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Dilemas internacionais

JOÃO BORGES DE ASSUNÇÃO Professor na Universidade Católica Portuguesa

Nos últimos meses, muitas histórias da política internacional me têm chamado a atenção. Hoje vou referir brevemente quatro histórias que me interessam particularmente.

A primeira é sobre a Ucrânia onde a Rússia organizou de forma ultrarrápida “referendos” em quatro das regiões que invadiu e onde exerce algum controlo militar. A Rússia é, ainda, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas o que aumenta a gravidade do seu comportamento.

Os “referendos” são obviamente uma farsa jurídica. E ninguém de boa-fé os poderá reconhecer. A ficção jurídica que são estes “referendos” legitimam à luz da jurisdição russa a anexação de mais quatro grandes regiões da Ucrânia pela Rússia. E agravam os riscos da situação.

Na frente militar a Ucrânia tem tido aparentes sucessos nos últimos meses com recuperações significativas de território. Mas a Rússia continua a ser uma superpotência militar e por muito que eu gostasse de ver David vencer, Golias tem ainda a força do seu lado.

A mobilização parcial dos civis russos é bastante impopular nas famílias comuns. E esse pode ser o rastilho de uma mudança, Que não deverá ser rápida nem limpa.

A China é também membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. E uma ditadura de partido único. E vai organizar o XX congresso do partido comunista onde deveria escolher uma nova geração de líderes, no sistema de rotação desenhado por Deng Xiaoping.

A substituição do ditador supremo de dez em dez anos constituía uma pequena esperança de moderação e de maior liberdade. Isso será aparentemente abandonado neste congresso.

Os chineses constituem um sexto da população mundial e não têm qualquer voz na escolha de quem os governa. A situação é totalmente anacrónica mesmo pelos padrões das sociedades asiáticas. Que o seu líder atual se possa eternizar no cargo é bastante desmoralizador, para o mundo, mas acima de tudo para os chineses.

O resto do mundo tem de aceitar a continuação do regime chinês, até pelo seu poderio económico e militar. Mas não se deve fingir que é um regime legítimo ou positivo para o seu povo.

Desde o referendo do Brexit que o Reino Unido já teve quatro primeiros-ministros. O processo de saída da União Europeia parece ter colocado o Reino Unido num beco sem saída. É difícil compreender que a atual primeira-ministra britânica seja melhor que os anteriores ou que tenha melhores ideias para governar o país com o apoio do povo.

O último episódio é o anúncio de um miniorçamento de estado, que aparentemente foi elaborado sem grandes contas ou reflexão económica. Aliás os principais dirigentes do Tesouro britânicos foram afastados por considerarem que as medidas poderiam não bater certo se os mapas financeiros fossem elaborados com rigor.

É injusto dizer que a forte quebra da libra e a desconfiança dos mercados sobre a dívida britânica se deve exclusivamente a este último episódio. O que parece ter acontecido é o mercado deixou de acreditar que o Reino Unido possa ser bem governado. O berço da democracia está em forte crise de liderança política.

Os próximos líderes credíveis terão de reconhecer o erro económico que é a decisão de sair da União Europeia, e construir uma ideia de futuro a partir dessa base. Até lá haverá apenas turbulência política e rotação de primeiros-ministros.

Guardo para o fim a história mais inspiradora. No Irão, parece estar em curso um grande protesto popular. Numa ditadura teocrática opressiva que reprime violentamente quem não usa certas peças de vestuário há jovens que discordam publicamente.

Os gestos são simples: tirar o véu ou cortar o cabelo em público.

Elas são extraordinariamente corajosas. Até porque algumas das jovens mulheres podem ser duplamente punidas na rua e em casa. Convém lembrar que não há tradição histórica de, no Irão, obrigar as mulheres a usar véu a cobrir o cabelo. Isso é uma construção jurídica do atual regime iraniano. Algumas mulheres mais velhas lembram isso mesmo, que já andaram na rua sem véu numa altura em que isso não era punido.

Que as ditaduras sejam desafiadas por gestos simples mostra a sua fragilidade. O exemplo das jovens iranianas faz-nos manter a esperança no futuro da humanidade. E se os seus gestos forem observados noutros países não democráticos podem constituir verdadeiros rastilhos de mudança.

O nosso mundo atual tem histórias plenas de esperança no meio dos retrocessos na governação de muitos países importantes.

Coluna mensal à sexta-feira

O exemplo das jovens iranianas faz-nos manter a esperança no futuro da humanidade.

OPINIÃO

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2022-10-07T07:00:00.0000000Z

2022-10-07T07:00:00.0000000Z

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