QUANDO FALAMOS DO MESTRE SETE DE ESPADAS, TEMOS A TENDÊNCIA NATURAL DE IR BUSCAR DEPOIMENTOS E HISTÓRIAS REMOTAS, daquele tempo em que a vida era mais pausada e em que eram permitidas algumas “aventuras editoriais”, com revistas e jornais em grande número, numa ilusão de vida cultural que, no entanto, era reduzida e quase provinciana. Desta feita, escolhemos a visão de um detetive que apenas teve, imagine-se, um único contacto com o Sete de Espadas, mas nem por isso deixou de ser impressivo.

O Insp. Boavida é um dos nossos bons detetives, sempre no topo das classificações, mercê de uma qualidade de análise e dedução invulgar, a par de uma cultura geral muito acima da média e muito “mundo” percorrido.

Salvador Santos, o seu nome verdadeiro, é um homem da Arte Teatral, que foi assistente de produção, adjunto de diretor técnico e diretor de produção do Teatro Nacional

D. Maria II, entre 1985 e 2002. Foi também membro da direção do Coliseu do Porto, em representação do Ministério da Cultura e diretor de produção do evento Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Terminou a sua vida profissional como diretor-geral, vogal do Conselho de Administração e diretor de produção do Teatro Nacional São João (Porto), em 2015.

Figura de proa da cultura portuguesa, sentiu no Policiário um apelo irresistível e por cá se mantém, sempre com muitas iniciativas, no seu blogue Local do Crime, em localdocrime.blogspot.com, dirigidas à dedução e produção de enigmas e concursos de contos policiais.

Recentemente, publicou um livro, por nós noticiado, com os principais casos do seu mais famoso detetive, Smaluco, que teve prefácio de Gustavo Barosa, o também nosso confrade Zé.

INSP. FIDALGO

O INSP. BOAVIDA É UM DOS NOSSOS BONS DETETIVES, SEMPRE NO TOPO DAS CLASSIFICAÇÕES, MERCÊ DE UMA QUALIDADE DE ANÁLISE E DEDUÇÃO INVULGAR

O MEU PRIMEIRO CONTACTO COM SETE DE ESPADAS

Depoimento de: INSP. BOAVIDA

O meu primeiro e único contacto pessoal com o Sete de Espadas aconteceu já quase no limiar do fim da sua vida, em novembro de 2004. Foi num colóquio organizado pela Tertúlia Policiária do Norte (TPN), na cidade da Maia, em que ele foi um dos ilustres oradores convidados. E pude constatar que tudo o que tinha ouvido dos policiaristas que com ele conviveram nos tempos do Clube de Literatura Policial, das secções nas revistas Camarada, Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras ou de tantas outras publicações, assentava que nem uma luva no homem que tinha pela frente. Afável, divertido, sonhador, destemido, aventureiro e... humilde. É verdade, aquele que é unanimemente considerado como o maior divulgador do policiarismo entre nós, uma verda

deira “enciclopédia” e um “tratado” do seccionismo do “desporto mental” em Portugal, era um homem humilde.

Quando os membros da TPN o surpreenderam com uma singela homenagem antes de iniciar a sua comunicação, Sete de Espadas, visivelmente comovido, agradeceu a simpatia do reconhecimento e começou a desfiar as suas memórias, de um jeito tão natural e tão simples, como se a sua vida tivesse sido a mais banal, a mais comum, a mais normal dos mais simples mortais. Mas não. A sua vida foi uma verdadeira aventura, quase um sacerdócio, numa constante luta pela concretização dos sonhos que guiavam os seus dias. Houve alturas em que desanimou. Certo dia, cansou-se do policiário, afastou-se por um largo tempo e esteve 17 anos sem qualquer contacto sequer com a literatura policial. Mas não resistiu ao apelo dos amigos e ao “bichinho” do policiário e voltou com novo fôlego, ainda com mais vontade de ensinar... e de aprender com cada um dos seus seguidores, sobretudo com os mais jovens (sempre os mais jovens – o seu universo preferido).

Sete de Espadas cultivou amizades inabaláveis, formou e fidelizou leitores nas mais diversas publicações que criou e noutras com que colaborou, conquistou milhares e milhares de praticantes para o policiarismo, promoveu o gosto pela escrita e pela leitura junto de jovens de diferentes gerações, estimulou contistas e romancistas, divulgou os melhores autores e ensaístas do género policial, acompanhou a par e passo a evolução de decifradores e produtores – homens que ajudou a formar! Muitos deles grandes nomes da cultura, das artes, das letras, do desporto, da medicina e até da política. Alguns chegaram a ministros! Sete de Espadas nunca “denunciava” os seus nomes. Se eles usavam pseudónimo era esse o nome que contava. Mas, talvez sem querer, naquela manhã fria e soalheira de novembro, deixou escapar a identidade de alguns policiaristas que atingiram posição de relevo na sociedade portuguesa, como Matos Maia (ilustre homem da rádio), Luís Filipe

Costa (radialista, jornalista e realizador) ou Firmino Miguel (general do Exército e ministro da Defesa dos

I e II governos provisórios e dos I, II e III governos constitucionais do pós 25 de Abril de 1974), e outros ficaram por evocar pelo nome próprio.

Os nomes de batismo não são importantes na prática desta modalidade, que ainda hoje movimenta alguns milhares de homens e mulheres, quase todos seduzidos pelo notável trabalho realizado durante seis décadas por Sete de Espadas ou por um dos seus mais fiéis seguidores – Inspetor Fidalgo. O que conta são os pseudónimos. Também ele, Sete de Espadas, tinha nome de batismo, mas ninguém o tratava por nenhum dos que o compunham (Manuel José da Piedade Lattas). Era “o Sete isto”, “o Sete aquilo”, o Sete para aqui, o Sete para ali, e muito raramente se ouvia outro nome nas conversas com ele ou quando dele se falava. Aquele simpático e cativante homem de barbas brancas era Sete de Espadas desde o banco do liceu. Herdou-o da personagem de um livro e jamais o largou. E foi com esse nome que ele andou pelos mais variados jornais, revistas, livros, a promover o policiarismo, a literatura policial, o charadismo e as palavras cruzadas.

Como bem afirmou um dia o seu querido amigo Jartur, pesquisador apaixonado das relíquias com que se constrói a memória do policiário em Portugal, “a história desta atividade lúdica e cultural jamais se fará sem o nome e a obra de Sete de Espadas!” É justíssima, portanto, esta bonita homenagem que a secção Policiário da revista SÁBADO dedica ao velho Mestre, quando passam 100 anos sobre o seu nascimento. E, para quem tem a felicidade de acreditar na vida numa outra dimensão, o Sete estará neste momento muito feliz com este reconhecimento, com o mesmo olhar vivo e brilhante que lhe descortinei nesse longínquo dia de novembro de 2004, onde ele passou em revista quase 60 anos de vida dedicada ao policiário junto de alguns dos seus maiores amigos. INSPETOR BOAVIDA

AQUELE SIMPÁTICO E CATIVANTE HOMEM DE BARBAS BRANCAS ERA SETE DE ESPADAS DESDE O BANCO DO LICEU. HERDOU-O DA PERSONAGEM DE UM LIVRO E JAMAIS O LARGOU