há dúvida de que a expulsão é a sanção disciplinar adequada” ao comportamento demonstrado por Rui Castro desde que pediu o reingresso na magistratura.

Contactados pela SÁBADO, nem Rui Castro nem o irmão Paulo Fonseca e Castro estiveram disponíveis para fazer qualquer comentário. W

Destaque

pt-pt

2021-09-23T07:00:00.0000000Z

2021-09-23T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282192244130478

Cofina