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“Tivemos clientes em insolvência por via dos pagamentos do Estado”

Há empresas que chegam a ter de pedir financiamento para pagarem o IVA de faturas que emitiram mas ainda não receberam, revela o CEO da Nucase, empresa de contabilidade com mais de 1.500 clientes.

HUGO NEUTEL

A Nucase, que presta serviços de contabilidade, gestão e recursos humanos, não tem relação direta com o Estado mas está em posição privilegiada para observar os efeitos da demora das entidades públicas em regularizar pagamentos em atraso: de entre os mais de 1.500 clientes que acompanha, vários fazem negócio com as administrações públicas, avança ao Negócios o CEO e fundador António Nunes.

“Temos algumas dezenas que têm relação direta com o Estado central e com as autarquias”, avança, “sobretudo na saúde na construção”, o que lhe permite “ver as consequências dos pagamentos em atraso” na tesouraria das empresas.

António Nunes não hesita em sublinhar o problema, que considera muito grave, do “efeito dominó” que a demora do Estado tem na saúde das companhias: “Acontece muito empresas demorarem a pagar porque o Estado também demora”, afirma.

O atraso do Estado no pagamento das faturas tem também a consequências a nível de impostos visto que o calendário fiscal não leva em linha de conta se a empresa já recebeu de facto cada fatura que emite – e que inclui o IVA, que tem de ser pago nos prazos previstos, que frequentemente terminam antes do recebimento acontecer.

António Nunes sublinha que “os impostos têm prazos curtos, e as empresas têm de adiantar o IVA que só recebem muito tempo depois”. “Por vezes”, lamenta, “precisam de recorrer a financiamento para pagar o imposto”. O que as empresas fazem nesses casos é, na prática, “financiar o Estado”, critica.

Quando os devedores são as entidades públicas, pior ainda. Demoram a pagar mas o fisco não tolera atrasos a receber, e existe uma dupla penalização: além do tempo que passa até que tenham o dinheiro na conta, têm de pagar os juros do empréstimo.

Se o Estado pagasse mais pontualmente, realça, “teria a ganhar porque evitaria também muitos litígios”.

O CEO conta que a Nucase, apesar de não fazer negócio com o Estado, já foi “vítima desse problema, porque muitos clientes não pagavam invocando situações dessas e tivemos também nós que adiantar o dinheiro ao Estado de impostos relativos a faturas que só recebíamos muito tempo depois”. “Chegámos a ter 300 mil euros de IVA adiantado ao Estado por conta de faturas que ainda não tínhamos recebido”, mas que, por via do calendário fiscal, tinham que pagar o imposto antes de terem na conta o pagamento que era devido.

A bola de neve pode mesmo levar a fins trágicos: “Já tivemos empresas que do ponto de vista económico tinham uma situação relativamente saudável mas por causa do atrofio dos pagamentos do Estado entraram em insolvência”, revela.

Ainda recentemente acompanhou um cliente que escapou por pouco a esse destino: “Uma empresa de informática quase entrou em insolvência porque chegou a ter quase um ano de faturas de entidades públicas por receber”, conta.

As empresas, que pagam entre si com um atraso médio de 22 dias, têm de esperar muito mais nos casos em que o cliente é o Estado. Geralmente o prazo acordado é de 60 ou 90 dias, mas as entidades públicas “chegam a ultrapassar 180 dias e há algumas

As entidades públicas chegam a ultrapassar 180 dias e há algumas que demoram mais do que um ano. Há hospitais que dizem que pagam mas exigem desconto.

Uma empresa de informática chegou a ter quase um ano de faturas por receber e quase entrou em insolvência.

ANTÓNIO NUNES CEO e Fundador da Nucase

que demoram mais do que um ano”, aponta. E diz ainda que há situações mais graves no caso dos hospitais: “dizem que pagam mas exigem um desconto”.

No universo de clientes que acompanha, a Nucase observa que “as empresas já começam a ter uma consciencialização da importância do tema, já começam a ser mais exigentes nos recebimentos”.

A Nucase tem 160 colaboradores e terminou 2022 com um volume de negócios de mais de 5 milhões de euros.

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2023-02-07T08:00:00.0000000Z

2023-02-07T08:00:00.0000000Z

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