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MARIA AMÉLIA NETO O mistério que a poesia não desvenda

SUSANA MOREIRA MARQUES

Publicou em vida seis livros de poesia. Construiu uma obra independente, como ela própria era: uma mulher independente com um percurso pouco comum para a sua época. Morreu há quase sete anos e, se não fosse um investigador ter encontrado o seu espólio, estaria hoje ainda mais desaparecida.

Talvez a poesia seja sempre um mistério. Como é que a poesia aparece? Como é que faz parte da vida de um leitor, como é que um leitor passa a ser escritor de poemas? Em que se inspira?

Críticos, estudiosos, professores, passam anos a tentar desvendar os mistérios de como os poemas são criados e os poetas nascem. Mas no caso de Maria Amélia Neto talvez venha sempre a ficar um mistério.

Apareceu como poeta nos anos 1960, década em que publicou cinco livros de poesia, mas só voltaria a publicar em 1999, e os seus livros rapidamente desapareceram de circulação.

Morreu num dia como os outros. Não se sabe se nesse dia terá escrito. Não se sabe se nessa altura ainda escrevia alguma coisa. Não se sabe se estaria satisfeita com a sua vida literária, com o trabalho que tinha publicado – ou se teria pena de não ter publicado mais.

Nesse dia, como em tantos outros dias, foi ao cabeleireiro ao pé de casa, em Benfica, e teve um acidente vascular cerebral. Morreu alguns dias depois num hospital de Lisboa, em janeiro de 2016, com 88 anos.

Não tinha filhos. Não tinha irmãos vivos nem tinha sobrinhos. Foram uns primos que trataram do funeral. A sua biblioteca foi desmantelada e a sua casa também, sobrevivendo apenas um pequeno espólio.

Nunca chegou sequer a sair um obituário que desse nota de que tinha morrido uma poeta, uma voz original, uma mulher que tinha passado as horas livres a produzir poemas sem ninguém saber – talvez nem ela mesma – porquê.

“Como é que surge a poesia na vida dela? É uma questão que ponho e torno a pôr e não tenho resposta”, diz Rui Magalhães, que reeditou a poesia de Maria Amélia Neto e editou ainda inéditos, em 2021, e continua a investigar a autora.

Maria Amélia Neto nasceu em outubro de 1928 no Montijo. O pai trabalhava na marinha mercante. A família passou algum tempo no Funchal mas rapidamente se instalou em Lisboa, onde Maria Amélia viveria o resto da vida. O pai andava muito tempo embarcado e ela cresceu com a mãe, com quem viveria até ao final da vida desta.

Tirou o curso comercial e trabalhou na Siderurgia Nacional até se reformar. Ainda assim, arranjava tempo para estar envolvida na vida literária de Lisboa: esteve na fundação do PEN Clube em Portugal e fez parte da primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores.

“Uma mulher que faz uma formação numa escola comercial, nada a ver com literatura, e trabalha toda a vida nisso, que era de uma família modesta, não era uma pessoa de posses, como é que chega à literatura?”, diz Rui Magalhães. “Era um mistério e [depois de toda a investigação que fez] continua a ser.”

SÉRIE ESCRITORAS ESQUECIDAS

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2022-10-07T07:00:00.0000000Z

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