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Autárquicas, a bazuca do PS

Eduardo Dâmaso

As eleições autárquicas de domingo vão ficar para a história política por duas coisas: vão dar mais uma vitória a António Costa e vão consagrá-lo como o homem da bazuca. Elas próprias, vão ficar conhecidas como as autárquicas da bazuca.

Como há muito se adivinhava, o PS transformou a distribuição destes milhões da Europa na arma mais letal que conhecemos em quase 50 anos de democracia. Cavaco Silva, é certo, foi pioneiro na instrumentalização dos fundos comunitários e ganhou duas maiorias absolutas com o dinheiro da Europa. Chegou ao ponto de fazer uma campanha em que afirmava que, sem ele, as famílias não manteriam robustos padrões de consumo, não conseguindo comprar frigoríficos e vídeos.

António Costa já não precisa de chegar a tal nível de demagogia política. Tem obras socialmente muito mais relevantes para distribuir e, por isso, apresenta-se em cada concelho, qual feirante de atoalhados, a distribuir estradas, pontes, extensão do Metro, uma maternidade e tudo o mais que lhe aprouver.

O homem da bazuca, evocando o velho anedotário alentejano em torno do homem da cortiça, tem sido avassalador na generosidade dada aos candidatos do PS. Por sua vez, estes, dizem aos eleitores, com todas as letras, o que António Costa nem em sonhos deveria poder sugerir: votem no PS que é quem está mais próximo do Governo, quem tem relações privilegiadas com o primeiro-ministro.

Uns e outros, Governo e candidatos socialistas, têm transformado esta campanha eleitoral num imenso filme populista. Ao nível da mais pura mexicanização, que só o velho espírito do caciquismo universal poderia gerar. Assistimos a isto com o poder laranja no auge do cavaquismo, assistimos agora ao mesmo tipo de comportamentos políticos no auge do poder rosa, minoritário mas com uma influência em todo o xadrez do sistema político jamais vista. O poder rosa que, em 1995, pela voz de António Guterres, tinha prometido uma “rutura ética” face aos desmandos cavaquistas. Foi rapidamente para a gaveta!

Estas são as eleições autárquicas em que a bazuca europeia se está a transformar, tragicamente, no eixo central do sistema político e partidário. E, claro, na bazuca do PS. Não de Portugal, do PS. Com ela é possível determinar relações especiais de poder e uma hierarquia de privilégio na distribuição dos dinheiros. É possível fazer da promessa o mais potente motor do sistema porque, com tanto dinheiro, é facilmente cumprível. Pode reduzir-se o adversário a uma expressão quase irrelevante. O PSD vai sofrer as passas do Algarve para ter um resultado que não atire Rui Rio pela borda fora e o CDS vai ficar ainda mais à beira da extinção. Com a bazuca a arrasar os adversários clássicos do PS, mas também o PCP, que o é em eleições autárquicas, vejamos o que vai sobrar no dia seguinte: António Costa sempre mais forte; um PS autárquico imparável para os próximos anos; um Chega a conquistar o quarto lugar autárquico e a enraizar-se, enfraquecendo os partidos à esquerda e à direita; um sistema político e partidário muito mais doente e menos democrático, com os órgãos de fiscalização do Estado paralisados e sem estratégia ou respaldo público para fiscalizar a aplicação dos dinheiros de todos. Aqui chegados, não tenhamos dúvidas: a bazuca pode ajudar a salvar Portugal de uma crise, mas também vai degradar a qualidade da democracia.

E

O terrorismo não prescreve

As listas autárquicas do PS e do Bloco de Esquerda continuam a incorporar candidatos que integraram o grupo terrorista FP-25. Candidatos que foram julgados, condenados e que nunca se arrependeram dos atos praticados. Que ainda se consideram “presos polí

ticos” e continuam a beneficiar de uma das piores leis não escritas da sociedade portuguesa: a amnésia coletiva, criada a partir da cumplicidade de partidos estruturantes da democracia portuguesa, da falta de empenho na participação cívica e, com tudo isso, construindo uma insuportável impunidade.

O terrorismo, venha de onde vier, seja qual for a sua matriz ideológica, não pode ser tolerado. Não pode ser tolerado o esquecimento, a omissão institucional e política face aos crimes e aos seus autores, às vítimas e suas famílias.

Portugal teve o terrorismo da extrema-esquerda e da extrema-direita. Teve mortes por causa de um e de outro. Organizações como o ELP, MDLP e CODECO mataram com impunidade, tal como as FP-25, anos mais tarde, viriam a matar com a mesma impunidade e uma arrepiante gratuitidade. A que se soma um manto de cumplicidade em largos setores do espectro partidário.

Passados estes anos todos, o mínimo para um Estado de direito democrático passaria por impedir a perpetuação de uma narrativa quase heroica, que perpassa as declarações públicas de alguns dos terroristas. Passaria por exigir o arrependimento e pela criação de um código de ética política que, respeitando a memória das vítimas, impedisse a candidatura a lugares de eleição ou nomeação daqueles que nunca se distanciaram dos seus atos.

A pacificação de uma sociedade é uma das mais nobres razões de ser da política, mas jamais esse objetivo deve ser perseguido com concessões que atropelem os valores essenciais, onde evidentemente avulta o respeito pela vida. Em

Portugal, as vítimas do terrorismo foram esquecidas e, nos últimos anos, aviltadas, por esta sucessiva e inaceitável reabilitação política dos assassinos.

Quando o negacionismo passa a fascismo

O ataque a Ferro Rodrigues, quando almoçava tranquilamente com a mulher, não foi um episódio de chalupismo negacionista. Foi um ato de terror fascista e mafioso. Ouvindo o que ali foi gritado, tratou-se de uma manifestação fascista e mafiosa intolerável em democracia. O fascismo e a máfia é que “marcam” os seus adversários para os eliminar física e civilmente. O Ministério Público abriu inquérito, mas tem de agir depressa e bem. Dentro das regras do Processo Penal e da democracia, mas procurando uma solução robusta que funcione em sede de prevenção geral e especial contra este tipo de terrorismo.

O desprestígio de Coimbra

Considerar que Coimbra não tem prestígio suficiente para receber o Tribunal Constitucional também não é só chalupismo de alguns dos senhores juízes do TC. É uma arrogância mastodôntica e uma proclamação de inaceitável elitismo. Como bem escreve a juíza Mariana Canotilho, não há um único “centímetro quadrado de território da República que seja indigno de albergar o Tribunal”. Coimbra, por razões óbvias, que decorrem da altíssima qualidade da sua Universidade, da sua Faculdade de Direito, das muitas opções que pode ter ao nível dos edifícios adequados para esta descentralização, tem todas as condições para receber o TC. Discutir a oportunidade ou a substância de uma reforma de descentralização administrativa é uma coisa, outra, indigente, é desqualificá-la com o argumento de uma invisível superioridade qualquer de Lisboa pelo lado do prestígio. W

Do Diretor

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2021-09-23T07:00:00.0000000Z

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