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Uma prima lembra-se dela a andar de um lado para o outro na sala a ler o que escrevia. “Não faças barulho que

um fantasma antigo. As pegadas estavam apagadas.

Num poema ela escreve: “Os mortos não sabem que estão mortos. Só nós sabemos.” Os vivos, sim, sabem que morrem e perguntam-se o que morre com eles.

Rui Magalhães não desistiu. Pôs um anúncio no jornal à procura de um fantasma. Só teve uma resposta ao anúncio no JL a pedir informação sobre Maria Amélia Neto. Era de um outro poeta, José Carlos Costa Marques, que tinha contactado Maria Amélia Neto algum tempo antes de ela morrer para a publicar na revista Diversos. Através dele conseguiu contactar a funerária que tinha tratado do enterro. E através da funerária, os familiares. A afilhada, Florbela Silva, tinha guardado tudo aquilo que lhe parecera importante, tendo consciência de que o trabalho da madrinha poderia ter importância. Guardou os papéis dela, manuscritos, poemas anotados, e ainda a correspondência, documentos, e algumas fotografias. Cabia tudo numa caixa. Uma caixa que aguardaria que aparecesse alguém que tivesse lido com dedicação os poemas, que não morrem enquanto continuar a haver quem os leia.

“Dear Sir, traduzi a minha peça ‘Os Deuses Não Velam Pelas Cidades’ para inglês (...) Envio aqui a tradução na esperança que possa interessar o vosso serviço de Programas”, escreve numa carta para uma televisão inglesa. Escreve para a BBC. Corresponde-se com uma consultora de argumentos.

Era uma pessoa modesta. Não era pessoa para se gabar. Mas devia acreditar com grande convicção no seu próprio trabalho.

Traduz a sua própria poesia. Tenta conseguir publicar em Inglaterra e em França. Tem contactos num lado e no outro. Viaja frequentemente para Londres. Chega a ter contacto com T. S. Eliot, que introduz em Portugal.

Era o seu gosto pelas línguas, pelas viagens, e pelo estudo, que davam à sua poesia um mundo diferente. Um mundo que não tinha

SÉRIE ESCRITORAS ESQUECIDAS

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2022-10-07T07:00:00.0000000Z

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