Chutar à baliza
BERNARDO RODO Diretor-geral da OMD
Os principais desafios de longo prazo são conhecidos: mudanças climáticas, escassez de recursos, degradação ambiental, densidade populacional e desigualdade social. São problemas estruturais, transversais e à escala global, cuja solução implica a cooperação entre nações com regimes políticos e interesses económicos divergentes. Implica também a capacidade de impor medidas impopulares e com efeitos negativos nos agentes económicos e nas populações.
É sabido que os interesses económicos não são simbióticos e que as mudanças necessárias implicam um esforço coordenado dos vários governos que atuam (por norma) com base em calendários legislativos de quatro anos. Esse esforço é partilhado com as instituições financeiras e com as empresas que atuam em ciclos ainda mais curtos. É um jogo de astúcias que quando perturbado pode fazer colapsar o frágil equilíbrio das economias.
O curto prazo aponta para a confluência dessa derrocada. Crise económica e energética, evidência de uma recessão, pressão sobre as poupanças privadas por via da inflação e subida das taxas de juro, dependência das instituições financeiras de investimentos especulativos. Uma vez mais é indicada a fragilidade de dois bancos “sistémicos” no epicentro da ameaça – Credit Suisse e Deutsche Bank – por exposição aparentemente “irresponsável”, entre outros fatores, a investimentos não seguros e disseminação desse risco pelo sistema bancário.
Os bancos centrais estão a tentar conter a situação, apesar de condicionados pelas dificuldades das suas economias. Crise imobiliária na China (segunda economia mundial), um setor que representa 30% do PIB. Queda da libra no Reino Unido (quinta economia mundial) e incapacidade do governo de segurar a desvalorização das obrigações que emitiu para financiar a subida do custo da energia.
Explosão do dólar, um indicador histórico de instabilidade nos mercados de valores.
Enquanto isso, o “dinheiro” circula entre ativos diversificados na tentativa de se proteger. Com as quedas consecutivas nos mercados de valores, desvalorização da bitcoin, inflação e subida das taxas de juro, os investimentos alternativos ganham tração em concorrência à emissão de obrigações pelos governos. Arte contemporânea, artigos de luxo, “aposta” na insolvência de empresas e bancos, “crowdfunding” imobiliário, apenas para dar alguns exemplos.
Seja pela transferência de riqueza, correção dos crescimentos desproporcionados durante a pandemia ou ameaça global, é uma ilusão que demonstra a fragilidade do sistema, que todos concordam dever prevalecer na inexistência de outro melhor. No entanto, o “dinheiro” não é uma entidade autónoma e independente da vontade dos seus titulares. É importante perceber se a motivação do investidor é apenas assegurar a proteção do capital ou se existe interferência de fatores sociológicos.
Se as crises económicas e financeiras são cíclicas e os seus efeitos conhecidos, a atual crise identitária que a humanidade atravessa não tem precedente. Os comportamentos sociais são cruciais para atravessar períodos de crise uma vez que implicam a aceitação de sacrifícios com vista a al
A ideia de que a situação está fora do controlo individual é admissível desde que exista um escrutínio da responsabilidade. Os estados devem salvar empresas cujo colapso afeta todo o sistema, mas têm de ter instrumentos para assegurar que a situação não se repete. Se os bancos Credit Suisse e Deutsche Bank estão de facto alavancados em ativos de risco transparece para o indivíduo que, uma vez mais, a crise anterior não serviu de aprendizagem e a fatura não é distribuída equitativamente.
Nos regimes democráticos os segmentos mais vulneráveis da população são aqueles que mais influenciam as políticas. No entanto, a necessidade de atender aos problemas de curto prazo pressupõe regimes de exceção nas frentes de combate – taxas de juro, liquidez, crédito e regulação – sem que se corrijam os perigos sistémicos que suportam as economias em constante crescimento. Como não é possível mudar este paradigma, as empresas devem concentrar esforços na resiliência, agilidade e liquidez para recuperar dos erros que vão inevitavelmente cometer.
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Uma vez mais, a crise anterior não serviu de aprendizagem e a fatura não é distribuída equitativamente.
OPINIÃO
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2022-10-07T07:00:00.0000000Z
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