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TER FILHOS COM QUASE 50 ANOS

A alegria e os medos de duas mulheres que provaram que, para elas, não era demasiado tarde para serem mães.

Por Graça Barbosa Ribeiro

Francisca, de 52 anos, “era uma workaholic” a quem “não passava pela cabeça ter filhos”. Sílvia, de 50, chegou a conformar-se com o que “achava que era a vontade de Deus”: que ela “nunca viesse a ser mãe”. Fazem parte do grupo cada vez mais numeroso de mulheres que têm filhos depois dos 40, uma opção que revolucionou o modo como ambas encaram o futuro e, também, como vivem o presente.

“É uma situação que se vem a acentuar nos últimos 20 anos. Porque não têm uma situação laboral estável, porque apostam na formação académica ou porque a carreira o exige, cada vez mais mulheres adiam a maternidade”, nota Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução. E as estatísticas confirmam: em 2000, a idade média da mulher ao nascimento do primeiro filho era de 26 anos; em 2020 já estava nos 30,7.

Francisca Barros enquadra-se num dos perfis indicados pelo obstetra. Auditora numa multinacional, “era absolutamente focada no trabalho”. Além disso, nunca foi pessoa de ficar encantada com bebés e considerava “enfadonhas as conversas das colegas sobre filhos”. “Ouvia, sorria calada, e esperava que acabassem”, conta. Mas, depois de alguns anos com aquele que agora é seu marido, sentiu, sem aviso prévio, “o relógio biológico”.

Com Sílvia Maurício e o marido, que vivem em Sintra, foi diferente. Há muito que sonhavam com Carolina, que tem 2 anos e meio. Durante 12 anos esconderam que estavam a recorrer à procriação medicamente assistida, para evitar pressões. Até que, em 2018, num jantar de família, puderam, finalmente, mostrar uma ecografia. “Já ninguém contava. Depois de uns segundos de surpresa, estávamos todos a chorar de alegria”, recorda Sílvia, emocionada.

Para Francisca (com quem a mãe brincava, falando do seu coração gelado, por nunca manifestar emoções) o momento das lágrimas chegou há sete anos, quando lhe puseram Carlota nos braços: “Não sei quanto tempo chorei, não conseguia parar.”

Carolina e Carlota não estão sós. A percentagem de crianças nascidas em Portugal quando as mães tinham 40 ou mais anos de idade mais que triplicou entre 2001 (2,3%) e 2020 (8%). O que, dada a quebra da natalidade, corresponde a 2.590 bebés nascidos em 2001 e a 6.785 em 2020. Talvez este aumento ajude a esbater a estranheza de quem rodeia estas pessoas. Pedro Xavier comenta que “a sociedade que obriga as mulheres a adiarem o momento de serem mães pode ser muito cruel com as que cumprem esse projeto mais tarde”. Francisca e Sílvia, no entanto, não se queixam de olhares críticos. Os embates foram outros.

Sílvia já tinha uma vasta experiência de cuidado de bebés, proporcionada pelos sobrinhos. Por isso, as alterações na rotina não a perturbaram. Ansiava por elas.

Para Francisca, que vive em Viana do Castelo, tudo foi novidade e as

“JÁ NINGUÉM CONTAVA. DEPOIS DE UNS SEGUNDOS DE SURPRESA, ESTÁVAMOS A CHORAR DE ALEGRIA”

exigências da maternidade atingiram-na como uma avalanche. “Aprender quando mudar a fralda, mudar a fralda, tentar perceber por que chorava a Carlota, dar de mamar, mudar a fralda, dar de mamar de novo…”, enumera. Além disso, “as sucessivas interrupções do sono pelo choro de um bebé”, descobriu, “são muito mais desgastantes do que uma direta em trabalho”.

“A capacidade de recuperação era muito diferente da que tinha aos 30:

“A CAPACIDADE DE RECUPERAÇÃO ERA MUITO DIFERENTE DA QUE TINHA AOS 30: ANDAVA EXAUSTA”

andava exausta”, diz. Decidiu despedir-se e, agora, faz alguns trabalhos, mas apenas quando Carlota está na escola. Sílvia não pôde fazer o mesmo. Regressou ao trabalho das 9h às 18h, na receção de uma oficina de reparação de automóveis, assim que terminou a licença de maternidade. O mesmo fez o pai da menina e Carolina ficou, até completar 1 ano, com um cuidador externo, já que a avó não tinha idade para ficar com ela sozinha.

O medo do futuro

Quando pensam no que haverá de diferente entre ser mãe aos 30 ou quase aos 50, Sílvia e Francisca falam no modo como encaram o futuro. Também Pedro Xavier afirma que “é preciso alertar para as implicações que uma criança tem na vida dos pais, a curto, médio e longo prazo. Por exemplo, é muito diferente a relação de um adolescente com uma mãe de 40 anos e com outra, de 70.”

Sílvia descobriu que a questão pode ser colocada de forma ainda mais dura: “Será que vou estar cá daqui a 10 anos?” Também pensa no que acontecerá quando a Carolina tiver 12 anos e ela 60. Mas são breves arrepios de angústia, “uma coisa que ainda agora veio e já passou”, porque ela afasta “essas ideias”. Procura concentrar-se “no essencial”, em “aproveitar todos os dias, todos os bocadinhos”.

Francisca e o marido tentam assegurar que a filha não passará por dificuldades financeiras, num futuro sem eles, e redobraram cuidados de saúde, preocupados com a sua própria longevidade. Ela também luta contra “a enorme tentação de superproteger” Carlota, para a ensinar a ser autónoma. Mas, se o futuro as assusta, o presente preenche estas mulheres com uma intensidade que, acreditam, é maior do que se tivessem sido mães mais cedo.

O pai de Carlota brinca com ela ao ar livre, Francisca prefere os puzzles e as bonecas. Ela sorri e conta que costuma dizer que é “mãe-avó”. Não tanto pela idade, mas por esse tempo em que se dá à filha, como a sua avó fazia com os netos.

Com 2 anos e meio, Carolina acompanha a mãe nas tarefas de um quotidiano em que não há gestão de paciência ou de tempo. “Corremos, brincamos, fazemos pinturas em família, mas também lhe ensino a fazer a cama, a estender roupa e como dobrá-la, quando está seca”, exemplifica Sílvia. Partilhar esses momentos que para outros são rotinas desagradáveis é outra forma de estarem juntas. “Essencial, porque, se não fazemos isso”, diz, “o tempo voa”. W

Sociedade

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2021-06-24T07:00:00.0000000Z

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