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O amigo

Casou Idade Desistiu Por Bruno Faria Lopes

No início de junho, o casamento de Jacinto, filho de Filipe Nyusi, Presidente da República de Moçambique, deu que falar. Decorreu no Dubai, foi adjetivado de ostentoso e dividiu-se em duas partes: a primeira no Consulado de Moçambique e a segunda num hotel de luxo dos Emirados Árabes Unidos com diárias desde 1.000 euros por noite.

“O REGIME É CORRUPTO E ELE CORRUPTO É”, ACUSA ANA GOMES. E AS AUTORIDADES PORTUGUESAS “FINGEM NÃO SABER”

A festa teve um custo estimado de 240 euros por cabeça e decoração sumptuosa. Isto no momento em que o país, além da crise financeira e da pandemia, enfrenta a ameaça terrorista em Cabo Delgado.

Para trás já tinha ficado o pedido de casamento a Neusa Bond por parte do filho do Presidente – também transmitido nas redes sociais e envolvendo a oferta de um automóvel topo de gama.

No fim de 2019, o CIP – Centro de Integridade Pública (que tem como objetivo “contribuir para a promoção da anticorrupção, transparência e integridade em Moçambique”), divulgou ter documentos que relacionam Jacinto com “a rede de corrupção e branqueamento de capitais que lesou o Estado em mais de 2.000 milhões de euros, o caso das dívidas ocultas”. A mesma entidade, em fevereiro de 2020, tornou público um relatório revelador. Nele podia ler-se: “Quando Filipe Nyusi tomou posse pela primeira vez como Presidente da República, a 15 de janeiro de 2015, ele e os seus filhos tinham 5 registos empresariais. Ao

fim de cinco anos, quando tomou posse para o segundo mandato, o número de empresas da família cresceu para 14.”

O presidente é sócio da SOMOESTIVA; a mulher Isaura e o filho Ângelo são proprietários da empresa Agro-Pecuária Paroba; o filho Florindo, além de conhecido pelo seu gosto por carros de alta cilindrada, é proprietário de duas empresas criadas após a chegada do pai à Presidência, nas áreas do design e impressão (Imográfica) e pesca industrial e segurança privada (Motil Moçambique); Jacinto, o do casamento no Dubai, é proprietário da The Gafe (marketing).

Quanto à filha Cláudia, a área de intervenção é bem mais extensa: tem 50% de participação na Dambo Investe (fundada em 2014), que atua em importações e exportações, hotelaria, turismo e exploração mineira. A empresa é uma das mais ativas parceiras do Estado moçambicano, de acordo com o relatório da CIP. Outra empresa controlada por Cláudia Nyusi é a Luxoflex, especializada em mobiliário de escritório – em 2017 ganhou dois concursos públicos para fornecimento de mesas.

A Dambo Investe já aumentou o raio de ação, criando a Odja Alimentos, a Macuse Trading e a Likaputela (ambas de import-export, prestação de serviços e representação de marcas internacionais) e a Nykali Oil, que opera no campo dos hidrocarbonetos, exploração, produção, distribuição e comercialização de energia, gás e petróleo. Além destas, Cláudia Nyusi registou mais duas sociedades comerciais em Moçambique, ULANDA e Kamy Energy SGPS.

Empresas “James Bond”

A conclusão do relatório do CIP, grupo constituído por jornalistas de investigação, académicos, juristas e cientistas sociais, foi clara quanto aos interesses empresariais da família Nyusi: são “empresas (...) cujo objetivo principal é usar o monopólio político dos seus proprietários para ganhar rendas através da influência política e do tráfico de influências”. Chamam-lhes “empresas James Bond”, com registos comerciais, mas que nunca saíram do papel. São “revendedoras de licenças e concessões dos recursos naturais que deviam estar sob o controlo do Estado moçambicano”. Um exemplo: a Motil Moçambique, que “em junho de 2017 cedeu a “titularidade de presenças e quotas de pescas” à Nanjing Runyang Fishing Corporation.

Ana Gomes, ex-candidata à Presidência da República, que se tem afirmado como uma voz anticorrupção em Portugal e nos PALOP, é direta sobre Nyusi: “O que sei é que o regime é completamente corrupto e ele corrupto é. Está metido no negócio do atum, está implicado no desvio de dinheiro do Estado. E os nossos governantes sabem-no. Além disso, é sinistro. Ameaçou a mulher do empresário que desapareceu, o Américo Sebastião.”

Em relação à restante família, a antiga eurodeputada também tem opinião: “Tenho amigos que lá estiveram, na embaixada e não só, que me dizem que o sistema é completamente corrupto. No outro dia pus um clip de um aniversário de um dos filhos dele, mas parece que há cenas de desmandos inacreditáveis. Não sei detalhes, sei que os moçambicanos sabem o que é que a casa gasta. E os portugueses também sabem muito bem, só que fingem não saber. Como se fez com Angola. À conta não sei de quê, de uma suposta realpolitik, dão cobertura a escroques e repressores em vez de apoiarem o povo de Moçambique.” W

milhões Faturação do grupo Prozis em 2020. “Há muita gente que nos quer comprar. Não temos uma porra de um preço”, diz Milhão no site da empresa

Fiquei espantada quando ele apareceu”, diz Alexandra Abranches, professora de Filosofia da Universidade do Minho. “Ele” era Miguel Milhão, que aos 30 anos era um aluno invulgar no primeiro ano de Filosofia. “Contou que tinha uma empresa que correra muito bem, que regressara para Braga e que estava reformado”, recorda a professora. Milhão já fazia jus ao apelido – começara a coleção de carros (terá sido o primeiro a ter um Tesla em Portugal), vivia numa quinta em Braga onde produzia a carne e os vegetais que comia. Não ostentava, mas se lhe perguntassem se tinha dinheiro, como acabaram por perguntar, assumia com simplicidade desarmante: “Tenho muito dinheiro.” O caloiro Miguel Milhão era o dono da Prozis, hoje uma das maiores empresas europeias de comércio de alimentos para desporto.

Apesar da presença frequente da Prozis nos patrocínios e nas redes sociais – onde é representada por

influencers como Carolina Patrocínio –, o seu fundador aparece pouco. É deliberado. A Prozis, uma empresa que indica uma faturação de 170 milhões de euros, raramente responde aos media, tal como Miguel Milhão. “Obrigado, mas não tenho interesse. Sou uma pessoa muito reservada e já não vivo em Portugal”, respondeu ao pedido da SÁBADO para este artigo. Na rede social LinkedIn indica que vive na Flórida.

A discrição é um meio de controlo por parte de uma figura assumidamente excêntrica. Os escritórios da Prozis na Maia ocupam um enorme espaço aberto no que outrora foi um centro comercial, hoje decorado com imagens de super-heróis e outros símbolos da cultura pop. O escritório de Milhão é um retângulo envidraçado e transparente, que chegou a ter um pequeno recinto exterior adjacente vedado por uma cerca, com fardos de palha e uma cabra, contou à SÁBADO uma fonte que preferiu o anonimato. Dentro do retângulo, além da secretária pessoal de Milhão, havia um gato da raça

sphynx [gato sem pelo]. A excentricidade estende-se à forma sui generis como comunica. Milhão descreve

É um excêntrico que não aparece nos media. Tirou Filosofia quando já era empresário, mas continuou implacável. O negócio que diz ter fundado com a venda do carro é um império na nutrição desportiva.

FAZ COLEÇÃO DE CARROS E TEM UMA QUINTA ONDE PRODUZ O QUE COME. NO ESCRITÓRIO TINHA UMA CABRA

assim no LinkedIn, em inglês, a sua vida “muito simples até aqui”: “0 [anos] – Nasci. 20 – Deus. 20 – Nasci. 23 – Casei. 24 – Filho 1. 26 – Filho 2. 27 – Rico. 29 – filho 3. 30 – Muito Rico. 31 – Stop... Respira… 32 – Reformado. 33 – Aí vamos outra vez!. 34. Woooowww. Estou a divertir-me tanto!!!” A lista continua até aos 37. As primeiras pequenas aventuras no mundo dos negócios falharam – desistiu do curso de Economia por ser “demasiado aborrecido” – até que em 2007 criou a Prozis. A história que circula nos media é a clássica deste meio: Milhão, na altura com 23 anos, vendeu o carro que o pai lhe oferecera e com esses 25 mil euros fundou o negócio (o pai, Eduardo Milhão, tem um negócio de venda de têxteis em Braga e a família viveu de forma desafogada). A ideia terá surgido da sua experiência como atleta federado de natação, que se deparou com o preço exorbitante dos suplementos alimentares. Milhão juntou-se ao dono de uma empresa de tecnologia, Jorge Silva, para fazer nascer a Prozis como negócio online.

Conseguir convencer pessoas a porem no seu corpo suplementos de uma marca desconhecida é difícil e a Prozis investiu desde cedo em publicidade, pondo gradualmente a marca a patrocinar desportos populares, como o futebol, e recorrendo a influenciadores. “Deram um empurrão muito grande, ajudaram a legitimar o produto aos olhos do cliente”, explicou o ex-diretor de marketing da empresa, Rui Cunha, a uma revista de comércio online. A Prozis é fornecedora oficial de nutrição dos maiores clubes de futebol em Portugal e na Europa, patrocina vários desportos e surfou a onda do fitness.

Hoje vende muito mais do que suplementos aos dois milhões de clientes registados que diz ter, sobretudo na Europa. De alimentos a roupa, passando por tecnologia, a lista é grande. A amplitude do catálogo – os criativos têm de inventar um produto novo todos os dias, refere uma fonte à SÁBADO – e a rapidez de entrega aos clientes são a chave. Dois nutricionistas ouvidos pela SÁBADO admitem a desconfiança inicial gerada pelo recurso a influenciadores, mas referem que os produtos, produzidos pela própria empresa, são genericamente bons.

O corredor solitário

A fortuna de Milhão tem-no levado a voos mais rasantes a negócios convencionais – o ano passado surgiu num consórcio com Marco Galinha (grupo BEL) e Gustavo Guimarães (do fundo norte-americano Apollo) a querer comprar a TVI. Já não gere o dia a dia da Prozis, mas mesmo quando geria arranjava tempo para o curso. Entre 2013 e 2017 o empresário fez todas as cadeiras com média de 16, exceto uma, que diz ter deixado por fazer “porque fica melhor assim”. Uma colega sondou-o uma vez a perguntar por oportunidades na Prozis e teve como resposta: “Isso não é comigo, é com a direção de recursos humanos”, conta José Amaro, que fez o mesmo curso. Entre os alunos houve quem chegasse a trabalhar para Milhão e comentasse o fosso entre o estudante de Filosofia e o empresário duro.

José Amaro, que fez Filosofia como segundo curso aos 55 anos, recorda-o como um “corredor solitário”, “muito seguro de si e interventivo nas aulas”, ao mesmo tempo acessível e frio, “um liberal para quem o mercado determina tudo”. O curso de Filosofia ajuda muito a estruturar o pensamento e foi por isso que Milhão o escolheu, acredita o ex-colega. “Só ilustra a inteligência dele”, nota. A certa altura, Amaro testemunhou o contacto de uma gestora de patrimónios interessada em aconselhar Milhão a gerir o dinheiro crescente. “Ó Zé Amaro, a mim ninguém me dá conselhos”, foi a resposta. W

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