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Carlos Miguel (1943-2021)

Andou em simultâneo em Medicina, Belas-Artes e no Conservatório Nacional, mas o sonho de ser ator foi mais forte. O Fininho do 1, 2, 3 morreu no sábado, dia 19, com 78 anos

Tarzan, super-homem, Sherlock Holmes, faquir, gladiador, índio ou um pombo de Lisboa. Durante 86 semanas, em 1984 e 1985, Carlos Miguel interpretou dezenas de personagens no concurso 1, 2, 3, apresentado por Carlos Cruz. O Fininho, como ficou conhecido, brincava com a sua magreza. “Tirei partido do meu corpo. Na altura em que comecei os atores eram todos gordos, como o Vasco Santana, só havia um também magro, mestre Ribeiro, o Ribeirinho”, contou em 2012 a Fátima Lopes (TVI).

No programa A Tarde é Sua, confessou que antes do sucesso teve “muitos momentos difíceis”. “Já tinha 20 anos de representação, já tinha feito muitas comédias, farsas, teatro histórico e de revista ou até operetas, mas o meu sonho era trabalhar com Laura Alves. Ela disse-me para ter calma, que um dia ia precisar de mim. Uma vez, houve um colega que não pôde ir ao Porto, ela chamou-me e fiz um grande reboliço com a peça Pai, Precisa-se. Então, ela foi ter com o empresário Vasco Morgado e disse-lhe: ‘Está aqui um talento do caraças, tens que aproveitar o rapaz’. E fui fazer Um Fantasma Chamado Isabel, que me abriu as portas para o 1, 2, 3.”

DEFENDEU OS ATORES: “SOBRETUDO OS QUE FICAM ESQUECIDOS, DEPOIS DE TANTO TEREM FEITO PELO TEATRO E PELA VIDA”

O concurso trouxe-lhe fama. “Valem mais cinco minutos na TV que um ano em cena. Na TV entramos na casa das pessoas sem pedir licença e chegamos aos sítios mais recônditos”.

Depois do 1, 2, 3 teve a sua fase mais mediática, entrando em várias comédias, como Nico D’ Obra, Eu Show Nico (de Nicolau Breyner), Trapos e Companhia, Os Andrades, Reformado e Mal Pago ou Médico de Família.

Carlos Miguel, nascido em Lisboa a 11 de junho de 1943, até esteve para ser médico. Como contou na TVI, deixou o curso de Medicina no 4º ano para ser ator. Os pais eram fãs de teatro, mas queriam que tivesse uma profissão mais estável. Por isso, além de frequentar o Conservatório Nacional e Belas-Artes, também foi para Medicina. “Hoje era mais um a passar certidões de óbito”, brincou.

Estreou-se no palco com 16 anos (1959): fez de pajem em A Longa Jornada, no Teatro da Trindade, em Lisboa. Durante a década de 60 integrou as companhias de Teatro Popular, Lírica e de José Miguel, estreando-se na revista com Mini Saias.

Ao longo de 50 anos de carreira, esteve em mais de 200 peças, na maioria comédias ou de teatro de revista, tendo contracenado com figuras como Armando Cortez, Camacho Costa, Canto e Castro, Fernanda Borsatti, Io Apolloni, Ivone Silva, Manuela Maria, Vera Mónica ou Natalina José. Em 1998, foi-lhe detetado um cancro nas cordas vocais e afastou-se da vida artística. Mudou-se para a aldeia de Gralho (Salvaterra de Magos) com a companheira, Zélia Arthur (com quem viveu 38 anos), e dedicou-se à pintura, à escrita e à leitura. “Exilei-me voluntariamente. Estava revoltado, mas encontrei aqui paz de espírito. Respira-se ar puro, não há confusão”, afirmou em 2010 à RTP. Nessa reportagem, foi revisitar o Parque Mayer. E revelou que a sua revista favorita foi Lisboa, Tejo e Tudo. “Bateu recordes, esteve dois anos seguidos em cena no ABC, com sessões duplas.” Foi também assistir a uma peça de La Féria. No fim, o ator José Raposo, que o apontou como “grande referência” e “um dos melhores comediantes de sempre”, pediu-lhe para ir ao palco, o que o comoveu: “Sinto a falta do público, das palmas, da adrenalina da estreia. Quando sobe o pano e aparece aquela multidão, sabe-se lá o que é que eles vão fazer”. W

A Semana

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2021-06-24T07:00:00.0000000Z

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