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O plástico e o desejo de voltar ao passado

OCEANO GLOBAL ALDINO SANTOS DE CAMPOS

Recordo-me ainda de num passado não muito distante praticarmos muitas ações às quais hoje chamamos amigas do ambiente. Ações como comprar pão e trazê-lo num saco de pano, beber leite vendido em garrafas de vidro e entregar praticamente todo o vasilhame, não para ser reciclado, mas sim reutilizado, eram a regra. Obviamente, estas não eram entendidas como ações amigas do ambiente, nem tão-pouco isso era uma preocupação. Apenas nos regíamos pelo que a economia nos proporcionava. Com o aparecimento do polietileno, de forma massiva no nosso dia a dia, tudo mudou. Foi como se de repente já nada era necessário reutilizar porque o descartável ajudava, de certa forma, o acelerar do consumo e, consequentemente, a economia. O uso desmesurado do plástico nas nossas vidas veio dar uma falsa sensação de pseudossegurança sanitária, pois o artigo consumido era apresentado numa embalagem de utilização única. Era, de facto, prático, mas a fatura dessa facilidade poderá revelar-se extremamente cara ao nível da saúde humana, hoje ainda sem um custo final completamente definido.

Ao olharmos para a saúde do oceano global, facilmente constatamos a poluição por parte dos plásticos como uma das fases mais visíveis de toda a poluição marinha. De facto, uma grande parte dos resíduos produzidos em terra, se não acondicionados de forma apropriada, acabam por ir parar ao oceano. Ao considerarmos este flagelo à escala mundial, falamos em quantidades astronómicas da ordem dos 8 milhões de toneladas por ano que “plastificam” aquela que é considerada uma fonte natural de proteína para consumo humano. Os grandes continentes de plástico que se formam pelos vários quadrantes do globo, fruto das correntes oceânicas, são um exemplo disso.

Entre eles destaca-se o Great Pacific Garbage Patch, onde os plásticos e microplásticos gravitam sobre e abaixo da superfície das correntes oceânicas entre a Califórnia e o Havai, numa área de cerca de 1,6 milhões de quilómetros quadrados.

Mas os problemas resultantes não ficam somente pelo impacto estritamente ambiental. Este tipo de poluição está também associado à dimensão física dos próprios objetos poluentes. Relativamente aos de maior dimensão, muitos animais marinhos acabam por ficar emaranhados em artes de pesca ou outros objetos de plástico existentes no oceano. Muitos destes poluentes acabam por ser ingeridos pela fauna marinha ao serem confundidos com comida. Mas ainda mais preocupante, com consequências diretas para a saúde humana, é a ingestão de microplásticos por parte da biologia marinha que, ao absorver os componentes do plástico para os seus tecidos, acabam por dar início a um novo ciclo da cadeia alimentar. Esta realidade já foi incontestavelmente identificada em várias espécies, sendo que, ao serem absorvidos por animais de maior dimensão, estes poluentes tornam-se parte dos seus tecidos acabando, invariavelmente, por se tornar parte dos alimentos consumidos ao nível humano.

A longevidade temporal deste tipo de poluição, aliada à sua contínua produção, poderá agravar ainda mais o estado de saúde do oceano. Sendo certo que os microplásticos já são parte integrante do ecossistema marinho, tal como são as algas e o plâncton, resta agora saber o que é que correu mal na última meia década para chegarmos a este ponto. Não é que seja contra o uso de plásticos de uma forma geral, mas não compreendo o seu uso em artigos de única utilização que, garantidamente, têm um curtíssimo espaço de tempo de vida útil até se tornarem poluentes. Certamente não é por se cobrar um valor simbólico de um saco num supermercado que vamos conseguir ultrapassar este flagelo. Claramente, esse valor está numa dimensão monetária completamente diferente daquela que será necessária para corrigir os problemas gerados pela origem do problema. Contrariamente, aquilo que se vê ainda hoje, em que grandes superfícies comerciais optam por soluções de uso de plástico de uso único, é imperativo que o modelo económico iniba este princípio definitivamente. Contudo, “desplastificar” a economia é obviamente uma responsabilidade de todos nós, não só dos que produzem, dos que distribuem, mas também dos que consomem. Voltar ao passado até parece ser a solução…

Não é por se cobrar um valor simbólico de um saco num supermercado que vamos conseguir ultrapassar este flagelo.

OPINIÃO

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2023-02-07T08:00:00.0000000Z

2023-02-07T08:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/281818582985720

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