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A VIDA DE RICARDO CARVALHO

A morar em Marselha, foi de lá que falou à SÁBADO da carreira, que incluiu FC Porto e Real Madrid

Por Pedro Ponte

“Os meus avós eram agricultores e cresci no meio do campo. Jogávamos com balizas improvisadas”

“Nos juniores do FC Porto, o Madjer dizia-me que só tinha de chutar para a frente. Mas eu gostava de sair a jogar”

Depois de uma carreira brilhante como jogador, com passagens por Real Madrid ou Chelsea, é adjunto de André Villas-Boas. Manteve-se em Marselha com a família após a saída do clube, pois os filhos andam na escola e “estão adaptados à cidade”.

Ganhou a Liga dos Campeões pelo FC Porto, foi campeão no Real Madrid e no Chelsea e triunfou com a seleção portuguesa no Euro 2016. Após uma carreira tão rica, desde julho de 2019 que é adjunto de André Villas-Boas. Em fevereiro deste ano, a equipa técnica do treinador português deixou o Marselha, mas Ricardo Carvalho continuou na cidade francesa. Foi de lá que falou com a SÁBADO.

Ambiciona ser treinador principal?

Por agora estou bem no papel de adjunto e é assim que quero evoluir.

Assim dedica-se mais à família?

Sim. É o André que manda na equipa técnica e eu tenho as minhas obrigações, no estudo dos adversários e nas bolas paradas, por exemplo. Assim tenho mais tempo para a minha família.

Como é que surgiu a hipótese de tirar o curso de treinador?

Enquanto jogador sempre me foquei só em jogar e foi assim até ao último ano, na China. Quando acabei a carreira, o Tiago Mendes ia tirar o curso e fui com ele. Até que surgiu o convite do André Villas-Boas, que foi meu treinador no Shanghai SIPG. Como não jogava com regularidade, por causa das regras dos jogadores estrangeiros, acabava por ajudá-lo mais no treino. Foi uma espécie de estágio.

A sua família está adaptada a Marselha?

Os meus filhos estão bem. O Rodrigo é defesa-central nos sub-16 do Marselha. Está contente no clube e adaptado à cidade. Está a cumprir o sonho de ser jogador e tento acompanhar o melhor possível, dando-lhe sempre liberdade para evoluir. A pressão é grande porque o pai foi um jogador reconhecido, mas digo-lhe sempre para não dar atenção a isso, porque eu, com a idade dele, ainda estava no Amarante e ele já está no Marselha.

Foi em Amarante que começou a jogar futebol?

Na aldeia de Telões. Os meus avós eram agricultores e, por isso, cresci no meio do campo. O meu maior prazer era jogar futebol com os meus vizinhos, sempre com umas balizas improvisadas. Mais tarde fui estudar para Amarante e comecei a jogar lá. Os treinadores viam que eu podia ir longe e surgiu a hipótese de ir para os juniores do FC Porto.

Os seus pais apoiaram a decisão de deixar Amarante?

Antes de ir para o FC Porto tive a possibilidade de ir jogar no Boavista, com 12 ou 13 anos, e a minha mãe não deixou, mas os meus pais apoiaram-me sempre. Tinha o sonho de jogar na equipa principal do FC Porto, mas no primeiro ano de sénior fui emprestado ao Leça.

E foi lá que marcou o primeiro golo da carreira.

Sim, frente à Académica. O míster Vítor Manuel deu-me a oportunidade de jogar na I Divisão, o que na altura, para um jovem, era muito difícil.

Apanhou a velha escola, mas também viveu o futebol mais moderno.

Sim, com os treinadores “à antiga” era mais complicado, o treino era muito físico, com muita corrida. Se me perguntares, claro que prefiro a escola moderna, virada para a parte tática, porque leio bem o jogo e tem mais a ver com o meu perfil. No FC Porto, o Madjer, que era o treinador dos juniores, dizia-me que eu não era médio nem avançado e que, por isso, só tinha de chutar a bola para a frente. Mas sempre gostei de sair a jogar, fui teimoso e continuei a fazer as coisas à minha maneira.

Antes de se afirmar no FC Porto representou Alverca e V. Setúbal.

É verdade que demorei a impor-me no FC Porto mas a dupla de centrais era Aloísio e Jorge Costa e já vinha de alguns anos. Com 20 anos, era quase impossível jogar e preferi sair. No ano do penta só fiz um jogo e pedi ao presidente para me deixar sair. Foi importante porque para crescer é preciso jogar.

Ao longo da carreira trabalhou com José Mourinho no FC Porto, no Chelsea e no Real Madrid.

Tive de conquistar a confiança dele mas foi muito gratificante trabalhar com Mourinho. Tínhamos uma relação muito profissional e ga

Q

Q nhámos títulos, que é o que mais interessa no futebol. Ainda hoje me lembro de muitas das conversas que ele tinha antes de uma final e eram discursos fortes. E acreditarmos em nós também é importante. Em 2004, por exemplo, eliminámos o Manchester United e o nosso subconsciente começou a dizer-nos que era possível chegar à final da Liga dos Campeões.

Como foi mudar do Chelsea para o Real Madrid?

Já estava muito adaptado a Londres, onde todos os adeptos me reconheciam, e é bom quando isso acontece, mas tinha 32 anos, começaram a falar na idade e precisava de outro desafio. Surgiu o Real Madrid, que é um sonho para qualquer jogador. Aceitei mais pelo desafio, precisava daquilo.

Gostou mais do ambiente no balneário em Londres ou em Madrid?

Joguei seis anos no Chelsea e éramos como uma família, ganhámos muitas coisas juntos. No Real Madrid dávamo-nos todos muito bem, mas o balneário é mais individualista. Cada jogador tem a sua vida, as suas tarefas com patrocinadores.

Sentia que os portugueses acompanhavam muito o Real Madrid?

Quem não gosta de ver o Real Madrid jogar? Tem sempre grandes jogadores. Tínhamos o Cristiano e havia a competitividade entre Real Madrid e Barcelona e Ronaldo e Messi. A luta do Cristiano era fazer cada vez melhor e ser o melhor marcador.

Quando foi para o Mónaco ainda não pensava terminar a carreira?

Fui prolongando a carreira, é verdade... Assinei por um ano, depois mais um e, por fim, ainda fiz mais uma terceira época. Nessa temporada fiz 42 jogos e tinha como grande objetivo ir ao Euro 2016.

“Faltava a muitos almoços e jantares de equipa. Tinha a necessidade de me libertar desse mundo”

Olhando para esse Europeu, foi quase uma vingança para si, que tinha perdido a final de 2004.

Sem dúvida. Se me perguntarem qual é a melhor equipa das duas, tenho de dizer que é a de 2016 porque ganhou. Mas a de 2004 era impressionante, com Figo, Rui Costa... Devíamos ter ganho aquela final! O Mundial 2006 também correu bem mas a partir daí tornou-se cada vez mais difícil jogar outra final. Tive esse privilégio em 2016, apesar de só ter jogado na fase de grupos. Não estava a 100% e acabei por ir para o banco, mas, jogasse quem jogasse, quem estava de fora torcia sempre pela equipa. Fomos um grupo muito unido e, perante as etapas que fomos passando, começámos a acreditar no discurso do míster Fernando Santos.

Foi o título mais importante?

Todos são importantes, mas esse supera os outros. Nos clubes jogamos todas as semanas e se perdemos um jogo podemos recuperar no próximo. Na seleção fazemos um jogo ou dois e só nos encontramos dois meses depois. É mais difícil quando perdes porque só podes tentar voltar a dar alegrias às pessoas meses depois. Como jogador sofria sempre mais com as derrotas da seleção do que com as dos clubes. A final do Euro 2004 ficou marcada durante muitos anos.

Por que motivo decidiu ir para a China, depois do Europeu?

Essa mudança esteve relacionada com o tempo de recuperação de um jogo para o outro. Dois dias para recuperar já não eram suficientes. Tinha 38 anos e com essa idade, depois de ter jogado em clubes grandes, teria de baixar de nível. Na China fui-me preparando para acabar a carreira. Ia voltar a ser pai e pus a estabilidade familiar à frente. O Ricardo nasceu em 2017 e decidi acabar, apesar de ter tido propostas de Índia e França. Não foi uma decisão fácil e pouco depois já sentia falta da competição, mas tinha de acontecer algum dia.

Vê muito futebol na televisão?

Agora sim, mas quando era jogador não via. Tínhamos todas as informações sobre os adversários, dadas pelo treinador, e, por isso, tentava desfrutar da família. Agora vejo mais jogos, até por causa do meu trabalho.

A sua mulher acompanhou-o sempre na carreira…

Começámos a namorar há muitos anos. A Carina tinha 17 anos e eu 19. Evoluímos juntos, crescemos e tenho o prazer de estar com ela todos os dias. Os meus colegas queixavam-se de que eu não era muito sociável mas a verdade é que fazia o meu trabalho no clube e, depois, o meu maior prazer era poder estar com a minha mulher e com os meus filhos. Faltava a muitos almoços e jantares de equipa. Não era nada contra os meus colegas, mas já passava tanto tempo com eles em estágio... Tinha a necessidade de me libertar desse mundo. Às vezes ia aos almoços, mas contrariado! E, mal o primeiro saía, eu ia atrás. W

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