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Apostar em Itália

Tradução: Carla Pedro

No passado dia 18 de setembro, tive o privilégio de participar no Encontro Nacional da Cavalieri del Lavoro, a federação italiana das elites empresariais, na qual 25 empresários são homenageados todos os anos pela sua liderança, inovação e contributos para a sociedade. O estado de espírito que transparecia era surpreendentemente otimista.

O otimismo acerca das perspetivas económicas de Itália – que oscilam entre um otimismo cauteloso e um otimismo quase incontido – não se limita a este grupo. E nem sequer é difícil perceber o que está por detrás deste sentimento tão positivo, mas o facto é que surge num momento inusual. Afinal de contas, a economia mundial está a debater-se não só para recuperar do choque pandémico mas também para se adaptar a um difícil novo normal, caracterizado por ventos climáticos adversos, congestionamento nas cadeias de abastecimento e crescentes tensões geopolíticas.

Depois de mais de duas décadas de um lento crescimento económico e de um desempenho abaixo do seu potencial, o otimismo de Itália é ainda mais surpreendente. Mas dois fatores que se reforçam mutuamente parecem estar agora a virar o jogo: um governo credível e eficaz, liderado pelo primeiro-ministro, Mario Draghi, e uma nova vontade da União Europeia de fornecer um robusto apoio orçamental ao investimento. E estes dois fatores não estão dissociados.

Em retomas económicas robustas e sustentadas, o investimento do setor privado é o motor imediato do crescimento e do emprego. Mas o setor público tem de criar um contexto propício, investindo em importantes ativos tangíveis e intangíveis e atuando na qualidade de reformador e regulador credível.

É grande a confiança na capacidade do atual governo de Itália para desempenhar essas funções. Para começar, o historial de Draghi inspira respeito. Enquanto presidente do Banco Central Europeu, revelou um firme compromisso para com uma maior integração e prosperidade da Europa e mostrou-se disposto a tomar medidas corajosas quando necessário.

Além disso, Draghi preencheu o seu governo com ministros talentosos e experientes. O resultado é um governo que é pragmático e decidido, se bem que disposto a debater questões controversas e aberto a experiências. É uma combinação vencedora.

No entanto, apesar de todos os seus pontos fortes, o governo de Itália ainda tem perante si apertadas restrições orçamentais. Com a dívida pública a ter disparado para 160% do PIB durante a pandemia, o governo tem em mãos – no mínimo – um grande desafio no que toca a investir adequadamente no crescimento futuro.

E é aqui que entra a União Europeia. Se a pandemia tem uma lição para o mundo reter, essa lição é a de que ninguém está a salvo até todos estarem a salvo. Do mesmo modo, nenhuma região da UE pode alcançar consistentemente o seu potencial económico se outras regiões estiverem a debater-se para financiar o investimento e sustentar o crescimento.

Assim, no ano passado, o bloco europeu acordou criar um fundo de recuperação no valor de 750 mil milhões de euros, conhecido como Next Generation EU, com o propósito de financiar o investimento em áreas vitais como o capital humano, investigação e desenvolvimento, transformação digital e transição para as energias limpas. O fundo poderá fazer uma verdadeira diferença não só devido à sua dimensão mas também ao facto de a concessão desse financiamento estar condicionada a planos credíveis a nível nacional, e também porque é atribuído em tranches, dependentes da sua implementação eficaz.

O Next Generation EU marca uma nova direção do bloco. Depois de a crise financeira global de 2008 ter desencadeado uma série de crises da dívida soberana na Europa, houve uma feroz resistência às propostas de transferências orçamentais. Os defensores da austeridade impuseram-se e levaram a melhor.

Mas não desta vez. A diferença talvez possa ser explicada, em parte, pelo facto de a pandemia ter atingido toda a economia global, ao passo que as crises da dívida que se seguiram à crise de 2008 foram apontadas como sendo resultado da “irresponsabilidade orçamental” dos países a título individual. Além disso, nessa altura surgiram sérias dúvidas quanto à capacidade de alguns governos usarem de forma sensata quaisquer fundos que lhes fossem transferidos. Qualquer que tivesse sido o motivo para isso, a União Europeia sofreu bastante com a sua abordagem no pós-2008, o que minou grandemente a coesão e a solidariedade, especialmente nas economias em apuros do Sul da Europa.

Agora parece estar a acontecer o contrário. No caso de Itália, a confiança na integridade e competência do governo está já a dar lugar a um maior investimento estrangeiro e nacional, apesar de o programa de reformas estar ainda numa fase inicial. A mesma impressão – reforçada, sem dúvida, pelas impecáveis credenciais europeias de Draghi – está também a levar a União Europeia a mostrar-se mais disposta a oferecer o seu apoio orçamental, estimulando ainda mais a confiança dos investidores.

Itália é agora um perfeito exemplo de como, nas condições certas, o otimismo se pode tornar uma profecia autocumprida. Tende-se a pensar que as expectativas são um reflexo da realidade no terreno. No entanto, se tivermos em conta que as expectativas motivam as decisões de investimento, então estas podem também ajudar a moldar a realidade. Em termos económicos, as expectativas são endógenas ao sistema: tanto são um contributo como um resultado.

Sem dúvida de que se as expectativas divergirem significativamente da realidade subjacente, acabarão por ser recalibradas com o tempo. Mas o otimismo, a par com uma reforma eficaz, pode também apoiar a transição de padrões de baixo crescimento para padrões de elevado crescimento. Da mesma forma, o pessimismo pode minar o investimento e o crescimento. A melhor maneira de compreender grande parte das experiências vividas pelas economias emergentes na transição para um crescimento mais elevado e sustentado apresenta-se em termos das dinâmicas descritas.

Esta experiência também destacou uma determinante-chave para o resultado: a liderança. Um governo que promove uma visão de melhor desempenho económico, e que inspira confiança quanto à sua capacidade de concretizar essa visão, melhora drasticamente as hipóteses de uma economia passar de um equilíbrio com crescimento zero para um padrão de crescimento mais alto e sustentado. Poderá ser isto que estamos agora a observar em Itália, com o apoio orçamental europeu a dar um impulso adicional.

Está ainda por ver se Itália atingiu realmente um ponto de viragem económica. O governo tem ainda de implementar uma substancial agenda de investimentos e reformas, e poderão surgir muitos obstáculos. Contudo, atendendo a que o governo de Draghi parece já ter aliviado o fardo das baixas expectativas e da fraca confiança, as perspetivas económicas para Itália são melhores do que aquelas que se viu no país durante muito tempo.

Itália é agora um perfeito exemplo de como, nas condições certas, o otimismo se pode tornar uma profecia autocumprida.

Se a pandemia tem uma lição para o mundo reter, essa lição é a de que ninguém está a salvo até todos estarem a salvo.

OPINIÃO

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2021-10-26T07:00:00.0000000Z

2021-10-26T07:00:00.0000000Z

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