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O enorme imposto da banca sobre a poupança

BRUNO FARIA LOPES

“Ao aumentar a taxa de juro diretora, o banco central torna o dinheiro mais caro, logo o poder de compra das pessoas diminui, as decisões de consumo são adiadas, o recurso ao crédito é desincentivado e a poupança renderá juros maiores.” A explicação sobre “como as taxas de juro afectam o nosso dinheiro” está num novo site que a Associação Portuguesa de Bancos criou em prol da literacia financeira. A frase está correcta do ponto de vista da teoria, mas olhando para a realidade percebemos que há algo que está a faltar: “A poupança renderá juros maiores.”

Em Agosto, o jornalista Diogo Cavaleiro assinou uma peça no Expresso com o título “Bancos sem pressa para subir juros dos depósitos”. No final desse mês, a taxa de juro média dos novos depósitos a um ano não se limitou a ficar inalterada em valores próximos de zero – chegou mesmo a cair ligeiramente, para 0,07%. Nestes últimos dois meses a política monetária alterou-se de forma ainda mais dramática, mas, para pedir emprestada a expressão, os bancos continuam sem grande pressa para remunerar melhor as poupanças – e, por agora, sem incentivos para terem pressa.

Uma das pistas para percebermos porquê está nos mesmos dados sobre Agosto, publicados pelo Banco de Portugal: num ambiente de inflação anual média que ficará perto de 8%, os clientes bancários em Portugal aplicaram 4,1 mil milhões de euros naquele mês em depósitos, mais do que no mês anterior e mais do que no mesmo mês de 2021. Por cá nunca houve tanto dinheiro depositado nos bancos: no início do mês passado os depósitos só de clientes particulares (ainda há as empresas) superavam 181 mil milhões de euros. Tudo isto, note-se, praticamente a taxa zero.

Os bancos estão cheios de liquidez e têm pouco incentivo para competirem entre si para captar recursos, elevando as taxas a que remuneram a poupança. A viragem da conjuntura a caminho de uma recessão amplia este incentivo, uma vez que faz prever uma desaceleração da concessão de crédito – o excedente de recursos que os bancos decidam parquear no Banco Central Europeu tem, por enquanto, uma remuneração muito baixa (0,75%). Num mercado em que o clima é de entendimento tácito, e em que todos estão na mesma situação, não espanta que até agora ninguém se tenha mexido para aumentar os juros dos depósitos.

Este cenário pode mudar à medida que as taxas de depósito do BCE e as Euribor continuarem a subir. A certa altura passará a compensar aos bancos subirem as taxas nos depósitos, uma vez que poderão espremer um pouco mais da aplicação dos seus excedentes, seja no BCE, seja noutros bancos (esta modalidade conta para o cálculo dos rácios de capital, daí a Euribor ter de subir mais para que compense a um banco emprestar a outro). Quem quiser ganhar quota de mercado vai mexer-se primeiro e desencadear o movimento dos outros. Estas subidas serão, contudo, tardias face à perda presente imposta pela inflação – e ficarão longe de poder compensar a dimensão da perda de poder de compra.

Tudo isto tem dois significados. O primeiro é que este ciclo de inflação está ser muito bom para a margem financeira dos bancos – estes vêem crescer, de forma significativa, a diferença entre o que cobram pelos créditos e o que pagam pelas poupanças. O segundo é que a resposta da banca à inflação está a funcionar como um enorme imposto encapotado sobre a poupança de milhões de pessoas em Portugal. É uma política de austeridade praticada pelo sector financeiro, com um efeito fortíssimo: uma desvalorização média, em termos reais, de 10% do “stock” total de depósitos no conjunto de 2022 e 2023 significará a vaporização de mais de 18 mil milhões de euros dos aforradores.

O perfil muito conservador e a fraca literacia financeira em Portugal facilitam este tipo de “política privada de austeridade”. Ser conservador, hoje, significa estar a perder muito dinheiro em depósitos, o que é o oposto de ser conservador. Mas, para ser justo com as pessoas, há que notar que o cerco às suas poupanças é quase total. O melhor que o maior concorrente dos bancos nesta frente, o Estado, tem para oferecer em certificados de Aforro e afins ronda os 2%. É mais do que as taxas zero da banca, mas ainda assim está longe de ser uma salvaguarda aceitável para o dinheiro dos aforradores (e uma fonte de pressão para o sector financeiro subir taxas). Este massacre é, à falta de melhor palavra, irónico num país em que a escassa poupança é um problema económico perene – e mais uma demonstração de como uma perda relevante de rendimento pode ser encapotada num cenário de inflação alta.

Uma perda média real de 10% da poupança global entre 2022 e 2023 significará a vaporização de mais de 18 mil milhões de euros dos depositantes.

SEMANA

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2022-10-07T07:00:00.0000000Z

2022-10-07T07:00:00.0000000Z

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